Teto no chão

Defensoria de SP pede moradia para donos de casas demolidas

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29 de setembro de 2006, 7h00

O defensor público Carlos Henrique Acirón Loureiro propôs Ação Civil Pública em favor de moradores do Jardim Cocaia, em São Paulo, que tiveram suas casas demolidas em razão de uma ação de reintegração de posse proposta pela CTEEP — Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista.

A CTEEP afirma ser proprietária dos terrenos próximos à linha de transmissão de energia elétrica e, por isso, pediu a demolição das casas que estavam na sua propriedade.

O defensor pede que seja concedida, liminarmente, moradia as pessoas que tiveram suas casas demolidas ou, ao menos, que sejam inseridas em programa de financiamento de casas populares da prefeitura.

Em 7 de setembro de 2006, cinco defensores públicos estiveram no Jardim Cocaia para se reunir com a população atingida e verificar as condições do local. De acordo com eles, cerca de 200 famílias foram desalojadas e tiveram suas casas demolidas. Até o momento, a Defensoria já recebeu documentos de 35 famílias.

Algumas famílias moravam no local há mais de 20 anos e, segundo relataram aos defensores, tiveram menos de uma hora para colocar móveis e objetos pessoais em caminhões de mudança e sacos de lixos fornecidos pela CTEEP.

O juiz auxiliar da 10ª Vara da Fazenda Pública, Valentino Aparecido de Andrade, que recebeu a ação civil pública, encaminhou o processo para manifestação do Ministério Público antes de julgar o pedido de liminar.

Leia abaixo a íntegra da ação civil pública

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA MM 10ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE SÃO PAULO.

Poema brasileiro

No Piauí de cada 100 crianças que nascem

78 morrem antes de completar 8 anos de idade

No Piauí

de cada 100 crianças que nascem

78 morrem antes e completar 8 anos de idade

No Piauí

de cada 100 crianças que nascem

78 morrem

antes

de completar

8 anos de idade

antes de completar 8 anos de idade

antes de completar 8 anos de idade

antes de completar 8 anos de idade

antes de completar 8 anos de idade

Ferreira Gullar

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, pelo Defensor Público que esta subscreve, vem a presença de V. Exa., com fundamento no art. 1º, inc. VI c/c 5º da Lei 7.347/85, c/c art. 5º, inc. VI, alínea ‘g’ da Lei Complementar Estadual 988/06, art. 182 e 183 da CF88, c/c art. 170, “caput”, e inc. III c/c art. 1º, “caput” e inc. III e art. 3º, incs. I e III da CF/88, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido liminar, em face de CTEEP – Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista S/A, sociedade de economia mista, pessoa jurídica de direito privado, submetida ao regime jurídico de direito público, por exercer concessão de serviço público, tendo como principal acionista e controlador Isa Capital do Brasil S/A, representada pelo seu Diretor-Presidente, José Sidnei Colombo Martini, nos termos do art. 28 do seu Estatuto Social, com sede nesta Capital, à Rua Bela Cintra, 847; Consolação, e do Município de São Paulo, pessoa jurídica de direito público interno, representado pelo Exmo. Sr. Prefeito, Dr. Gilberto Kassab, com sede nesta Capital, no Viaduto do Chá, 15, Centro, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos:

I – DA COMPETÊNCIA

1.É competente este Juízo especializado da Fazenda Pública para processar e julgar a presente ação, não obstante a Súmula 556 do STF.

2.Com efeito, conforme ensina o Prof. José dos Santos Carvalho Filho

“A Constituição Federal privilegiou as empresas públicas federais no que se refere ao foro das ações em que figuram como autoras, rés, assistentes ou opoentes. Segundo o art. 109, inc. I da CF, as empresas públicas federais, quando nessas posições processuais, tem seus litígios processados e julgados pela Justiça Federal.

As sociedades de economia mista, de outro lado, têm suas ações processadas e julgadas na Justiça Estadual, já que a Constituição silenciou sobre elas no aludido dispositivo. O Supremo Tribunal Federal chegou, inclusive, a definir essa posição na Súmula 517, só admitindo o deslocamento para a Justiça Federal quando a União intervém como assistente ou opoente. Fora daí, os litígios devem ser deduzidos na Justiça Estadual. No mesmo sentido a Súmula 42, do Superior Tribunal de Justiça.

Observe-se, porém, que a citada diferença abrange apenas as empresas públicas federais. As empresas públicas estaduais e municipais litigarão na Justiça Estadual no juízo assim fixado na lei de organização judiciária do respectivo Estado. (”Manual de Direito Administrativo”, Freitas Bastos Editora, 1ª Edição, 1997, pág. 296).

3.Assim sendo, nos termos do art. 35, inc. I do Decreto-Lei Complementar Estadual 03/69 (Código Judiciário do Estado de São Paulo), a competência deste juízo especializado resta estabelecida.


II – DA LEGITIMIDADE ATIVA

4.A Defensoria Pública do Estado de São Paulo tem legitimidade ativa para propor a presente, eis que, como instituição essencial à função jurisdicional, a qual incumbe a defesa dos necessitados (art. 134 da CF/88 e art. 103 da CESP/89) é órgão da administração pública, pelo qual se concretizam objetivos fundamentais da república, como o de construir uma sociedade livre, justa e solidária, e mais especialmente o de erradicar a pobreza e a marginalidade, reduzindo as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, incs. I e III da CF/88 c/c art. 3º da Lei Complementar Estadual 988/06).

5.Com efeito, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo é órgão estatal, que representa adequadamente, haja vista suas próprias funções institucionais, os interesses dos necessitados no âmbito do processo coletivo.

