Culpa sem dono

Jornalista da Folha se livra de indenizar Edson Vidigal

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27 de setembro de 2006, 14h05

Diretor de sucursal, por não exercer funções editoriais, não tem responsabilidade subsidiária pelo teor das reportagens publicadas. O entendimento é da 6ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. A Turma livrou o colunista Josias de Souza, diretor da sucursal de Brasília do jornal Folha de S. Paulo, de pagar indenização por danos morais para Edson Vidigal, ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça e candidato ao governo do Maranhão. Cabe recurso.

Edson Vidigal entrou com ação de indenização contra Josias de Souza por causa de uma série de reportagens publicadas pelo jornal Folha de S. Paulo. As reportagens traziam documentos da Policia Federal que indicavam ligação entre Vidigal e seu filho, o advogado Erick Vidigal, com o grupo de João Arcanjo Ribeiro, acusado de chefiar o crime organizado em Mato Grosso. As reportagens foram publicadas em fevereiro de 2003.

O candidato também afirmou que foram publicados trechos de conversas de escuta telefônica entre ele e seu filho, mesmo com os documentos protegidos pelo segredo de Justiça e que tal fato atingiu o que tem de mais valioso: “sua honra e imagem, como cidadão e como magistrado, cuja dignidade nunca ao longo de sua vida pública e privada, especialmente como juiz”.

Na primeira instância, o pedido foi parcialmente aceito. Josias de Souza foi condenado a pagar R$ 10 mil de indenização por danos morais. A Justiça determinou que 80% do valor fosse revertido para a Sociedade Pestalozzi de São Paulo. O jornalista também foi obrigado a publicar a íntegra da decisão na Folha, em edição de domingo, no primeiro caderno, com chamada na página principal, como as reportagens vinculadas em fevereiro de 2003.

O diretor da sucursal em Brasilia recorreu ao Tribunal de Justiça. Levantou a tese do direito da imprensa de noticiar fatos que envolvam figuras públicas no exercício da função. Também sustentou que por não ser editor do jornal não pode responder pelo conteúdo divulgado. Ainda alegou que Edson Vidigal sempre foi procurado pela equipe para comentar o caso.

A desembargadora Sandra Di Santis, relatora, acolheu os argumentos. “As reportagens publicadas não ultrapassaram o que foi apurado e, portanto, configuraram a legítima expressão da liberdade de imprensa, sem qualquer abuso”, reconheceu.

“A divulgação antecipada dos fatos causou prejuízos à honra do apelado. Mas não foi o apelante o responsável pelo vazamento. Apenas trouxe a público o material até então apurado”, considerou a desembargadora. “Concluo que não houve intenção de manipular, deturpar informação, de notório interesse público”, entendeu.

Leia a decisão

Órgão : Sexta Turma Cível
Classe : APC – APELAÇÃO CÍVEL
N. Processo : 2003.01.1.040093-9
Apelante : JOSIAS PEREIRA DE SOUZA
Apelado(s) : EDSON CARVALHO VIDIGAL
Relatora Desª. : Sandra De Santis
Revisora Desª. : Ana Maria Duarte Amarante Brito

E M E N T A

APELAÇÃO CÍVEL – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – JORNALISTA – ILEGITIMIDADE DO

DIRETOR DA SUCURSAL – PUBLICAÇÃO DE FATOS – ANIMUS NARRANDI – LIBERDADE DE IMPRENSA.

1. O Diretor da Sucursal de Brasília, por não exercer funções editoriais, mas tão-somente executivas, não tem responsabilidade subsidiária sobre o teor de todas as matérias publicadas. Só poderá responder pelas matérias de sua autoria.


2. As matérias publicadas no jornal, por não terem ultrapassado o que vinha sendo apurado pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal, configuram a legítima expressão da liberdade de imprensa, sem qualquer abuso.

3. A ilicitude da divulgação está afastada por tratar-se de assunto de interesse público, acerca de agente público, escorado em fatos objetivos e constantes de expediente que deu origem à instauração de inquérito policial.

4. Apelo provido.

A C Ó R D Ã O

Acordam os Senhores Desembargadores da Sexta Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, SANDRA DE SANTIS – Relatora, ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO – Revisora e JAIR SOARES – Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador JAIR SOARES em CONHECER, ACOLHER A PRELIMINAR, PROVER, MAIORIA, VENCIDO O VOGAL, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 26 de julho de 2006.

Desembargador JAIR SOARES

Presidente

Desembargadora SANDRA DE SANTIS

Relatora

R E L A T Ó R I O

Adoto, inicialmente, parte do relatório da r. sentença de fls. 713/740:

EDSON CARVALHO VIDIGAL ajuizou ação de reparação de danos contra JOSIAS DE SOUZA, partes devidamente qualificadas nos autos, sob os fundamentos de fato e de direito a seguir expostos:

O autor afirma que ação do réu causou-lhe danos morais decorrentes de grave ofensa a sua honra e dignidade pessoais, perpetradas através de publicações de várias reportagens, em dias sucessivos, no Jornal “Folha de São Paulo”, sob a responsabilidade do réu, que é Diretor da Sucursal de Brasília.

