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Juiz não anula venda judicial de terreno no interior paulista

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2 de abril de 2007, 0h50

O juiz Lavínio Donizetti Paschoalão, da 1ª Vara Cível de São José do Rio Preto (SP), julgou improcedente ação movida por Dilson Rodrigues de Souza, que pretendia anular a venda judicial de um terreno que pertencia ao inventário de Vera Rodrigues. Dilson queria ser indenizado pelo preço pago, considerado abaixo do valor de mercado. Cabe recurso ao Tribunal de Justiça de São Paulo.

O terreno, uma gleba medindo 5,8 mil metros quadrados, foi avaliado judicialmente em 1997 em R$ 260 mil. A venda foi registrada em 19 de janeiro de 1998 pelo valor periciado. Como havia um débito de IPTU de cerca de R$ 95 mil, o comprador assumiu a dívida e pagou o restante em 12 parcelas, que foram depositas em juízo.

“O pleito deduzido pelo autor não está a merecer acolhida”, afirmou o juiz Lavínio Donizetti. Para ele, o autor da ação não merecia credibilidade ao dizer que a venda do imóvel configura verdadeira dilapidação ao patrimônio do inventário quando, pelo que se pode ver dos documentos juntados, ele próprio tentou dilapidá-lo e não com a intenção de pagar os credores.

De acordo com o juiz, há elementos de provas “robustos” que foram trazidos ao processo aprontando no sentido de que houve, inclusive, falsificação da assinatura da já morta Vera Rodrigues, para dilapidação de seu patrimônio, o que poderia ter sido feito pelo autor da ação.

“Se assim o é, inadequada e inidônea se revela a via eleita pelo autor, para buscar a declaração de nulidade do ato que autorizou a venda do imóvel. Porquanto se experimentou prejuízos com a venda, como sustenta, deve então se voltar contra o Estado, que tem responsabilidade objetiva pelos atos lesivos praticados por seus agentes no exercício da função pública, como o preconiza o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, à evidência, observado o prazo prescricional pertinente.”

O juiz aponta que a ação traz a público um dos mais “rumorosos e escabrosos” casos que já se teve conhecimento no Judiciário de São José do Rio Preto. De acordo com o juiz, o caso teve a participação de um magistrado e de auxiliares da justiça e nele foi autorizada a venda de um imóvel em inventário, apropriando-se de valores da venda. A conduta provocou a exoneração dos servidores envolvidos, com a aplicação de sanções tanto na esfera civil quanto na penal.

A ação foi movida contra a Sociedade Assistencial de Educação e Cultura, mantenedora do Centro Universitário do Norte Paulista (Unorp) e os co-réus Antonino Pasquini, Rariton André Pasquini, Maria Fernanda Correa Mahfuz Pasquini, Hector da Silva Santos e Patrícia Fernandes de Matos Santos. Dílson pede, também, a anulação da escritura de compra e venda desse imóvel, entre a Sociedade Assistencial de Educação e Cultura e os demais co-réus, assinada em março do ano passado no valor de R$ 600 mil. A família Pasquine é dona da marca de roupas Acostamento.

O autor da ação sustenta que foi vítima de um plano preparado pelo então juiz do inventário Júlio César Afonso Cuginotti, do ex-diretor do cartório da 4ª Vara Cível Carlos Antonio Fernandes e do advogado Antonio José Giannini. Segundo Dílson, diante da dúvida lançada sobre sua filiação, converteu-se a herança de Vera Rodrigues em jacente, nomearam o advogado como curador e autorizaram a venda do imóvel à Sociedade Assistencial de Educação e Cultura. Ainda de acordo como o autor da ação, todos, sem exceção, estariam previamente ajustados em tal propósito.

Ele alegou que os co-réus Antonino Pasquini, Rariton André Pasquini, Maria Fernanda Correa Mahfuz Pasquini, Hector da Silva Santos e Patrícia Fernandes de Matos Santos não poderiam alegar que compraram o imóvel de boa-fé, pois os atos ilícitos praticados pelo ex-juiz, pelo ex-diretor do cartório e pelo advogado foram amplamente divulgados na mídia.