6.Decerto, no presente caso, há pertinência temática entre a defesa dos interesses das pessoas pobres, que constitui o núcleo funcional da atuação da instituição, e a questão colocada na presente ação, que diz com a concessão coletiva de uso especial de imóvel por uma comunidade carente, de baixa renda (art. 2º da MP 2.220/01).

7.Decerto, constitui atribuição institucional da Defensoria Pública promover ação civil pública para a tutela de qualquer interesse difuso, coletivo e individual (art. 5º, inc. VI, alínea ‘g’ da Lei Complementar Estadual 988/06), sendo que qualquer Defensor Público cumpre executar as atribuições institucionais da Defensoria Pública, na defesa judicial, no âmbito coletivo, dos necessitados (art. 50 da Lei Complementar Estadual 988/06).

8.Assim, a Defensoria Pública se afirma como instituição dotada de legitimidade autônoma, para a condução do processo, no que disser respeito ao interesse coletivo dos necessitados.

9.Conforme ensina a Prof. Cláudia Carvalho Queiroz:

“É certo que a Lei n. 7.347/85 – que disciplina a ação civil pública – só confere legitimidade autônoma, concorrente e disjuntiva para a condução do processo coletivo ao Ministério Público, União, Estados-membros, Municípios, autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista ou associações constituídas há, no mínimo, um ano e que tenham entre as suas finalidades institucionais a defesa dos interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos pleiteados.

Apesar da “suposta” taxatividade do rol elencado no art. 5º. da supracitada lei, os elaboradores do Código de Defesa do Consumidor, inspirados na “class action” do direito norte-americano, introduziram, entre as normas de proteção a parte mais vulnerável da relação de consumo, a tutela coletiva, conferindo, por meio da disposição inserta no Título III, no inciso III do art. 82 do aludido diploma legal, legitimidade para o ajuizamento das ações coletivas às entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica.

Deste modo, diante da determinação contida no art. 117 da Lei n. 8.078/90 de aplicação, no que for cabível, dos dispositivos constantes no Título III do CODECON para a defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, a doutrina e jurisprudência pátrias, embora de maneira ainda acanhada, vêm firmando o entendimento de que, para fins de publicização da ação civil pública, deve-se utilizar um critério pluralista, de forma a incluir entre os legitimados para a propositura de tal ação até mesmo entidades ou órgãos públicos sem personalidade jurídica.

Acrescente-se também que o art. 129, § 1º., da Constituição Federal assinala em termos genéricos a legitimidade de “terceiros” para propor ação civil pública na defesa dos interesses metaindividuais.

Explicitando o entendimento supra, Watanabe preleciona que:

Não se limitou o legislador a ampliar a legitimação para agir. Foi mais além. Atribui legitimação ad causam a entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, o que se fazia necessário para que os órgãos públicos como o PROCON (Grupo Executivo de Proteção ao Consumidor), bastante ativos e especializados em defesa do consumidor, pudessem também agir em juízo, mesmo sem personalidade jurídica.

Igualmente, Mancuso propõe que

“a melhor solução parece mesmo ser a pluralista, isto é, a que abre uma legitimação… difusa a quem pretenda (e demonstre idoneidade) para tutelar interesses que são… metaindividuais.”

Complementando a lição, assevera que:

Presentemente, registra-se a tendência a reconhecer legitimação para agir aos grupos sociais de fato, não personificados. E isso em função de duas considerações: a) a natureza mesma da tutela aos interesses metaindividuais conduz, de per si, a uma legitimação… difusa, de modo que pareceria incoerente um excessivo rigor formal na constituição de grupos ou associações que pretendam ser portadores de tais interesses em juízo; b) corolariamente, segue-se a desvalia da exigência da personalidade jurídica como pressuposto da capacidade processual em tem de interesses difusos.


A bem da verdade, em tema de interesses metaindividuais, o critério legitimante não decorre da titularidade do direito material requestado, mas sim da idoneidade do seu portador, razão pela qual a Lei Consumerista, acertadamente, outorgou legitimidade ativa para a propositura de ações civis públicas a entidades ou órgãos da administração pública direta ou indireta, ainda que detentores de mera personalidade judiciária.

Assim sendo, nada obsta que a Defensoria Pública, órgão público essencial ao exercício da função jurisdicional, proponha ações civis públicas para defesa de interesses metaindividuais, sobretudo por se tratar de instituição imbuída da função estatal de prestar assistência jurídica integral e gratuita a todos aqueles, individual ou coletivamente considerados, disponham de parcos recursos financeiros.

Hugo Nigro Mazzilli, apesar de corroborar esse entendimento de possibilidade de inclusão dos órgãos e entidades da administração pública entre os legitimados ativos para propositura da ação civil pública ou coletiva, estabelece uma restrição, pontificando que:

Isso significa que órgãos públicos especificamente destinados à proteção de interesses transindividuais, ainda que sem personalidade jurídica, autorizados pela autoridade administrativa competente, podem ajuizar ações civis públicas ou coletivas, não só em matéria defesa do consumidor, como também do meio ambiente, de pessoas portadoras de deficiência, de pessoas idosas, ou quaisquer áreas afins, o que é conseqüência das normas de integração entre a LACP e CDC. Esses órgãos públicos não podem, sponte sua, ajuizar as ações; dependem de autorização administrativa competente (princípio hierárquico), que pode ser específica ou genérica, mas, em qualquer caso, sempre necessária.

Não obstante a proficiência do magistério supra, discordamos da imprescindibilidade de autorização da autoridade administrativa superior para propositura de ações civis públicas por órgãos ou entidades públicas, especialmente quando a mesma for ajuizada pela Defensoria Pública.