Afirma que as publicações comprometeram sua imagem “(…) ferindo de morte o status dignitatis do Magistrado-Autor.” Transcreve os trechos ofensivos que vieram acompanhados de exemplar do referido jornal, verbis:

“PF Investiga elo entre quadrilha e Ministro do STJ”

Transcreve o jornal trechos das conversas telefônicas interceptadas, que estavam sob segredo de justiça no qual os nomes do autor e de seu filho eram mencionados.

Segundo o autor, o réu selecionou trechos da escuta telefônica, transcritos na inicial, fls. 3-5, que seriam importantes, no seu entender, para pretensa incriminação do autor.

Afirma que o réu procurou citar o autor como se fosse “(…) coadjuvante de quadrilha que negocia venda de decisões (…)”, como se pode ver do seguinte trecho:

“De acordo com o conteúdo da escuta, o ministro teria mandado um recado ao filho: da forma como fora pedida, a libertação do preso iria ferir jurisprudência do STF (Supremo Tribunal Federal). Soaria inexplicável.”

Prossegue o autor transcrevendo trechos da matéria publicada no dia seguinte em 24 de fevereiro de 2003, cujo título era o seguinte, fl. 06, verbis:

“CRIME ORGANIZADO – Documento da PF relata reunião de Erick Vidigal, filho de vice-presidente do STJ, com grupo de Arcanjo”

Mais uma vez o réu pretendeu vincular o nome do autor como partícipe do crime organizado, insinuando que seu nome constaria do organograma da quadrilha, que daria suporte jurídico a mesma.

No dia 26 de fevereiro, na página A8, lança o réu a seguinte matéria com o título, fls. 6, verbis:

“Justiça investiga suposto elo entre quadrilha e juiz”

Na matéria, mais uma vez, o réu faz transparecer que a polícia investigava o autor e elo entre ele e a quadrilha.

Prosseguiu no dia 27 de fevereiro a publicação da notícia, fls. 7, verbis:

“CRIME ORGANIZADO – Caso corre no STJ, do qual Edson Vidigal, pai de Érick, é o vice-presidente; Tribunal diz que advogado deixou o processo”

Afirma o autor que os fatos publicados são falsos e que estava presente o objetivo claro de enxovalhar a honra, a dignidade, o prestígio e estima que possui o autor, na condição de Magistrado. Aponta a intenção malévola de caluniar e difamar.

A insistência e repetição da divulgação dos fatos falsos fizeram repercutir acentuadamente o caso em grande parte da imprensa escrita e televisada.

O autor esclarece que o fato verdadeiro está relacionado ao HC (habeas corpus) n. 25.506-MT em que são impetrantes Eduardo de Vilhena Toledo e outro e impetrado Desembargador-Federal Presidente do TRF-1ª Região, figurando como paciente LUIZ ALBERTO DONDO GONÇALVES, que foi decidido pelo autor, na condição de Vice-Presidente do STJ, no exercício da Presidência do Tribunal, proferindo a seguinte decisão, na data de 21/01/2003: “Assim, por considerá-lo manifestamente incabível, nego seguimento ao pedido” (RI-STJ, art. 34, XVII).” O réu não teve a preocupação de informar a decisão que já havia sido publicada, antes da reportagem.


O autor compareceu espontaneamente à Polícia Federal para esclarecimento dos fatos. As notícias caluniosas continuaram a ser publicadas mesmo depois que o autor tornou públicas todas as informações sobre o caso, inclusive pela publicação na página do STJ.

Quanto aos prejuízos sofridos, informa o autor que foi condenado perante a opinião pública por fatos inverídicos. Restou quebrado o segredo de justiça em relação aos documentos existentes nos autos do inquérito em tramitação e também em gravações igualmente sigilosas.

Assevera que o status dignitatis de magistrado, que exige reputação ilibada, foi atingido pela ação do réu, que pretendeu obter o linchamento moral e a execração pública do autor. Sustenta que jamais o autor estaria sendo investigado por manter um elo com o crime organizado, mas sim, a investigação dirigia-se ao uso indevido de seu nome em conversa de terceiros.

O autor tece judiciosas considerações sobre a liberdade de imprensa e a proteção do direito à honra, privacidade e à imagem.

Sustenta que as informações sigilosas foram obtidas com infração aos art. 325 do Código Penal e arts. 8º e 9º, parágrafo único da Lei n. 9.296/96.

Diz o autor, no tópico referente à fixação do quanto da indenização por dano moral, que foi atingido no que tem de mais valioso: “sua honra e sua reputação e imagem, como cidadão e como Magistrado, cuja dignidade nunca faltou ao longo de sua vida pública e privada, especialmente como Juiz”.

Ao final, requer a publicação da sentença nas mesmas páginas conferidas aos lançamentos das reportagens, na forma da lei de imprensa e, ainda, ao pagamento de indenização que será revertida à sociedade beneficente.

Acompanham a inicial os documentos 32/397.

…………………………………………………………………..

O pedido foi julgado parcialmente procedente para condenar o réu ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$10.000,00 (dez mil reais), sendo que 80% (oitenta por cento) serão revertidos à Sociedade Pestalozzi de São Paulo, como requerido, e 20% (vinte por cento) aos patronos do autor, a título de honorários contratuais. Em face da sucumbência, o demandado pagará as custas processuais e os honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da condenação. O réu foi ainda condenado a fazer publicar o inteiro teor da sentença no Jornal Folha de São Paulo na edição de domingo, no primeiro caderno, com chamada na página principal, de forma semelhante à notícia veiculada no dia 23 de fevereiro de 2003. Sobre o valor da condenação, incidirão juros de 1% (um por cento) ao mês e correção monetária, na forma adotada por este Tribunal, a partir da publicação da sentença.