O caso

O ex-juiz da 4ª Vara Cível de São José do Rio Preto Júlio César Afonso Cuginotti, o ex-escrivão Carlos Antonio Fernandes e o advogado Antonio José Gianini são acusados de se apropriar indevidamente de cerca de R$ 82 mil, retirados de contas judiciais do inventário de bens deixados por Vera Rodrigues.

A Justiça reconheceu, em primeira instância, a responsabilidade dos acusados pelos saques irregulares. Eles foram condenados a restituir o valor e ao pagamento de multa civil equivalente a três vezes o valor do desfalque. O valor da condenação hoje equivale a cerca de R$ 180 mil, acrescidos de juros e correção monetária. Há recurso aguardando julgamento no Tribunal de Justiça.

Na época, como havia dúvida a respeito da qualidade de herdeiro reclamada por Dílson Rodrigues de Souza, a Justiça suspendeu o curso do inventário e converteu a herança em jacente (quando não existe herdeiro), nomeando o advogado José Giannini como curador.

A pedido do curador, a Justiça deferiu a venda de um imóvel urbano do espólio pelo valor de R$ 260 mil. Desse valor foram debitados tributos e custas e o restante foi depositado em várias contas correntes no banco Nossa Caixa, todas elas vinculadas ao juiz da 4ª Vara Cível.


Veja a decisão

Processo n° 884/2006. 1º Ofício Cível

V I S T O S.

1. DILSON RODRIGUES DE SOUZA, qualificado nos autos, ajuizou a presente Ação Declaratória de Nulidade de Atos Jurídicos contra SOCIEDADE ASSISTENCIAL DE EDUCAÇÃO E CULTURA, ANTONINO PASQUINI, RARITON ANDRÉ PASQUINI, MARIA FERNANDA CORREA MAHFUZ PASQUINI, HECTOR DA SILVA SANTOS e PATRÍCIA FERNANDES DE MATOS SANTOS, com igual qualificação nos autos, visando a declaração da nulidade da venda judicial do imóvel matriculado sob nº 46.921, junto ao 1º Cartório de Registro de Imóveis da comarca, que foi feita à ré instituição de ensino, nos autos da Ação de Inventário de sua mãe Vera Rodrigues, processo nº 2.302/95, o qual foi transformado em procedimento de herança jacente, e que teve seus trâmites perante a Egrégia 4ª Vara Cível da comarca, bem como, da venda feita por aquela aos demais co-requeridos, ao argumento de que a precedente alienação judicial efetuada nos citados autos de inventário foi concluída mediante fraude e simulação.

Formulando pedido sucessivo, e pedindo as providências processuais atinentes à espécie, requereu fosse a ação julgada procedente, com a condenação dos requeridos nos consectários de estilo. À causa atribuiu o valor de R$170.000,00 (cento e setenta mil reais). Com a inicial (fls.02/09), trouxe aos autos a procuração e os documentos de fls.10/234. Citados (fls.236vº), contestaram a ação os requeridos, aventando matérias prejudiciais de mérito, e pedindo, no mais, fosse ela julgada improcedente, a instituição de ensino requerida, ao argumento de que a pretensão deduzida na inicial se encontra atingida pelo advento da prescrição, além de invocar o instituto da coisa julgada e asseverar que a alienação judicial objeto de discussão nos autos deu-se com a observância do devido processo legal. Já os co-requeridos, em sua contrariedade, repisando em parte as matérias agitadas na precedente resposta, aduziram da licitude e boa-fé que revestiram o negócio jurídico entabulado com a ré pessoa jurídica, além de asseverar que o preço ajustado observou e atendeu os interesses dos adquirentes. As respostas vieram acompanhadas de procurações e documentos. Réplica à fls.426/434.