Após a publicação da Emenda Constitucional de n. 45, em 31 de dezembro de 2004, o legislador constituinte conferiu às Defensorias Públicas autonomia administrativa, funcional e financeira, de forma que não há como se vincular sua atuação a qualquer autorização de autoridade superior, notadamente porque se trata de órgão público absolutamente independente e sem qualquer subordinação ao chefe da administração pública direta.

Sobre o princípio da independência funcional da Defensoria Pública, Marília Gonçalves Pimenta afirma que:

A instituição é dotada de autonomia perante os demais órgãos estatais, estando imune de qualquer interferência política que afete sua atuação. E, apesar do Defensor Público Geral estar no ápice da pirâmide e a ele estarem todos os membros da DP subordinados hierarquicamente, esta subordinação é apenas sob o ponto de vista administrativo. Vale ressaltar, ainda, que em razão deste princípio institucional, e segundo a classificação de Hely Lopes Meirelles, os Defensores Públicos são agente políticos do Estado.

Bem assim, impende observar que, consoante o preceito da unidade e da indivisibilidade, a Defensoria Pública corresponde a um todo orgânico, não estando sujeita a rupturas ou fracionamentos, de forma que aos Defensores Públicos permite-se, no exercício do mister de patrocinar a assistência jurídica gratuita aos necessitados, substituir-se uns aos outros, independentemente de qualquer autorização do Defensor Público Geral, haja vista que atuam sempre sob a ótica dos mesmos fundamentos e finalidades.

Majore-se, ainda, que a jurisprudência pátria vem acolhendo, sem maiores obstáculos, a legitimidade da Defensoria Pública para propositura da ação civil pública, sendo válido colacionar os seguintes arestos:

Direito Constitucional. Ação Civil Pública. Tutela de interesses consumeristas. Legitimidade ad causam do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública para a propositura da ação. A legitimidade da Defensoria Pública, como órgão público, para a defesa dos direitos dos hipossuficientes é atribuição legal, tendo o Código de Defesa do Consumidor, no seu art. 82, III, ampliado o rol de legitimados para a propositura da ação civil pública àqueles especificamente destinados à defesa de interesses e direitos protegidos pelo Código. Constituiria intolerável discriminação negar a legitimidade ativa de órgão estatal – como a Defensoria Pública – as ações coletivas se tal legitimidade é tranqüilamente reconhecida a órgãos executivos e legislativos (como entidades do Poder Legislativo de defesa do consumidor. Provimento do recurso para reconhecer a legitimidade ativa ad causam da apelante.

Agravo de instrumento. Ação Civil Pública. Defesa de direito coletivo. Legitimidade ativa da Defensoria Pública. Existência. Decisão que impede a interrupção do fornecimento de energia elétrica motivada pelo não pagamento das contas. Imperceptível a necessária verossimilhança. Ausente a razoabilidade, quando se premia a inadimplência, pondo em perigo de colapso o fornecimento de energia elétrica, levando, assim, o risco de dano irreparável a toda a coletividade. Recurso provido. Decisão cassada.


Ação Civil Pública – Defensoria Pública – Legitimidade ativa – Crédito educativo – Agravo de instrumento. Ação Civil Pública. Crédito Educativo. Legitimidade ativa da Defensoria, para propô-la. Como órgão essencial à função jurisdicional do Estado, sendo, pois, integrante da Administração Pública, tem a Assistência Judiciária legitimidade autônoma e concorrente, para propor ação civil Pública, em prol dos estudantes carentes, beneficiados pelo Programa do Crédito Educativo. Assim, a decisão que rejeitou a argüição de ilegitimidade ativa, levantada pelo Parquet, não lhe causou qualquer gravame, ajustando-se, in casu, à restrição acolhida na ADIN 558-8-RJ – Recurso reputado prejudicado em parte e em parte desprovido.

Irrefragável, pois, o reconhecimento de legitimação ativa autônoma para a condução do processo coletivo, concorrente e disjuntiva, à Defensoria Pública, especialmente como forma de cumprimento do comando constitucional de garantir aos necessitados o pleno acesso à Justiça”. “A legitimidade da Defensoria Pública para propositura da ação civil pública”. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 867, 17 nov. 2005. Disponível em: .

III – DOS FATOS

10.A Ré propôs, em 13/06/2005, Ação de Reintegração de Posse em face de uma série de Réus, identificados e não identificados, ocupantes de diversos imóveis de sua propriedade, que são servientes de uma servidão de passagem de linhas de transmissão de energia elétrica, melhor descrito e caracterizado nos autos do processo 053.05.012547-0, que tramita perante esta MM. 10ª Vara da Fazenda Pública.

11.Por decisão da Egrégia 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que reformou decisão do Juízo a quo, foi deferida a liminar de reintegração de posse.

12.Nos dias 22, 23 e 24 de agosto p.p., foram parcialmente executadas as liminares em face dos ocupantes destes imóveis, tendo sido, a imensa maioria destes, sido intimados da liminar e citados no mesmo momento – quando o foram, eis que uma boa parte destes, decerto, só tomou conhecimento da liminar depois do seu cumprimento. Ademais disso, tiveram, quando muito, cerca de meia hora para retirarem seus pertences das suas casas antes do efetivo cumprimento da liminar, com a demolição das construções erigidas no imóvel.

13.Ocorre que, a parte a incorreção do v. acórdão que concedeu a liminar, houve violação a ordem urbanística, eis que os ocupantes do imóvel objeto da reintegração de posse, que já foram afetados pelo cumprimento da liminar, bem como aqueles que ainda não o foram, todos de baixa renda, deixaram de fruir dados benefícios de uma cidade sustentável, pela aplicação dos instrumentos jurídicos da urbanização e regularização fundiária.

