Além do voto

Especialistas analisam chances do dossiê contra Lula

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30 de setembro de 2006, 7h00

Os autores já estão todos identificados. O dinheiro para o pagamento da compra até apareceu na foto. E o produto da compra, o dossiê que diz que Serra fez parte do esquema sanguessuga, foi amplamente divulgado por revista de circulação nacional. Todos os elementos do suposto crime estão aí.

Um ministro de alto tribunal diz que se fosse o caso de um prefeito de cidade do interior, nestas circunstâncias, “seria tiro e queda”. O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Paulo Brossard, afirmou no programa Roda Viva da TV Cultura, que “há elementos abundantes” para a impgunação da candidatura do presidente. Mas especialistas acreditam que será difícil que o escândalo configure crime eleitoral capaz de impedir que Lula, caso eleito, assuma em 1º de janeiro.

Como a Justiça, mesmo a Eleitoral que segue ritos bem menos formais do que a criminal ou a cível, se baseia em provas e não em simples evidências, será preciso provar que Lula teve envolvimento direto com a compra do dossiê. Ou provar que o dinheiro encontrado com membros de seu partido é proveniente de caixa 2 da campanha de Lula. Sem isso, Lula pode concorrer, ser eleito e assumir sem problemas.

A investigação judicial sobre o envolvimento do presidente na compra do dossiê e a origem do dinheiro foi autorizada pelo corregedor-geral do Tribunal Superior Eleitoral, ministro César Asfor Rocha e está em andamento. Também toca um inquérito sobre o caso a Polícia Federal, que procedeu à prisão dos envolvidos — Luiz Antonio Vedoin, cabeça do esquema dos sanguessugas e suposto vendedor do dossiê que incriminaria José Serra no escândalo de um lado; e do outro os compradores da peça, o empresário Padilha da Silva e o ex-agente da Polícia Federal, Gedimar Pereira Passos, ambos ligados ao PT de Mato Grosso.

Alguns advogados, que preferiram falar em off, acreditam que a culpa vai recair sobre Aloizio Mercadante, candidato ao governo de São Paulo, que concorre com Serra. Isso porque a compra do dossiê envolveu integrantes de sua equipe de campanha. Como Mercadante deve perder a eleição para Serra, uma eventual condenação não teria conseqüência prática em termos de eleição para ele.

A Lei da Eleições (9.504/97), em seu artigo 30-A, prevê a cassação do diploma quando for comprovada a captação ou gasto ilícito de recursos. E é com base nesse dispositivo que especialistas em Direito Eleitoral ouvidos pela revista Consultor Jurídico, analisaram as possibilidades de Lula ser atingido pela bomba do dossiê-gate.

O advogado do candidato Cristovam Buarque (PDT), Eduardo Nobre, diz que a origem do dinheiro é o ponto crucial da discussão em torno da candidatura do presidente Lula. Segundo ele, é preciso apurar se houve abuso de poder econômico e político, caso o dinheiro não conste na prestação de contas de Lula. “É preciso provar que esse dinheiro era para a candidatura de Lula ou que ele teve envolvimento direito com o episódio”, constata.

Fernando Neves, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral, declarou que tudo vai depender da apuração de provas e dos depoimentos das testemunhas. “Só haverá inelegibilidade do presidente por três anos se for comprovado o abuso de poder econômico e o uso indevido dos meios de comunicação”.

O advogado Renato Ventura, especialista em Direito Eleitoral, afirma que a simples compra de um dossiê não é crime. “A questão é de onde veio o dinheiro”. Segundo ele, é preciso provar que o dinheiro foi arrecadado para a campanha de reeleição do presidente Lula, daí a prática poderia ser enquadrada em abuso de poder econômico e infração às regras da prestação de contas. “Tudo vai depender de provar a vinculação. Se eu compro um dossiê, não é crime. Mas se isto estiver vinculado à campanha, dinheiro de caixa 2, aí pode configurar crime”, ilustra o advogado.

O especialista Alberto Rollo vai na mesma direção. Acha que o uso do dossiê é que poderia configurar um crime eleitoral, o que não chegou a acontecer, já que a Polícia Federal prendeu os petistas antes do pagamento.

Outro especialista, o advogado Alexandre Fidalgo, ressalta que o uso de dinheiro não contabilizado para fins eleitorais, sobretudo para campanha negativa de adversário, constitui abuso do poder econômico. “Se configurada a participação de dinheiro do partido na compra do dossiê em questão entendo que há crime eleitoral, pois a finalidade da compra do material dos Vedoin era a de explorar negativamente a candidatura de Serra e de Alckmin.”

Em caso de reeleição

Caso o presidente Lula seja reeleito, o artigo 14 da Constituição Federal dá prazo de 15 dias, a contar do dia da posse, para que seja instruída uma ação com provas de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude.

Depois do prazo, se a oposição quiser derrubar o presidente, será preciso pedir o Impeachment, que é um processo político, não criminal. Para isso, é necessário que o Congresso instale uma CPI para apurar os fatos. A partir da publicação do relatório, dois terços dos parlamentares têm que aprovar a abertura de um inquérito. Aprovada, instala-se uma Comissão Especial que vai continuar as investigações.

Se o presidente for considerado culpado, terá de se afastar por 180 dias até que o Senado seja transformado em um Tribunal do Júri para a conclusão final sobre o impeachment.

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