Documentos outros vieram aos autos à fls.439/468. Em apenso, vêem-se os autos da impugnação ao pedido de assistência judiciária interposta pelos requeridos, a qual foi julgada improcedente. Vieram-me conclusos.

É o relatório.

D E C I D O.

2. Conheço diretamente do pedido, na forma do artigo 330, I, do Código de Processo Civil, porquanto a matéria ventilada nos autos, conquanto de direito e de fato, prescinde de dilação probatória. Pretende Dilson Rodrigues de Souza, via da presente ação declaratória de nulidade de atos jurídicos que move contra Sociedade Assistencial de Educação e Cultura, Antonino Pasquini, Rariton André Pasquini, Maria Fernanda Correa Mahfuz Pasquini, Hector da Silva Santos e Patrícia Fernandes de Matos Santos, a obtenção de provimento jurisdicional declaratório de nulidade da venda judicial do imóvel objeto da matrícula nº 46.921, junto ao 1º C.R.I. da Comarca, ou quando muito, que a ré pessoa jurídica o indenize pelo preço pago aquém do valor de mercado do imóvel. Venda esta, aliás, procedida no seio do inventário de Vera Rodrigues em favor de Sociedade Assistencial de Educação e Cultura, que teve seus trâmites perante a Egrégia 4ª Vara Cível da Comarca.

E, de conseqüência, de nulidade também da escritura de compra e venda desse imóvel, entre a Sociedade Assistencial de Educação e Cultura e os demais co-réus na ação. Para tanto sustenta o autor ter sido vítima de um plano adredemente preparado pelo então juiz do inventário, Júlio César Afonso Cuginotti, do ex-diretor do 4º Ofício Cível Carlos Antonio Fernandes e do advogado Antonio José Giannini, consistente em, ante a dúvida lançada acerca de sua filiação, converter a herança em jacente para, nomeado o advogado como curador, autorizar a venda do imóvel à Sociedade Assistencial de Educação e Cultura, sendo que todos, sem exceção, estariam previamente consertados e ajustados em tal propósito. Também, que os co-réus Antonino Pasquini, Rariton André Pasquini, Maria Fernanda Correa Mahfuz Pasquini, Hector da Silva Santos e Patrícia Fernandes de Matos Santos, que adquiriram o imóvel ao depois da Sociedade Assistencial de Educação e Cultura, não podem alegar tê-lo feito de boa-fé, eis que os atos ilícitos praticados por Julio César Afonso Cuginotti, Carlos Antonio Fernandes e Antonio José Giannini e a Sociedade Assistencial de Educação e Cultura foram amplamente divulgados na mídia, notadamente o preço vil por que foi alienado.

Objetando tal pretensão os requeridos aventam matérias prejudiciais de mérito e rogam, no mais, pela improcedência do pedido, sustentando a licitude dos negócios jurídicos que se inquina de nulidade. No entretanto, o pleito deduzido pelo autor não está a merecer acolhida. Com efeito, traz-se à lume de discussão nos autos um dos mais rumorosos e escabrosos casos que já se trouxe ao conhecimento do Judiciário nesta comarca, onde, com a participação de um juiz de direito e de auxiliares da justiça, autorizou-se a venda de um imóvel em inventário, apropriando-se de valores atinentes à venda, o que ensejou a exoneração e/ou demissão dos envolvidos, com a aplicação de sanções pertinentes tanto na esfera civil quanto na penal. Contudo, se assim o é, veja-se que, como percucientemente anotaram os réus em resposta, a venda do imóvel em questão foi autorizada no seio do inventário da falecida agora reconhecida mãe do autor, Vera Rodrigues, que também usava e assinava outros nomes.