14.Com efeito, tais ocupantes exercem posse sobre o imóvel, a mais de 5 anos, ininterruptamente e sem oposição, contando, eventualmente com a dos seus antecessores, em faixas de terreno não identificáveis, mas iguais, ou inferiores, de qualquer modo, a 250 metros quadrados, não sendo proprietários ou concessionários de qualquer outro imóvel urbano ou rural.

15.Decerto, conquanto tais ocupantes tenham direito a concessão de uso especial coletiva, a reintegração de posse do imóvel, sem qualquer outra medida que permitisse fosse garantido a tais ocupantes outra moradia, em outro local, já que, efetivamente, as linhas de transmissão de força que atravessam os imóveis oferecem risco a saúde destes ocupantes, viola um direito coletivo à ordem urbanística, na medida em que desconsidera a obrigação da primeira co-Ré, como ente da Administração Indireta, de dar moradia a estes ocupantes em outro local, como conseqüência de uma política de desenvolvimento urbano sustentável.

16.Mas ainda que assim não seja, teria ocorrido, de qualquer forma, violação a ordem urbanística, porquanto tais ocupantes deixaram de fruir dados benefícios de uma cidade sustentável, pela aplicação dos instrumentos jurídicos da urbanização e regularização fundiária.

17.Com efeito, tais ocupantes que exercem posse sobre o imóvel tem direito a moradia digna, como direito social, fundado na obrigação do Poder Público Municipal de concretizar políticas públicas de regularização fundiária de áreas ocupadas por população de baixa renda, e, portanto, para aqueles afetados pela ação de reintegração de posse supra referida.

18.Assim, tendo direito a concretização de uma política pública de regularização fundiária de áreas ocupadas por população de baixa renda, a reintegração de posse do imóvel, sem qualquer outra medida que permitisse fosse garantido a tais ocupantes outra moradia, em outro local, já que, efetivamente, as linhas de transmissão de força que atravessam os imóveis oferecem risco a saúde destes ocupantes, viola um direito coletivo à ordem urbanística, na medida em que desconsidera a obrigação da segunda co-Ré, como ente da Administração Direta, de dar moradia a estes ocupantes em outro local, como conseqüência de uma política de desenvolvimento urbano sustentável.

IV – DO DIREITO

19.O Direito à moradia é um direito fundamental, reconhecido pela Constituição (art. 6º da CF/88) e por diversos Tratados de Direito Internacional dos quais o Brasil é signatário (Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948 – art. XXV, item 01; Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966 – art. 11); Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965 (art. V); Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979 – art. 14.2, item h; Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989 – art. 21, item 01; Declaração sobre Assentamentos Humanos de Vancouver, de 1976 – Seção III “8” e Capítulo II “A.3”; Agenda 21 sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992 – Capítulo 7, item 6), e, como tal, têm dois aspectos: um negativo, que diz com a proibição de políticas públicas que dificultem ou impossibilitem o exercício do direito à moradia, e outro, positivo, que diz com a obrigação do Estado de criar políticas públicas tendentes a promover e proteger o direito à moradia.

20.Nesse sentido, o art. 182 da CF/88 trata de relacionar o direito à moradia com o direito à cidade sustentável, estabelecendo, como objetivos das políticas públicas do Poder Público Municipal, o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, para garantia do bem-estar de seus habitantes.

21.Assim, cabe, dentro da programação de políticas públicas urbanas, a promoção e a proteção do direito à moradia, com a intervenção do Estado no domínio econômico para a garantia do acesso à propriedade imobiliária, seja através da regulamentação do seu uso, de modo a atender a sua função social, ou pela regulamentação do mercado fundiário, na disposição de sistemas de financiamento de habitação de interesse social ou na disposição de projetos de urbanização que passem pela promoção da regularização fundiária dos assentamentos informais.

22.Os assentamentos informais, de aparelhamento urbanístico precário, tem sido a alternativa de acesso a moradia dada a população de baixa renda, que se revela verdadeira compulsão, eis que se funda numa realidade de profunda exclusão social, que passa basicamente por uma aguda desigualdade na distribuição de renda, tudo de modo a perceber-se tal como ardiloso dispositivo de permanente indisposição com a condição digna da vida humana.

23.Daí a intervenção do estado no domínio econômico, de modo a criar projetos de urbanização que passem pela regularização fundiária dos assentamentos informais, como forma de tentar solucionar o problema do direito à moradia, mais do que encaminhamento a uma questão de justiça social (art. 3º, incs, I e III da CF/88), é um resposta ao desafio de defender a dignidade humana como direito fundamental (art. 1º, inc. III da CF/88).

24.Daí que o art. 183 da CF/88 e a Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade), que cuidam de estabelecer os instrumentos jurídicos fundamentais da política urbana voltados a regularização fundiária, devem ser entendidos não só como ferramentas de uma reengenharia social vazia, mas plenamente preenchida de valores jurídicos fundamentais.

25.Assim sendo, cabe ressaltar, neste passo, o objetivo renovado da própria Jurisdição, que, nessa medida, torna-se elemento de inclusão social, que tem sua legitimidade na medida que atua no sentido da realização dos objetivos republicanos fundamentais (art. 3º da CF/88),

26.Com efeito, na lição do Prof. Jonatas Luiz Moreira de Paula,

“… a jurisdição é uma atividade que se destina à formação e composição de uma sociedade livre, justa e solidária, onde está garantido o desenvolvimento social nacional, com a pobreza e a marginalização erradicados e reduzidas as desigualdades sociais e regionais, com a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação.

