Briga das eleições

Leia voto de Britto contra direito de resposta de Lula na Folha

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30 de setembro de 2006, 7h00

Para o ministro Carlos Britto, o pedido de direito de resposta de Lula contra o jornal Folha de S. Paulo sequer deveria ter sido recebido pelo Tribunal Superior Eleitoral. Isso porque, para ele, a parte representada (o jornal) “não integra o rol dos três encarecidos atores da cena eleitoral: candidato, agremiação partidária, coligação de partidos”.

Na ação, o relator, ministro Marcelo Ribeiro, votou pelo acolhimento do direito de resposta. Após a leitura do voto do ministro Carlos Ayres Britto, pediu vista do processo o ministro Marco Aurélio.

A reportagem contestada foi publicada no dia 21 de setembro, na coluna do jornalista Clóvis Rossi. O título era “Pior que república bananeira”. Um dos trechos impugnados dizia o seguinte: “Só em um país de seriedade zero, como o Brasil, o presidente da República pode continuar a pretender ser inocente quando os seus mais graduados assessores têm contas a prestar à Polícia e à Justiça. Com a queda de Ricardo Berzoini, presidente do PT, do cargo de coordenador da campanha, tem-se o seguinte: todos os dois homens que exerceram papel idêntico ou similar nas duas campanhas de Lula caíram por algum tipo de trambique”.

Leia a íntegra do voto

“REPRESENTAÇÃO No 1201 – Classe 30 – DISTRITO FEDERAL (BRASÍLIA)

Relator: Ministro Marcelo Ribeiro

Representante: Coligação A Força do Povo

Advogado: José Antônio Dias Toffoli e outros

Representante: Partido dos Trabalhadores (PT) – Nacional

Advogado: Márcio Luiz da Silva e outro

Representado: Empresa Folha da Manhã S/A (Jornal Folha de S. Paulo)

Advogado: Marina Dias Werneck de Souza e outros

VOTO-VISTA

Com o propósito de conhecer com a detença possível o objeto desta representação, pedi vista dos presentes autos. Vista que me foi concedida na sessão plenária de 27 de setembro do fluente ano e que me possibilitou elaborar o voto que ora submeto ao lúcido pensar dos meus dignos pares, precedido do breve relato que segue.

2. Pois bem, devo informar que o eminente Min. Marcelo Ribeiro, relator deste processo, votou pelo conhecimento da representação e, no mérito, pela procedência do pedido. Assim o fez para conceder o pleiteado direito de resposta à coligação-representante. Tal como fizera na assentada do último dia 26 (processo nº 1.207), em favor da mesma coligação-representante e contra o mesmo jornal-representado (“Folha de São Paulo”). No que foi seguido por mim mesmo e pelos ministros Cezar Peluso e Gerardo Grossi.

3. É o relatório, assim brevemente feito por se tratar do relançamento de uma tese jurídica ainda anteontem (26.9.06) discutida e votada em Plenário; qual seja, o direito de resposta que se lê na cabeça do art. 58 da Lei Federal nº 9.504/97, literis:

“A partir da escolha de candidatos em convenção, é assegurado o direito de resposta a candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social”.

VOTO

4.Conforme pude dizer no transcurso da sessão de ontem à noite, citando o jurisconsulto uruguaio Eduardo Couture, “o tempo se vinga das coisas feitas sem a colaboração dele”. E o fato é que a estonteante dinâmica da Justiça Eleitoral obriga esta Superior Instância a decidir muito rapidamente sobre algumas questões que, pela sua mais saliente relevância, demandariam aturada reflexão. O preço que se paga, então, é o risco bem maior de incidência em erro técnico. Erro que se traduz, já se vê, no indevido equacionamento jurídico das controvérsias postas sob os nossos cuidados de órgão especial de judicatura eleitoral.

5. É o que tenho como acontecido na decisão tomada no mencionado processo de representação nº 1.207. Isso porque − respeitosamente o digo − a maioria dos votantes não atentou o bastante para a consideração de que a Lei 9.504 é um diploma que “estabelece normas para as eleições” . Nela, o seu mais caracterizado objetivo é assegurar a lisura do processo eleitoral. Lisura que outra coisa não é senão a própria depuração do regime representativo e da moralidade que se põe como inafastável condição de investidura em cargo político-eletivo. Daí que tudo gravite em torno dos protagonistas centrais do certame, que são os candidatos e seus partidos políticos, agindo estes assim de forma isolada como em coligação.

6. Nesse bem fincado palco é que se aclara a compreensão do mencionado art. 58: ele assegura, sim, direito de resposta, porém às expensas de qualquer um daqueles três centrados atores da cena eleitoral: candidato, partido, coligação partidária. Vale dizer, tão-somente às custas de um ofensor que seja ao mesmo tempo ator político é que o ofendido vê a sua honra desagravada, ou a verdade dos fatos restabelecida. Passando a ocupar, então, o mesmo espaço em que se movimentou o seu adversário (candidato, partido, ou coligação partidária, repise-se). Terçando as mesmas armas de que se valeu o seu eventual detrator. Pois assim é que se restabelece o equilíbrio de forças entre competidores de u´a mesma pugna, sabido que o direito de resposta é mecanismo assecuratório desse mesmo equilíbrio entre partes.