Josias Pereira de Souza opôs embargos de declaração, os quais não foram conhecidos à fl. 753.

Inconformado, apela o réu. Defende o direito da imprensa de noticiar fatos que envolvam figuras públicas no exercício de suas funções. Alega que nada mais fez que divulgar fatos de interesse público, decorrentes de investigação realizada pela Polícia Federal do Estado do Mato Grosso.

Acrescenta que o Juiz reconheceu diversos fatores que contribuíram para a minoração do valor da indenização: a) ter sido o site do STJ o primeiro a divulgar as informações; b) de o jornalista ter consultado e informado o autor sobre o teor do que vinha investigando; c) de o conteúdo das matérias jornalísticas ter se restringido às peças do inquérito e pareceres do Ministério Público. Salienta que agiu no exercício do direito de livre manifestação do pensamento e de informação, não tendo incidido em qualquer abuso.

Destaca, preliminarmente, a ilegitimidade para responder pela matéria jornalística de 25 de fevereiro de 2003, à alegação de que não é o editor e sequer teve oportunidade de supervisionar a edição do dia. Requer que a condenação seja proporcionalmente reduzida, já que não é o responsável pela publicação do dia 25. Afirma que as reportagens são claras em afirmar que os fatos estavam sob investigação, que não havia indícios de decisões efetivamente vendidas pelo autor e que as acusações foram negadas pelo apelado e seu filho.

Diz que jamais externou qualquer juízo de certeza, mas uma narração objetiva das investigações da Polícia Federal. Diz que revelou tão-somente que o nome do filho do autor era mencionado nos relatórios da Polícia Federal. Alega que o Relatório 004/03-NIP/SR/MT identifica conversas telefônicas entre membros da quadrilha de João Arcanjo Ribeiro em que há referências à Erick Vidigal e ao autor, dando a entender “que a liminar fora indeferida por problemas técnicos, e que Erick Vidigal viajara para Cuiabá para esclarecer o ocorrido”.


Salienta que outro relatório da Polícia Federal, o de nº 005/03-NIP/SR/MT, detalha o suposto “esquema” de negociação de decisões judiciais e é onde aparece o nome do autor e de seu filho Erick. Revela que, ao obter as conversas telefônicas em que são feitas referências ao filho e ao autor, teve o cuidado de não divulgar qualquer trecho de conversa sobre a vida privada dos envolvidos. Alega que foi dado espaço para a versão do autor e seu filho, inclusive para críticas com relação à publicação das matérias.

Salienta que o Inquérito Policial juntado comprova a correção das informações noticiadas, onde, em diversas passagens, o nome do autor é citado e implicado com as negociações de decisões judiciais. Defende a isenção e cautela com que agiu, bem como a publicidade dos atos processuais. Insiste em que, antes mesmo da publicação pela Folha de São Paulo, o STJ já tinha disponibilizado a informação de que o nome do Magistrado fora citado em gravações telefônicas feitas pela Polícia Federal.

Também o Correio Braziliense havia publicado nota jornalística intitulada “Judiciário em nova gravação” e a Rede Globo, no programa “Fantástico”, havia divulgado as gravações das conversas telefônicas e Relatórios da Polícia Federal. Irresigna-se contra a condenação de publicar o inteiro teor da decisão no jornal Folha de São Paulo. Diz que terá que pagar pela matéria e que isso representa um alto custo, indo muito além do valor da indenização arbitrado pelo Juiz. Pugna pela redução do valor da indenização, caso mantida a condenação. Requer a reforma da sentença.

Depósito recursal, nos termos da Lei de Imprensa, à fl. 788.

Preparo regular à fl. 789.

Não houve o oferecimento de contra-razões – certidão de fl. 793.

É o relatório.

V O T O S

A Senhora Desembargadora SANDRA DE SANTIS – Relatora

Recurso tempestivo, cabível e regularmente processado. Dele conheço.

Trata-se de apelo contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido inicial e condenou Josias de Souza à composição de danos morais decorrentes de publicações no jornal Folha de São Paulo. Ao réu foi imposto o pagamento de indenização no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), revertidos parcialmente a instituição de caridade. Foi ainda condenado a fazer publicar o inteiro teor da sentença na edição de domingo, primeiro caderno, com chamada na página principal. Os embargos declaratórios opostos não foram conhecidos, mas foi acolhido pedido de redução do depósito recursal obrigatório.

Nas razões, o apelante articula preliminarmente ser parte ilegítima para responder pela matéria de 25 de fevereiro. Repele a fundamentação da sentença, por entender que não houve abuso do direito de crítica ao redigir as matérias jornalísticas. Pretende ver afastada a obrigação de publicar a decisão, por não ser parte no processo a empresa que edita a Folha de São Paulo. Afirma que haveria dupla condenação caso tivesse de arcar com o preço da publicação. Reputa excessiva a indenização arbitrada.