Este é o tipo de sociedade que se busca formar; noutras palavras, a sociedade justamente constituída, é o ‘todo’ que se busca construir mediante o consórcio de esforços dos demais setores da sociedade e do Estado, sendo a atividade jurisdicional um dos elementos de formação.

Não se pretendeu qualificar a jurisdição como ‘instrumento’ de inclusão, visto que se busca algo mais do que um simples caráter adjetivo do direito processual ou da atividade jurisdicional. Neste particular, a atividade jurisdicional, e implicitamente o direito processual, assume um caráter material, à medida em que passa a compor a ordem social.

De igual forma, a jurisdição é algo mais que um ‘meio’ de inclusão social, porque a atividade jurisdicional esta incluída no comprometimento dos fins do Estado. Se fosse um simples ‘meio’ não se perceberia este compromisso, mas uma simples atividade de mero exercício, à margem dos fins do Estado.

Daí que, por ser elemento, significa que a jurisdição integra o ambiente social complexo e desigual e tem por essa razão essencial o cumprimento dos fins delineados no art. 3º, da CF. Por isso, a atividade jurisdicional é teleologicamente, uma atividade material, tendo em vista que visa a promoção da justiça social, alterando substancialmente o ambiente em que está inserida.

Não cumprindo com os fins determinados no art. 3º, da CF/88, a jurisdição torna-se ‘elemento estranho’, uma parte que não colabora com o ‘todo’ e que não constrói. Assim ocorrendo, a jurisdição padeceria de legitimidade no plano político e atuaria em simples conservação de direitos no plano do ordenamento jurídico, estancando o desenvolvimento e a promoção social” (A Jurisdição como elemento de inclusão social – revitalizando as regras do jogo democrático, 1ª Edição, 2002, Ed. Manole, pág. 87-88).

27.É preciso dizer, neste passo, que a legitimidade procedimental da jurisdição não deve significar arbítrio jurisdicional, com a decisão representando sua vontade de tornar seus valores dublando a vontade do direito, os fundamentais, aqueles que estariam em jogo na solução do problema posto em questão.

28.A afirmação da legitimidade procedimental da jurisdição vem, decerto, pela ponderação de valores: tal é necessária num debate democrático conduzido razoavelmente pelo discurso da jurisdição. Porém, com a desilusão histórica das concepções metafísicas do Direito, e o desengano com a concepção positivista, enquanto mecanismos de legitimação do jurídico, a esperança de uma fundamentação absoluta se perde definitivamente: esta nova consciência jurídica já não permite sustentar a legitimidade do direito num suposto consenso valorativo material. Daí, um novo paradigma se apresenta para a jurisdição constitucional, o modelo procedimental / discursivo habbermasiano.

29.Tal modelo, ao transcender as diversas visões de mundo, funda-se sobre uma pluralidade de perspectivas valorativas, sustentadas racionalmente, permitindo, a par da ampla participação de todos os possíveis interessados, na forma do contraditório, uma adequação das normas às circunstâncias do caso concreto.

30.Dito isto, e com os olhos voltados para as exigências de uma abertura para o diálogo que o modelo procedimental pede para a realização do princípio democrático na jurisdição constitucional, vejamos os contornos do caso em concreto.

31.O Estatuto da Cidade estabelece, dentre os objetivos a serem atingidos para a realização do pleno desenvolvimento da função social da cidade e da propriedade urbana, a regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação sócio-econômica da população e as normas ambientais (art. 2º, inc. XIV da Lei 10.257/01).

32.Dentre os instrumentos jurídico-urbanísticos postos a disposição pelo Estatuto da Cidade, a fim de incorporar a urbe clandestina a cidade legal está a concessão especial de uso (art. 4º, inc. V, alínea ‘h’ da Lei 10.257/01).

33.A concessão especial de uso resta disciplinada, por sua vez, diante do veto aos arts. 15 a 20 do Estatuto da Cidade, pela Medida Provisória 2.220/01, estabilizada pela Emenda Constitucional 32/01.

34.Pela concessão especial de uso, aquele que, até 30 de junho de 2001, possuir como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinqüenta metros quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural (art. 1º da MP 2.220/01).

35.Os ocupantes do imóvel objeto da referida reintegração de uso têm, decerto, direito a concessão especial de uso coletiva, eis que, em verdade, estes art. 1º e 2º da MP 2.220/01 contêm uma certa parcela de inconstitucionalidade material ao dispor o instituto limitando temporalmente seu alcance.

36.Com efeito, como instrumento jurídico-urbanístico posto a disposição para permitir a regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda, o objetivo da política de desenvolvimento urbano, que tem como objetivo a realização do pleno desenvolvimento das funções da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes, nos termos do art. 182 da CF/88, restaria comprometido, caso se assumisse tal limitação temporal.

37.Decerto, a consecução de uma política de desenvolvimento urbano que preze o direito à cidade sustentável e o direito à moradia deve perceber que suas medidas de integração urbanística, pela regularização fundiária, são um esforço constante. Uma limitação temporal no alcance de qualquer instrumento jurídico-urbanístico prejudica este processo e põe a perder todo o compromisso público, dando uma saída, pelos fundos, para o eterno retorno da urbe clandestina, movida, sem parar, por uma constante exclusão social, que não conhece limites jurídicos.

38.Nesse sentido, é também inconstitucional porque discrimina, injustificadamente, os futuros cidadãos, alvos do processo de exclusão social, que ficariam sem acesso a moradia, por não contarem com este instrumento jurídico-urbanístico de regularização fundiária, enquanto exercerem posse semelhante sobre imóveis públicos.

