Perueiros do PCC

Editora Abril não terá de indenizar deputado Jilmar Tatto

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30 de setembro de 2006, 12h37

Não há abuso quando os órgãos de imprensa noticiam a existência de suspeitas em apuração, mencionando as fontes, sobre homens públicos. O entendimento é do juiz Fernando Bueno Maia, da 29ª Vara Cível de São Paulo. Ele livrou a Editora Abril de pagar indenização por danos morais ao candidato a deputado federal pelo PT, Jilmar Tatto.

O candidato processa a Editora Abril por conta de reportagem publicada na revista Veja, em junho de 2006. Na notícia, Tatto é acusado de receber dinheiro de perueiros ligados à facção criminosa PCC — Primeiro Comando da Capital. A reportagem também afirmava que o candidato era o responsável pelo mensalão na Câmara dos Vereadores.

Nesse mesmo período, foi instaurado um inquérito contra o ex-secretário municipal de Transportes de São Paulo, na gestão da prefeita Marta Suplicy, e outras sete pessoas acusadas de envolvimento com o crime organizado. O inquérito trata de um esquema de irregularidades na concessão de linhas da Cooper Pam, uma das principais cooperativas de transportes alternativos do município de São Paulo, que teria envolvimento com o PCC.

Além de Tatto, foram citados no inquérito Leandor Máximo Julião, Paulo Siqueira de Farias, Luís Carlos Pacheco, Francisco de Assis Alves Bezerra, Antonio José Muller Júnior, Nilson Flausino Alves e José Antonio Guerrino. Pacheco chegou a admitir que a facção está infiltrada entre os perueiros. Houve um pedido de prisão preventiva de Jilmar Tatto, mas a solicitação foi negada pela Justiça paulista.

Na ação contra a Abril, Jilmar Tatto pediu, além da indenização por danos morais, a publicação da íntegra da sentença condenatória.

O juiz Fernando Bueno Maia não acolheu o pedido. “A ré não praticou ato ilícito e não deve indenizar. Não houve abuso do direito de informar. A matéria meramente veiculou acusações feitas por um terceiro, e deixou isso muito claro na estrutura do texto”, considerou o juiz. “Também se observa que houve preocupação jornalística com a oitiva do próprio autor, com referência a suas negativas”.

“Observo que os órgãos de imprensa não cometem abusos ao noticiarem a existência de suspeitas em apuração, com menção às fontes, que incidirem sobre homens públicos. Trata-se de fato inserido no interesse da sociedade”, concluiu.

A editora foi representada pelos advogados Alexandre Fidalgo e Vera Leitão, do escritório Lourival J. Santos Advogados. Cabe recurso.

Leia a sentença

PODER JUDICIÁRIO SÃO PAULO 29ª VARA CÍVEL CENTRAL Processo nº 06.171.653-6 Vistos. Cuidam os autos de ação de indenização ajuizada por JILMAR AUGUSTINHO TATTO em face de EDITORA ABRIL S/A.

Alegou que revista da ré publicou matéria com conteúdo calunioso, que fez alusão falsa sobre a participação de uma facção criminosa no sistema de transportes da cidade, com alusão à participação do autor. A revista acusou o autor de ter recebido dinheiro de perueiros ligados à tal facção. E ainda afirmou que o autor foi responsável pelo “mensalão” da câmara dos vereadores.

Pretende a condenação da ré a pagar indenização por danos morais, além da publicação da sentença. Bateu-se pela procedência do pedido. Juntou documentos. A ré foi citada e ofereceu contestação. Alegou que agiu licitamente no dever de informar.

Afirmou que a facção criminosa estaria infiltrada no sistema municipal de transporte. O próprio autor teria trazido prova contra si. Seria lícita a crítica contra homens de função pública. Invocou a liberdade de expressão. Pugnou pela improcedência da ação. Houve réplica. É o relatório.

DECIDO.

Julgo o feito no estado (artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil), pois não há necessidade de dilação probatória. Os fatos que interessam à solução da causa estão demonstrados pelos documentos acostados nos autos.

A dilação probatória seria inútil. O pedido é improcedente. A ré não praticou ato ilícito e não deve indenizar. Não houve abuso do direito de informar. Confira-se, a esse respeito, o conteúdo da matéria jornalística, em seus aspectos essenciais. Noticiou-se a prisão de um suposto membro de uma facção criminosa.

Em seguida, noticiou-se que tal pessoa teria admitido a infiltração da facção no sistema municipal de transporte; informou-se, ainda, que essa pessoa teria feito acusações ao autor. Nota-se que a matéria meramente veiculou acusações feitas por um terceiro; e deixou isso muito claro na estrutura do texto. Prosseguindo, nota-se que há meras referências a uma suposta proximidade entre o autor e um terceiro. Não se vislumbra, em tais aspectos, nenhuma conotação ofensiva.

Em seguida, a matéria contém a negativa manifestada pelo próprio autor. Há outras referências a aspectos pessoais do autor, também sem gravidade. Por fim, houve referência a fatos envolvendo o Legislativo Municipal, bem como a outras acusações. Porém, isso foi exposto na matéria claramente em termos de existência de suspeitas da parte de terceiros.

Ora, não se vislumbra nenhum abuso: houve informação a respeito de fatos envolvendo acusações — não em sentido processual — e suspeitas, com referência às fontes. Também se observa que houve preocupação jornalística com a oitiva do próprio autor, com referência a suas negativas. Não houve, portanto, nenhum abuso do direito de informar.

Observo que os órgãos de imprensa não cometem abusos ao noticiarem a existência de suspeitas em apuração, com menção às fontes, que incidirem sobre homens públicos. Trata-se de fato inserido no interesse da sociedade. Note-se que a ré noticiou suspeitas de terceiros. E em nenhum momento se negou, peremptoriamente, que esses terceiros não tivessem manifestados tais suspeitas.

Os fatos foram expostos de forma narrativa, sem intenção ofensiva, pois. Não houve abuso no direito de informar. O pedido fica rejeitado. O mais são questões irrelevantes.

Julgo IMPROCEDENTE a ação.

Condeno o autor a pagar as custas e despesas processuais, atualizadas, bem como honorários advocatícios arbitrados, conforme o artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil, em R$ 1.000,00 (mil reais), atualizados desde esta data. P.R.I.C. São Paulo, 21 de setembro de 2.006.

FERNANDO BUENO MAIA GIORGI

Juiz de Direito

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