PRELIMINAR

Deve ser acatada a preliminar de ilegitimidade do apelante para responder pela matéria jornalística datada de 25 de fevereiro de 2003, que não foi por ele assinada. Os documentos trazidos aos autos dão conta de que foi redigida pela Sucursal de Brasília e o apelante, embora diretor da referida sucursal, só pode ser responsabilizado pelas matérias de sua autoria e não por ser Diretor da Sucursal de Brasília. A Folha de São Paulo não é parte no feito. Ao revés do afirmado na sentença, o apelante, por não ser a pessoa natural ou jurídica que explora o meio de comunicação, não tem responsabilidade subsidiária sobre o teor de todas as matérias publicadas. Não há como estender, por analogia, o critério da responsabilidade penal sucessiva, por haver norma específica para a espécie, como dispõem os artigos 49 e 50 da Lei 5 250/67. Neste sentido, o enunciado 221 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, verbis:

São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação

pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação.

Também não é editor, ou seja, diretor de redação com autonomia para alterar o teor de alguma publicação, caso em que poderia ser responsabilizado, como decidiu o STJ, embora por maioria, no REsp 552.008/RJ, verbis:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. OFENSA À HONRA. MATÉRIA VEICULADA EM JORNAL. LEGITIMIDADE PASSIVA DO DIRETOR DE REDAÇÃO.

O diretor de redação ou editor é responsável pelos danos decorrentes das reportagens sobre as quais detenha a capacidade de vetar ou interferir, no ofício de zelar pela linha editorial do jornal, ainda que subscritas por outros jornalistas.


Recurso não conhecido. (Min. César Asfor Rocha; DJ 5/10/2005)

Ante o exposto, afasto a responsabilidade do apelante pela publicação datada de 25 de fevereiro de 2003.

MÉRITO

É tormentoso o tema relativo aos limites da liberdade de imprensa, valor fundamental à democracia. O Des. Nívio Gonçalves, na APC 2000.01.1.063076-9, ressaltou: “o princípio constitucional da liberdade de imprensa, que é intenso, deve ser exercitado com consciência e responsabilidade, em respeito à dignidade alheia, para que não resulte em prejuízo à honra, à imagem e ao direito de intimidade da pessoa abrangida na notícia, sabendo-se que a imprensa é uma força viva, capaz de construir ou destruir reputações.”

O sentenciante, com correção, consignou na sentença que : “inicialmente, necessário externar a premissa a ser adotada neste julgamento, que decorre das normas constitucionais e infraconstitucionais aplicáveis à espécie: reconhecimento do elevado e notório interesse público de divulgação pela imprensa de eventuais atos ilícitos praticados por detentores de cargos públicos, em qualquer dos poderes e das esferas do poder estatal. Trata-se de direito fundamental, previsto no artigo 5º, inciso IV e IX e no artigo 220 da Constituição Federal que precisa ser corajosamente afirmado pelos operadores do direito. A imprensa livre é o corolário da liberdade do cidadão e da preservação do Estado Democrático de Direito, podendo-se avaliar o grau de democracia de um povo pela amplitude que se confere à liberdade de expressão de imprensa.”

Não obstante a correção das premissas, tenho que a conclusão não as acompanhou com o necessário rigor. A responsabilidade civil depende da presença de alguns requisitos: o fato danoso, a ilicitude da conduta e o nexo de causalidade. Não se pode vislumbrar ofensa à honra do apelado na hipótese, pois que o apelante limitou-se a divulgar e comentar fatos apurados pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal e que lamentavelmente envolviam o apelado, em trama possivelmente armada pelos demais envolvidos.

Na inicial, o autor argumentou que o apelante, não obstante a circunstância de ter obtido criminosamente a gravação de escuta telefônica, fez questão de divulgar matéria objeto de investigação em curso, com o objetivo de enxovalhar a honra, dignidade e o prestígio e estima do autor, com a intenção de denegrir-lhe a imagem, com estardalhaço e repetidamente, ao contrário de outros jornalistas, que se limitaram a dar a notícia com isenção e intuito de apenas informar.

É cediço que nos incisos IV e V, o artigo 27 da Lei de Imprensa dispõe que não constituem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e de informação a divulgação de sentenças ou de alegações produzidas em juízo pelas partes e seus procuradores. Mas a notícia deve estar ajustada à verdade, especialmente quando possa ofender as pessoas.

É fato que as apurações sobre o crime organizado não foram conduzidas de forma muito responsável, haja vista o vazamento, sem dúvida atribuível aos agentes públicos, únicos que tiveram contato com as gravações das interceptações telefônicas, cobertas por sigilo. O correto seria o resguardo do conteúdo das gravações para não acarretar lesão a qualquer direito individual. Mas a jurisprudência majoritária tem entendido ser impossível impor punição aos que divulgam o conteúdo das escutas, com base na Lei 9 296/96, em virtude do princípio constitucional que assegura o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional. Em suma, a divulgação pode não ser comportamento ético, mas não constitui conduta ilícita.

Nessa perspectiva, deve ser examinado se a liberdade de imprensa foi exercida de forma exata, com responsabilidade, ou se desbordou do animus narrandi, como concluiu o MM. Juiz.