39.Não se pode dizer, por sua vez, que tal alcance temporal se justifica porque a concessão especial de uso não consubstanciaria um direito subjetivo do ocupante do imóvel público, mas mera liberalidade administrativa, o que tornaria possível qualquer limitação temporal.

40.Mas tal argumento não se sustenta, eis que, a concessão especial de uso consubstancia, em verdade, um direito subjetivo, já que está ligado a um ato administrativo plenamente vinculado: reconhecidos os requisitos do instituto, a Administração não tem a mera opção de conceder ou não o uso, pois não existe qualquer margem para a conveniência ou oportunidade do administrador: o ocupante do imóvel público tem direito subjetivo à concessão: tanto é assim que pode ser exigido judicialmente.

41.Portanto, a expressão “até 30 de junho de 2001”, dos arts. 1º e 2º da MP 2.220/01 é inconstitucional, e deve ser reduzida do texto, numa técnica de decisão constitucional, em controle difuso, compatível com o modelo procedimental de jurisdição constitucional, eis que viola o art. 182 c/c art. 5º, “caput”, da CF/88.

42.A parte isto, não se diga que, conquanto não tenha havido pedido anterior a administração, o direito a concessão de uso especial coletiva não pode ser reconhecido. Decerto, assim é eis que, em verdade, o art. 6º da MP 2.220/01 contêm uma certa parcela de inconstitucionalidade material ao exigir forçosamente a prévia jurisdição administrativa.

43.Com efeito, a obrigatoriedade do prévio encaminhamento do pedido de concessão de uso a administração viola o direito à inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, inc. XXXV da CF/88), ao dispor sobre sua condicionabilidade a uma instância administrativa de curso forçado. Ora, todo e qualquer expediente destinado a dificultar ou mesmo impedir que a parte exerça a defesa dos seus interesses no processo civil atenta contra o direito constitucional de ação.

44.Decerto, na lição do Prof. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery:

“Não pode a lei infraconstitucional condicionar o acesso ao Poder Judiciário ao prévio esgotamento da via administrativa, como ocorrida no sistema revogado (CF/67 153 § 4º). Não é de acolher-se a alegação da fazenda pública, em ação judicial, de que não foram esgotadas as vias administrativas para obter-se o provimento que se deseja em juízo (RP 60/224). Apenas quanto as ações relativas a disciplina e às competições desportivas é que o texto constitucional exige, na forma da lei, o esgotamento das instâncias da justiça desportiva (CF 217, 1º)” (Código de Processo Civil Comentado, 4ª Edição, RT Editora, pág. 90, nota 22 ao art. 5º, inc. XXXV da CF/88)

45.A toda e maior evidência, não se pode condicionar, tanto que a concessão de uso especial seja um direito subjetivo exercitável perante a administração pública, o direito à proteção jurisdicional, especialmente quando se trata de pleitear proteção em face do próprio Estado. A lesão a direito coletivo se apresenta imediatamente, e pode, de pronto, ser apreciada, não se justificando seja conferido a administração prazo para decidir sobre o reconhecimento ou não da concessão de uso, já que se trata de ato administrativo plenamente vinculado.

46.Na verdade, o prazo só se justifica quando se coloca como espaço de tempo necessário a instrução do pedido, para a comprovação dos seus fundamentos de fato: mas, em assim sendo, tal pode ser cumprido também no processo judicial, e, tanto seja a administração parte, pode ser acompanhada por ela, de modo a permitir que esta reconheça, ou não, o pedido. Enfim, não se justifica seja a jurisdição condicionada por uma a uma instância administrativa de curso forçado.

47.Portanto, a expressão “em caso de recusa ou omissão deste”, do art. 6º da MP 2.220/01 é inconstitucional, e deve ser reduzida do texto, numa técnica de decisão constitucional, em controle difuso, compatível com o modelo procedimental de jurisdição constitucional, eis que viola o art. 5º, inc. XXXV, da CF/88.

48.Assim, tanto que reconhecido o direito a concessão de uso especial coletiva, e, não obstante, sabido que o local do imóvel representa ameaça a vida e a saúde dos seus ocupantes, por servir como serviente de linha de transmissão de energia elétrica, cuja elevada tensão pode matar, ou, quando menos, dado o seu campo magnético, representar séria ameaça a saúde, deve ser reconhecido o direito a concessão em outro local (art. 4º da MP 2.220/01)

49.A parte isto, ainda que não se possa reconhecer o direito a concessão de uso especial coletiva em face do primeiro co-Réu, seja em relação a todos, seja em relação a alguns dos ocupantes, constitui obrigação do segundo co-Réu concretizar suas políticas de desenvolvimento urbano em favor da população de baixa renda, nos termos do art. 9º, inc. III c/c art. 10, inc. I e XII da Lei Municipal 13.430/02 (Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo) e art. 2º, inc. I da Lei Municipal 11.632/94.

50.Nesse sentido, cabe a concretização dessa política de desenvolvimento urbano, pela imediata disponibilidade de linhas de financiamento público para a aquisição de imóveis que se possam caracterizar como imóveis de interesse social, nos termos do art. 79, inc. I c/c inc. XIV e seu parágrafo único da Lei Municipal 13.430/02 (Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo), através de recursos do fundo municipal de habitação, nos termos do art. 7º e segts, especialmente do art. 10, § 3º, inc. I e art. 14 da Lei Municipal 11.632/94, contratadas, inclusive, com subsídio direto, e seguro desemprego, nos termos do art. 21 e 24 do Decreto 36.471//94, facultando-se, ainda, alternativamente ao financiamento, a contratação da permissão de uso onerosa de caráter social, nos termos do art. 25 do Decreto 36.471//94.