7. É certo, não se nega, que o art. 58 termina sua fala normativa com explícita referência ao agravo que se veicule “por qualquer meio de comunicação social”. Mas não é menos certo que tal referência apenas quer explicitar o seguinte: a longa manus da lisura eleitoral persegue o ofensor por todos os espaços de sua ilícita movimentação, ainda que perpetrada esta em momento e local não-coincidentes com aqueles reservados ao programa eleitoral gratuito. Noutros termos, o que importa é garantir ao ofendido a possibilidade do desagravo, seja qual for o veículo de que se valeu o ofensor para alcançar o chamada grande público (âmbito pessoal de alcance dos meios de comunicação social, não por acaso chamados de meios de comunicação de massa).

8. Esta reinterpretação que estou a fazer perante os dignos e doutos ministros deste TSE, ainda no acanhado lapso de 24 horas do presente pedido de vista, creio que encontra sua cabal justificativa na órbita mesma do diploma legal em comento (Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997). Como penso que ela ainda mais se tonifica se considerada à luz da Constituição de 1988. Explico.

9. O direito de resposta, a princípio, é de duas ordens. Faz parte da legislação eleitoral (já o vimos) e ainda se põe como instituto de Direito Constitucional . Ali, é ferramenta de equilíbrio de forças entre disputantes da preferência do eleitor. Dá-se numa determinada quadra da vida em sociedade, que é, justamente, o período eleitoral (daí a lei falar: “A partir da escolha de candidatos em Convenção (…”). Ostenta, por isso, natureza especial. Tem um âmbito pessoal menor de incidência e um âmbito material que se exprime na tutela da honra e do restabelecimento da verdade dos fatos. Aqui, na Constituição (inciso V do art. 5º), o direito de resposta se apresenta como de natureza geral ou comum. Por isso mesmo que seu âmbito pessoal de incidência é mais dilatado. Tendo por específicos objetos de proteção a honra e a imagem das pessoas, tanto naturais quanto jurídicas. Além do que exercitável de modo opcionalmente cumulativo com “indenização por dano material, moral ou à imagem”.

10. Diga-se mais. Enquanto instituto de Direito Constitucional, o direito de resposta faz contraponto à liberdade de pensamento ou expressão . Não a propaganda eleitoral, seja ela positiva, seja negativa. Donde encontrar na legislação comum (civil, ou penal) a sua apropriada arena de luta. O seu locus de manifestação. A menos que tal liberdade de expressão ou pensamento se dê por veículo de comunicação social, mormente sob a forma de exercício profissional; porque, aí, tratando-se de veículos de comunicação de massa e de exercício da profissão de jornalista, a legislação que incide sobre a matéria é especial (legislação que arranca ou decola do inciso XIII do art. 5º da Constituição ). Não a legislação eleitoral, aclare-se, mas a legislação de imprensa, propriamente (Lei Federal nº 5.250, de 9.2.1967), em cujo corpo se encontra, atente-se, a figura do direito de resposta (arts. 29-36), com seus peculiares contornos.

11. É neste passo que uma outra distinção toma corpo. Se se trata da primeira modalidade de livre manifestação do pensamento, a regulação constitucional se contém no mencionado inciso IV do art. 5º. Mas se tal liberdade já se materializa como da segunda espécie, a regulação constitucional é retomada pelo art. 220, com seus §§ 1º e 2º, sob o inteiro capítulo que toma o nome de “Da Comunicação Social” (capítulo V do título de nº VIII). E o fato é que essa regulação constitucional em apartado é uma normação de reforço. Um plus protecional à liberdade em causa. Confira-se:

“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”

§ 1º. Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”.

§ 2º. É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

12. Ora bem, nesse panorama constitucional de reforçada proteção aos meios de comunicação de massa e aos profissionais da imprensa, não parece juridicamente defensável submeter uns e outros a duas ordens de especial controle legislativo: a Lei de Imprensa e a Lei das Eleições, em tema de direito de resposta. É sobredificultar ou sobreembaraçar o que a nossa Constituição quis invulgarmente protegido. E quis invulgarmente protegido, fale-se, por ser a Imprensa a mais avançada sentinela das liberdades públicas. A mais natural representante da sociedade civil. E por serem os jornalistas em geral, por definição, os profissionais do comentário crítico. O desembaçado olho sobre o nosso cotidiano existencial e os mais recônditos recintos do Poder.

13. Acresce que é precisamente em período eleitoral que a sociedade civil e a verdade dos fatos mais necessitam da liberdade de imprensa e dos respectivos profissionais. Quadra histórica em que a tentação da subida aos postos de comando do Estado menos resiste ao viés da abusividade do poder político e econômico. Da renitente e porca idéia de que os fins justificam os meios.

14. Por tudo quanto posto, é do meu pensar que a representação sub judice não ultrapassa a barreira processual do conhecimento. O art. 58 da Lei 9.504 não incide, no ponto, em razão de a parte representada não integrar o rol dos três encarecidos atores da cena eleitoral: candidato, agremiação partidária, coligação de partidos.

15. Em caráter preliminar de mérito, portanto, não conheço da representação.”

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