A peça de requisição do Ministério Público para abertura de inquérito policial, busca e apreensão, quebra de sigilo de dados telefônicos, e que também requereu a prisão preventiva do advogado, Erick José Travassos Vidigal, filho do apelado, e de outros, chegou ao conhecimento do apelante, assim como as fitas com as conversas interceptadas. Também o periódico Correio Braziliense e a Rede Globo tiveram acesso ao documento e fitas. Constam as seguintes passagens na requisição para abertura do inquérito:

Os diálogos gravados nos mostram, imune de dúvidas, que o acusado ARCANJO, através de terceiras pessoas, dentre estas, inclusive alguns dos seus advogados, vem literalmente negociando a compra de decisões de Ministros do Superior Tribunal de Justiça.

Ao menos até este instante das investigações, e isso é bom que se diga, os autos não revelam, e em razão disso, não temos convicção da participação de nenhum Ministro do Superior Tribunal de Justiça na empresa ilícita, do contrário, estaríamos obrigados a remeter estes autos à Corte Suprema por determinação do Artigo 102, da Constituição da República. (Apenso I, fl. 4)


Como se verifica, os autores do relatório não excluíram de pronto a participação de Ministros do Superior Tribunal de Justiça, apenas ressaltaram que até o momento não tinham certeza. Está bem claro quando ressalvam: “Ao menos até este instante das investigações…. não temos a convicção.” Mais adiante argumentam que o acusado Arcanjo, através de terceiros, estaria “travando negociação com pessoas com livre acesso a gabinetes de Ministros do Superior Tribunal de Justiça, tudo com a finalidade de literalmente comprar as decisões da falada Corte de Justiça.” (os grifos não constam do original)

E, ainda, que a prisão dos representados se impunha vez que “advogam a corrupção perante o Gabinete de Ministro do STJ que por sua vez, ao que parece até este instante vem sendo ludibriado por terceiros próximos a si, dentre eles seu próprio filho, o investigado Erick Vidigal, que corrompe e deixa-se corromper passivamente, mercantilizando a função jurisdicional.” (os grifos não constam do original)

Ao defender a constrição dos representados para manutenção da ordem pública, os representantes asseguram que seria “forma de impedir que os investigados continuem a praticar crimes contra a administração da Justiça, negociando mais decisões em benefício de criminosos e de organizações criminosas, visto que têm livre e irrestrito acesso àqueles que proferem decisões no Superior Tribunal de Justiça.” (os grifos não constam do original)

E ainda que a conveniência da medida, sob o aspecto de manutenção da ordem pública “justifica-se igualmente pela repercussão que o caso poderá tomar, face à gravidade dos fatos, que se atribui a pessoas próximas a Ministros da segunda mais alta Corte de Justiça do Brasil.”

Segundo os representantes, em razão das condutas praticadas criminosamente pelos advogados em questão e pelo filho do Ministro e Vice-Presidente do STJ, a garantia da ordem pública e a aplicação da lei penal correriam sérios riscos e a conveniência das prisões seria gigantesca “tendo em vista a instrução dos processos que tramitam no Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Regional Federal da Primeira Região e na Justiça Federal de Mato Grosso, pois toda e qualquer decisão que venha a ser exarada pelo Ministro já citado colocará em risco a instrução dos feitos, uma vez que poderão estar eivadas de vício insanável.” (os grifos não constam do original)

Como se verifica, o apelante não desbordou do conteúdo do pedido de abertura de inquérito formulado pelo Ministério Público, do qual veio a ter conhecimento. Embora “mordendo e soprando”, como se diz popularmente, a peça requisitória deu a entender tal possibilidade, tanto que frisou que toda e qualquer decisão que viesse a ser tomada pelo ora apelado colocaria em risco a instrução dos feitos. Citado inquérito, é bom frisar, tinha por objeto investigar esquema de negociação de decisões judiciais e não a utilização do nome do autor em conversas de terceiros, o que só veio a ocorrer por iniciativa do autor, ao tomar conhecimento, pelo próprio apelante, do envolvimento de seu nome nas investigações, conforme documento de fls. 513 e seguintes.

Posteriormente à divulgação dos fatos, foi o MM. Juiz Federal quem ressaltou que “ainda não apareceram evidências sobre a participação de qualquer magistrado e exatamente por isso é que as investigações tramitam perante esta 3ª Vara Federal de MT”. E ainda que o fato do nome de ministro ter sido veiculado na conversa de pessoas que estavam sendo investigadas não constituiria indício suficiente. Como frisou o apelado, com correção, no pedido protocolado no Gabinete do Ministro da Justiça, após a publicação das matérias, “… as ações criminosas praticadas pelos advogados e lobistas profissionais envolvidos no caso acabam por arranhar a imagem daquele Tribunal e da Justiça brasileiro, caracterizando “um atentado contra o bom conceito do magistrado e à dignidade institucional da função.”

No relatório datado de 14 de fevereiro de 2003, a Polícia Federal detalha os fatos sob investigação e no fluxograma que dele faz parte e que está à fl. 457 dos autos, cita o nome do filho do autor, fazendo referência ao parentesco.

Observa-se que as notícias publicadas nos dias 23 e 24 e 26 de fevereiro encontram lastro na investigação oficial promovida em conjunto pelo Ministério Público Federal, pelo Ministério Publico do Estado de Mato Groso e pela Polícia Federal. As publicações estão consubstanciadas naquela primeira peça, em que houve a requisição de abertura de inquérito e que chegou a postular a constrição cautelar dos possíveis envolvidos. Como asseverado na contestação, “os Relatórios da Polícia Federal, intrinsecamente considerados, é que apontam para tal suposição” (fl. 423).