51.Em verdade, o judiciário tem legitimidade para o exercício do controle das políticas públicas, não obstante não tenha investidura democrática. Decerto, sua legitimidade não é política, mas sim constitucional: sua missão é garantir o exercício das políticas públicas tal como elaboradas pelo legislador diante do administrador, a fim de dar efetividade aos direitos fundamentais. Com efeito, na lição do Prof. Américo Bedê Freire Júnior

“Claro que existe legitimidade do juiz para atuar além da lei, mas tal situação depende de uma fundamentação adequada. Nesse diapasão, Aury Lopes Jr. Afirma com propriedade que ‘a legitimidade democrática do juiz deriva do caráter democrático da Constituição, e não da vontade da maioria. O juiz tem uma nova posição dentro do Estado de Direito e a legitimidade de sua atuação não é política, mas constitucional, e seu fundamento é unicamente a intangibilidade dos direitos fundamentais. É uma legitimidade democrática, fundada na garantia dos direitos fundamentais e baseada na democracia substancial’

Frise-se que, quando se reconhece a legitimidade do juiz para atuar além da lei, isso não significa que o juiz está colocado acima dela. Colocar o juiz acima do legislador é repetir o erro que se critica (superioridade do legislativo, ou do executivo) (grifo nosso), apenas mudando o conteúdo subjetivo do erro. (…)

Não se quer uma nova ditadura, agora, de juízes, pelo contrário, o que se pretende é a prevalência dos direitos humanos e, para tanto, não se concebe o Juiz Pilatos, ou seja, o que não pretende assumir sua importantíssima missão na nova ordem constitucional.

Como foi dito (…), há uma rediscussão da própria noção de democracia, o que implica não ser, necessariamente, o voto o único fator de legitimação.

Ademais, para utilizar uma expressão tão cara a doutrina norte-americana, os juízes são um poder contramajoritário, para reisistir, como lembra John Elster, comparando a Odisséia de Homero aos cantos das sereias.

A regra da maioria não pode ser absoluta, sob pena de superarmos a ditadura de um tirano e criarmos a ditadura da maioria (mil tiranos). Afirmar, portanto, o caráter contramajoritário de um poder em nada significa retirar a sua legitimidade, pois, repita-se,a legitimidade dos juízes decorre da própria Constituição e da fundamentação de suas decisões. Referente a isso Thomas Fleiner pontifica:

‘A democracia existe para a maioria étnica (ou econômica) (grifo nosso). O Estado utiliza a roupagem constitucional e democrática para dissimular a discriminação humilhante da maioria’

‘ A democracia não deve ser compreendida como forma estatal de dominação da maioria, pois esta pode não ter razão. Os direitos humanos, por exemplo, nunca devem ser sacrificados em favor dos interesses da maioria’

Ademais, devemos lembrar, com José Adércio Leite, que ‘a concepção de democracia, como se defende neste artigo, não se reduz a meros procedimentos de selação de dirigentes, nem a identidade necessária entre a vontade da maioria ou da opinião pública com a vontade de Deus. A vitória eleitoral não importa a escravidão silenciosa dos derrotados, nem a apuração momentânea e circunstancial de uma opinião pública, sem apoio em reflexões e debates suficientemente informados, reveladora apenas de emoção ou de slogans de propagandas políticas bem-sucedidas’

Há muito que já foi dito que a eleição não corresponde a um cheque em branco e que, portanto, a atuação parlamentar deve respeito à Constituição, devendo o magistrado ter sensibilidade para permitir que a Constituição seja respeitada pelas forças políticas.

Nessa alheta, ainda é de lembrar as ponderações de David Diniz ao destacar que, ‘centrando-se o foco nos direitos fundamentais, o papel do juiz – tomando-se por referência o estado constitucional – é de garantidor da intangibilidade dos direitos individuais do cidadão e não de protetor dos interesses da maioria. Como observa Pawlowski, o juiz que assegura autonomia privada ao cidadão é essencial ao Estado de Direito na medida e que garante que o princípio democrático não terminará em ditadura da maioria’

É claro que tal missão, o controle da política pelo direito, não é fácil. Klaus Stern lembrou-se em palestra:

‘Como minha pátria, o País no qual tenho a honra de proferir esta palestra viveu tempos de ditadura. Nós brasileiros e alemães, sabemos, portanto, que, na história, sempre foi mais difícil submeter o Poder ao Direito do que o Direito ao Poder. Se criarmos agora Estados Democráticos de Direitos, temos um elevado bem a preservar.’

A atuação do juiz deve ser tal na efetivação das normas constitucionais, especialmente dos direitos fundamentais, mesmo que isso implique desagradar maiorias ocasionais. Claro que deve ter todo o cuidado nessa missão, pois, como alertou Germana Moraes:

‘Grande, enorme, imensa, gigantesca é a responsabilidade do juiz constitucional – ao atribuir corpo e alma aos princípios, ao dar vida à Constituição: cabe a ele libertar os princípios de sua sina escorpiônica – de sua tendência auto-destrutiva, que ameaça a prática de injustiça em nome da justiça de que eles (os princípios) pretendem realizar. Cabe ao juiz constitucional estar atento para que, em nome dos princípios constitucionais, mais injustiças não sejam perpetradas.

Cabe também a ele, o juiz constitucional, escapar das armadilhas do escorpião e de ser ele próprio um. Relembrando a famosa fábula, quando era transportado nas costas de um sapo, na travessia de caudaloso rio, o lacraio pica o batráquio, provocando o naufrágio dos dois.

É preciso cuidar para que não soçobrem juntos juiz e princípios constitucionais’

Pretende-se uma postura mais ativa do Poder Judiciário, visando preservar a Constituição de políticas indevidas ou de sua falta.