Assim é que, procedida de prévia avaliação feita por engenheiro civil (fls.62/71), o juiz do inventário autorizou a venda do imóvel a Sociedade Assistencial de Educação e Cultura (fls.110/122), para fazer face aos débitos tributários que incidiam sobre o monte. Não se conformando com a venda autorizada, o autor interpôs A.I. contra aquela decisão, tendo o eminente relator, Des. Ruy Camilo, negado provimento ao recurso, ficando referido acórdão assim ementado: “INVENTÁRIO – venda de bem imóvel do espólio para pagamento de dívidas – admissibilidade – irrelevância de ser maior o valor do imóvel – recurso não provido.” Fundamentando aquela decisão, acentuou o eminente relator: “Consoante informações prestadas pelo MM. Juiz de Direito a quo, a venda do imóvel foi concretizada, sendo que nos autos estão sendo depositadas as parcelas do preço.

Acrescentou-se, ali, que tal venda se fazia necessária para cobrir os elevados débitos tributários do espólio, que se encontra em estado de abandono. No sentido da admissibilidade da venda de bens para pagamento de dívidas do espólio há julgado da Corte, assim consubstanciado: ‘INVENTÁRIO – Alienação de bens para pagamento de dívidas – Possibilidade – Ainda que superior ao débito o valor do imóvel a ser alienado, tal circunstância não poderá servir de óbice à venda, porque não se conceberia alienação de parte de imóvel indivisível – Agravo negado. (Agravo de Instrumento nº8.740-4 – Presidente Prudente – 6ª Câmara de Direito Privado – Relator: P. Costa Manso – 23.05.96 – V.U.).’ Ainda que assim não fosse, os autos de inventário foram suspensos para que o ora agravante provasse a filiação em relação à de cujus, que parece ter sido resultado de fraude.

Aliás, há elementos robustos trazidos para este instrumento, no sentido de que houve, inclusive, falsificação da assinatura da falecida Vera, para dilapidação de seu patrimônio, o que teria sido feito pelo agravante. Assim, não merece credibilidade o agravante ao afirmar que a venda do imóvel configura verdadeira dilapidação ao patrimônio quando, pelo que se pode ver dos documentos juntados, ele próprio tentou dilapidá-lo e não com a intenção de pagar os credores.” Se assim o é, inadequada e inidônea se revela a via eleita pelo autor, para buscar a declaração de nulidade do ato que autorizou a venda do imóvel.

Porquanto se experimentou prejuízos com a venda, como sustenta, deve então se voltar contra o Estado, que tem responsabilidade objetiva pelos atos lesivos praticados por seus agentes no exercício da função pública, como o preconiza o artigo 37, §6º, da Constituição Federal, à evidência, observado o prazo prescricional pertinente. Já que não se vislumbra na situação em comento nenhuma das hipóteses que o legislador civil elencou no artigo 166 para fulminar o ato com nulidade, extirpando-a do mundo jurídico. Pelo contrário, como visto, a venda judicial foi feita com finalidade certa – pagamento de tributos incidentes sobre o monte – em processo de inventário procedida de avaliação e autorizada por alvará tanto em primeira quanto em segunda instância. D

estarte, imperioso se mostra o desacolhimento do pedido declaratório de nulidade feito e bem assim, via de conseqüência, do pedido indenizatório sucessivo, restando prejudicadas as demais matérias agitadas nos autos.

3. Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE a presente Ação Declaratória de Nulidade de Atos Jurídicos que DILSON RODRIGUES DE SOUZA moveu contra SOCIEDADE ASSISTENCIAL DE EDUCAÇÃO E CULTURA, ANTONIO PASQUINI, RARITON ANDRÉ PASQUINI, MARIA FERNANDA CORREA MAHFUZ PASQUINI, HECTOR DA SILVA SANTOS e PATRÍCIA FERNANDES DE MATOS SANTOS. Sem custas, a vista da gratuidade de justiça, arcando o autor com honorários de advogado, ora arbitrados em 10% do valor atualizado da ação, cuja exigibilidade fica condicionada à ocorrência das hipóteses tratadas nos artigos 11, §2º, e 12, da Lei nº 1.060/50. P.R.I.C. São José do Rio Preto, 20 de março de 2.007.

LAVÍNIO DONIZETTI PASCHOALÃO

Juiz de Direito

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