A meu sentir, as matérias publicadas não ultrapassaram o que foi apurado e, portanto, configuraram a legítima expressão da liberdade de imprensa, sem qualquer abuso. Guardaram pertinência com o material obtido e que foi divulgado, de forma fiel, por tratar-se de assunto de interesse público, acerca de agente público, escorado em fatos objetivos e constantes de expediente que deu origem à instauração de inquérito policial, de notória relevância, o que afasta a ilicitude da divulgação, embora não justifique a abominável conduta daqueles que confiaram a jornalistas material sigiloso e ainda pendente de maiores investigações.

O apelante em nenhum momento asseverou o envolvimento do autor nos fatos objeto dos relatórios a que teve acesso. Ao revés, ressaltou na reportagem de 23 de fevereiro: “…anota-se, em benefício de Edson Vidigal, que não há indícios de que a assinatura do Juiz tenha sido aposta a decisões judiciais remuneradas pela quadrilha de Arcanjo Ribeiro”.

Não vislumbro qualquer trama urdida pelo apelante para denegrir, enxovalhar, ofender a honra e dignidade do autor que, ao perceber a obstinação do jornalista em dar publicidade ao material que lhe chegara às mãos, antecipou-se aos fatos, tornando-os públicos no site do Superior Tribunal de Justiça. Aliás, a bem da verdade, as investigações tiveram início para apurar fato absolutamente diverso daquele que culminou por levar à requisição de abertura do inquérito que foi divulgada pelo apelante. Buscavam maiores informações sobre denúncia anônima com a notícia de que pessoas ligadas ao crime organizado no Estado de Mato Grosso estariam tramando contra a vida de um Magistrado da Comarca de Rondonópolis, sem contudo indicar quem seria tal magistrado.

Segundo a testemunha, também assessor de Imprensa do Superior Tribunal de Justiça, Antônio Roberto Martins Cordeiro, o Correio Brasiliense publicou matéria a respeito dos mesmos fatos, anteriormente à nota redigida pelo Ministro, sem a riqueza de detalhes da matéria publicada pelo apelante. A reportagem para o Fantástico, sobre o mesmo tema, também foi feita com base em documentos recebidos de uma fonte, como consta à fl. 640. Também não considero que a “riqueza de detalhes” das matérias assinadas pelo apelante demonstre animus injuriandi, em ataque de cunho pessoal, que levaria à ilicitude da conduta e ao dever jurídico de reparar o dano.

A correspondência de fls. 530 e seguintes dá o tom da justíssima irresignação do apelado ao se referir àqueles que cometeram o crime de violação de sigilo funcional e aos bandidos cujas conversas foram gravadas. Aliás, estes é que macularam, de forma severa, a honra do apelado e contra eles é que a irresignação deveria ter sido voltada.

O depoimento do jornalista Marcelo Antônio Cordeiro de Oliveira, assessor de imprensa do Superior Tribunal de Justiça, também indica a inexistência do animus de ofender o apelado e a existência de indícios de envolvimento do apelado, embora não fossem fortes. Relatou:

(…) Que Josias lhe mostrou uma fita num gravador, sendo que havia a reprodução de vozes, e que segundo o jornalista teria sido a gravação feita pela Polícia Federal, não lhe dizendo a fonte da fita. Que alguém, na fita, intermediava a ida do Dr. Erick a Cuiabá e que aumentasse a quantia que ficaria paga ao advogado para que o intermediário recebesse algum dinheiro, não se recorda dos nomes. Que conversou com o jornalista sobre estes fatos, ponderou que não havia indícios fortes do envolvimento do Ministro; que o depoente como jornalista suspeitaria a mesma coisa que o jornalista Josias, (…) Que não se recorda se a fita citava o nome Erick, ou se falava em ‘filho do velho” ou similar, mas concorda que se tratava de menção ao filho do Ministro Vidigal. (…) [Grifos não constam do original]

Não se pode negar o abalo sofrido pelo apelado, só que, definitivamente, não há como imputá-lo às matérias assinadas feita pelo apelante, mas aos indícios existentes até aquele momento das investigações.

É certo que a inviolabilidade das comunicações telefônicas é protegida pela Constituição Federal e só pode ser quebrada para fins de investigação criminal. E que o sigilo não poderia ter sido violado. De tudo se depreende que houve evidente abuso, porém, frise-se mais uma vez, que não pode ser imputado ao apelante.

O MM Juiz entendeu que o apelante extrapolou ao publicar o título, no dia 23 de fevereiro de 2003:

“PF Investiga elo entre quadrilha e Ministro do STJ”. Nas paginas internas novamente repete-se o título acrescentando-se no subtítulo: “Crime organizado: grampos revelam negociações de decisões judiciais: Ministro e seu filho são citados nas gravações”. [fl. 723]


Concluiu que a leitura do exemplar demonstra que o jornalista inverteu a ordem da narrativa, pressupondo a existência do elo entre o autor e a quadrilha, sob o qual eram realizadas as investigações da polícia. Assim, o entendimento do conteúdo da reportagem levaria à admissão da existência real de um elo específico, e que não fez nenhuma concessão à dúvida.