Cabe, por fim, trazer a baila precisa decisão do Min. Celso de Mello, assim resumida e vaticinando o efetivo controle judicial de políticas públicas: ‘ADPF – Políticas Públicas – Intervenção Judicial – Reserva do Possível (Transcrições) ADPF 45 mc/df, rel. Min. Celso de Mello, ementa: Argüição de descumprimento de preceito fundamental. A questão da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do Poder Judiciário em tema de implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de abusividade governamental. Dimensão política da jurisdição constitucional atribuída ao STF. Inoponibilidade do arbítrio estatal à efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais. Caráter relativo da liberdade de conformação do legislador. Considerações em torno da cláusula da reserva do possível.

Necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do mínimo existencial. Viabilidade instrumental da argüição de descumprimento no processo de concretização das liberdades positivas (direitos fundamentais de segunda geração)” (O Controle Judicial de Políticas Públicas, RT Editora, 1ª Edição, págs. 58-63).

V- DO PEDIDO

52.Isto posto, requer-se de V. Exa.:

a)que determine a distribuição por dependência desta a Ação de Reintegração de Posse autuada sob nº 053.05.012547-0, que tramita perante esta MM. 10ª Vara da Fazenda Pública, reunindo-se os feitos para julgamento conjunto, em face da conexão, nos termos do art. 105 do CPC;

b)que determine a suspensão do processo supra referido, diante do art. 11 da Lei 10.257/01, aplicável por analogia, nos termos do art. 4º do Decreto-Lei 4.657/42;

c)que determine a citação das Rés, para que, querendo, responda à presente ação, sob pena de revelia;

d)a intimação do I. Representante do Ministério Público, nos termos do art. 82, inc. III do CPC;.

e)que julgue procedente a ação, condenando a primeira co-Ré a emitir declaração de vontade, no sentido de proceder a concessão especial de uso coletiva, em favor dos ocupantes dos imóveis servientes de uma servidão de passagem de linhas de transmissão de energia elétrica, melhor descrito e caracterizado nos autos do processo supra referido, determinando, ato contínuo, que tal direito seja realizado em outro local, tendo em vista que este oferece risco à vida e a saúde de seus ocupantes ou, subsidiariamente, caso todos ou alguns dos ocupantes não preencham os requisitos para o reconhecimento deste direito, determine ao segundo co-Réu que inscreva os ocupantes dos imóveis supra referidos em seus programas de desenvolvimento urbano, concretizando tal política pública pela imediata disponibilidade aos referidos ocupantes de linhas de financiamento público para aquisição de imóveis que se possam caracterizar como de interesse social, nos termos do art. 79, inc. I c/c inc. XIV e seu parágrafo único da Lei Municipal 13.430/02 (Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo), através de recursos do fundo municipal de habitação, nos termos do art. 7º e segts, especialmente do art. 10, § 3º, inc. I e art. 14 da Lei Municipal 11.632/94, contratando-se-os, inclusive, com subsídio direto, e seguro desemprego, nos termos do art. 21 e 24 do Decreto 36.471//94, facultando-se, ainda, aos ocupantes interessados, alternativamente ao financiamento, a contratação da permissão de uso onerosa de caráter social, nos termos do art. 25 do Decreto Municipal 36.471//94.

f)a concessão de liminar, para determinar a primeira co-Ré que coloque a disposição dos ocupantes que tiveram seus imóveis destruídos total ou parcialmente, e os que vierem a sê-lo, eventualmente, moradia em outro local, sob pena de multa diária, nos termos do art. 11 da Lei 7.347/85, de R$ 50.000,00, ou, quando menos, para determinar ao segundo co-Réu a inscrição dos ocupantes em seus programas de desenvolvimento urbano, concretizando tal política pública pela imediata disponibilidade aos referidos ocupantes de linhas de financiamento público para aquisição de imóveis que se possam caracterizar como de interesse social, nos termos do art. 79, inc. I c/c inc. XIV e seu parágrafo único da Lei Municipal 13.430/02 (Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo), através de recursos do fundo municipal de habitação, nos termos do art. 7º e segts, especialmente do art. 10, § 3º, inc. I e art. 14 da Lei Municipal 11.632/94, contratando-se-os, inclusive, com subsídio direto, e seguro desemprego, nos termos do art. 21 e 24 do Decreto 36.471//94, facultando-se, ainda, aos ocupantes interessados, alternativamente ao financiamento, a contratação da permissão de uso onerosa de caráter social, nos termos do art. 25 do Decreto Municipal 36.471//94, sob pena de multa diária, nos termos do art. 11 da Lei 7.347/85, de R$ 50.000,00, condicionando, inclusive, se o caso, a continuidade da execução da liminar na ação de reintegração de posse a esta prestação;

g)que determine a exibição pelo segundo co-Réu de certidão que ateste a localização dos imóveis objeto da ação de Reintegração de Posse supra referida em área urbana, nos termos do art. 8º da Lei 7.347/85;

53.Provará a Autora o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, em especial, pelo depoimento pessoal dos representantes legais da Ré, sob pena de confesso, oitiva de testemunhas, a serem oportunamente arroladas, perícia técnica de engenharia, e pela juntada de documentos, inclusive através da expedição de ofícios.

54.Atribui-se à causa o valor de R$ 3.000.000,00 (estimativa de 200 famílias, no valor de R$ 15.000,00 para cada imóvel, para cada família).

Termos em que,

P. deferimento.

São Paulo, 11 de setembro de 2006.

Carlos Henrique A. Loureiro

Defensor Público

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