Nas hipóteses de tratamento diferente entre o título e o texto da notícia cabe o dever de indenizar. Em precedente da 8ª Vara Cível de São Paulo, processo 2 074/95, na sentença, mantida pelo TJSP, o julgador monocrático consignou que “é notório e sabido que a titulação das matérias é usada pelos periódicos para estabelecer destaque e interpretação ao que se segue relatado na notícia ou reportagem, modo pelo qual a publicação, seja de revista ou jornal, sinaliza ao leitor o que lhe é oferecido para leitura.”

Mas esta não é a hipótese em julgamento. Segundo o prolator da sentença apelada, melhor teria sido constar da manchete que: “PF investiga possíveis negociações de decisões judiciais por componentes da quadrilha de Arcanjo, quando foi citado o nome de um Ministro do Superior Tribunal de Justiça”. Sem embargo do brilhante raciocínio do eminente magistrado, a par de a manchete sugerida ser inviável, até por questões de espaço, ao ser utilizado o verbo investigar, necessariamente fica afastada a certeza da existência do “elo”. O Dicionário Aurélio fornece os significados do verbo: 1. Seguir os vestígios de; 2. Fazer diligências para achar; pesquisar; indagar; inquirir; 3. Examinar com atenção; esquadrinhar.

A manchete não indica que houve antecipação, pelo apelado, das conclusões da Polícia Federal e do Ministério Público e “ainda que provas haveriam de ser produzidas para confirmar sua existência.” E tanto a requisição dos procuradores tinha como plausível a existência de fortes indícios de esquema de negociação de decisões no Superior Tribunal de Justiça que representou pela prisão preventiva dos envolvidos, que só não foi decretada pelo Juiz, com fundamento no princípio da presunção de inocência e porque não estavam presentes os requisitos do artigo 312 do CPP, sem embargo da existência de indícios da materialidade e autoria de crimes graves. Aliás, na publicação de 26 de fevereiro de 2003, o Procurador Pedro Taques informou:

… “ – O ministro está correto quanto ao desejo de apurar o vazamento de informações. Mas não podemos perder o foco das investigações. O mais estranho no caso é a reunião, na madrugada de 23 de janeiro, envolvendo Erick Vidigal com advogados de um grupo criminoso. –

Taques acrescentou: – Mais estranho ainda é o fato de uma decisão do ministro [Vidigal] ter sido discutida pelos mesmos advogados e lobistas em 21 de janeiro –. O procurador se refere a um pedido de habeas corpus que libertaria da prisão Luiz Alberto Dondo Gonçalves, contador da quadrilha.

O procurador Taques diz que – O Ministério Público e a PF não estão investigando juiz do STJ. Mas se chegar à conclusão de que existem indícios de que a negociação se processa dentro do gabinete do ministro [Edson Vidigal] remeterei o caso para o STF – . O Supremo é o fórum adequado para processar membros do STJ.

– No tocante a Erick Vidigal –, diz ainda Taques, – entendo que a participação dele é efetiva. O Ministério Público não se intimidará diante de bravatas e ameaças. Entendemos que é muito grave que o crime organizado esteja chegando ao STJ, por meio de lobistas e parentes de magistrados, com este caso está a revelar. – ”. [grifos não constam do original]

As sutilezas no uso do vernáculo, tão bem dissecadas na sentença, a meu sentir não têm o condão de afastar o conteúdo das reportagens daquilo que foi efetivamente apurado pelo Ministério Púbico e Polícia Federal. A leitura atenta dos diversos volumes do inquérito juntado por linha aos autos deixa bem claro que os fatos estavam sob investigação. No desenrolar das investigações e já causado o dano, pois divulgado o que até então apurado, verificou a autoridade que não havia indícios de que o apelado estivesse envolvido diretamente no episódio ou tenha recebido qualquer oferta em dinheiro, mas sim que terceiras pessoas estariam agindo de forma execrável para induzi-lo a erro, como por exemplo na decisão sobre pedido de interceptação telefônica às fls. 37/38:

Em nenhum momento tais pessoas deixam antever que a oferta de dinheiro tenha sido feita a qualquer dos Ministros do STJ, nem mesmo é possível asseverar que virá um dia a ser feita tal oferta, pois a hipótese que mostra mais provável é a de que apenas servidores do STJ, advogados e o filho de um Ministro é que estariam envolvidos, e pelas suas posições de confiança e assessoria junto a tal autoridade judiciária, o estariam induzindo a erro.


Especialmente os diversos diálogos travados sobre a necessidade de a decisão conter fundamentos morais e tecnicamente corretos, bem como as passagens em que os personagens conversam sobre o Ministro ter NEGADO um HC, sugerem que o filho do Ministro Edson (Erick) e ao menos um dos assessores desse Ministro, estejam buscando convencê-lo sobre a correção de uma decisão favorável a João Arcanjo (“passarinho- símbolo Colibri) ou a qualquer dos co-réus, o que abriria as portas para Arcanjo, no que se intitulou em uma das gravações como “dominó” (efeito).

A situação é seríssima e retrata uma possível corrupção ativa de advogados e “lobistas” de um lado e corrupção passiva de um ou mais assessores do Ministro Edson Vidigal de outro (art. 2º, I, da Lei 9296/96), com a cumplicidade do próprio filho do Ministro. Ambos os delitos são punidos com reclusão (arts. 317 e 333, ambos do CP – art. 2º, III, da Lei 9296/96).

…………………………………………………………………..

Devidamente descrita a situação nos moldes supra, aponto que são suspeitos até o momento (fls. 10/21 – art. 2º, parágrafo único, da Lei 9296/96) Erik José Travassos Vidigal, Samuel Nascimento da Silva, Márcia Aparecida Pompeu de Campos Tavares, Jaison Justina, Gustavo Silbernageo, Timóteo Silva, Avelino Tavares Junior, José Guilherme, ao menos um assessor não identificado do Ministro Edson Vidigal e diversos negociadores, lobistas, que não se pode identificar (qualificação completa dos identificados no relatório policial de fls. 10/21). Apesar das extensas diligências empreendidas a autoridade policial ainda não conseguiu identificar os demais participantes das conversas, nem todas as pessoas nelas citadas, mesmo porque os celulares que têm sido utilizados são a cartão.

Portanto, a divulgação antecipada dos fatos causou sim prejuízos à honra do apelado. Mas não foi o apelante o responsável pelo vazamento. Apenas trouxe a público o material até então apurado que lhe veio às mãos. Deve ser salientado, uma vez ainda, que, em nenhum momento, nas diversas publicações, é imputada conduta criminosa ao autor ou feita consideração subjetiva sobre a respectiva conduta. Pelo contrário, é ressaltado que a decisão do apelado foi adversa ao contador do “Comendador”.

Na obra “Liberdade de Pensamento e Direito à Vida Privada”, Editora Revista dos Tribunais, 2000, Gilberto Jabur consigna: “A pessoa notória tem sua circunscrição privada naturalmente diminuída pelo reconhecimento que alcançou perante o público ou certa comunidade.” Concluo que não houve intenção de manipular ou deturpar informação, de notório interesse público, embora, como reiteradamente tenho decidido, o juízo crítico final sobre a matéria seja prerrogativa do leitor.

Dou provimento ao apelo para acolher a preliminar e julgar improcedente o pedido inicial. Condeno o autor ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários que arbitro em R$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos reais), na forma do § 4º do artigo 20 do Código de Processo Civil.

A Senhora Desembargadora ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO – Revisora

Conheço da apelação, presentes que se fazem os pressupostos de admissibilidade.

Cuida-se de apelação interposta por Josias Pereira de Souza contra r. sentença que julgou procedente o pedido do autor de composição de danos decorrente da publicação de reportagens, em jornal de circulação nacional, condenando o réu ao pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de indenização por danos morais, sendo 80% (oitenta por cento) revertido para uma instituição de caridade. Condenou, ainda, o réu a publicar o inteiro teor da sentença no Jornal Folha de São Paulo, na edição de domingo e com chamada na página principal.

Irresignado, pugna seja provido o recurso para reformar a r. sentença. Aduz preliminarmente a sua ilegitimidade para responder pela matéria de 25 de fevereiro de 2003. Alega que não houve abuso no direito de informar e que apenas reproduziu informações às quais teve acesso.

Inicialmente, merece ser acolhida a preliminar argüida, porquanto a reportagem publicada em 25 de fevereiro de 2003, sob o título “Juiz classifica reportagem de ‘molecagem’”, não foi subscrita pelo apelante. Ressalte-se que, não obstante o apelante à época da publicação exercer o cargo de diretor da sucursal de Brasília do Jornal Folha de São Paulo, não pode ser responsabilizado por matérias que não tenha redigido, até porque não possuía o poder de determinar o conteúdo de todas as reportagens publicadas. Nesse sentido, a Súmula 221 do Superior Tribunal de Justiça, em consonância com os arts. 49 e 50, da Lei 5.250/67, assim dispõe, in verbis:


“São civilmente responsáveis pelo ressarcimento do dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação.”

Assim, sendo o apelante apenas o diretor da sucursal, sem poder de veto ou dever de supervisão sobre a matéria publicada, acolho a preliminar para afastar a legitimidade do apelante para responder pela reportagem citada.

No mérito, cinge-se a questão controvertida ao reconhecimento ou não de eventual ofensa à honra, imagem e dignidade do apelado, ante as matérias veiculadas pelo apelante no jornal Folha de São Paulo, ventiladas nos presentes autos.

Hodiernamente, o direito de informar, consubstanciado na liberdade de imprensa, é uma das maiores expressões democráticas. Não ostentando liberdade absoluta, ampla e irrestrita, a publicação de matérias, do cunho daquelas noticiadas nos autos, encontrará sempre no direito à honra e à dignidade da pessoa humana o seu limite, consoante o art. 5º, inc. X, da Constituição Federal.

Nesse sentido, mesmo havendo a liberdade de informação, comunicação e de imprensa, há sempre, por parte do Estado, o dever de proteger os direitos de terceiros ofendidos, quer por intermédio da proteção conferida pela lei, quer por intermédio da prestação jurisdicional. Ocorrido o excesso, concernente à ofensa à honra e à imagem, o resultado será o dever de repará-lo.

Entretanto, a matéria jornalística, para que se repute excessiva, deverá ostentar conteúdo de conotação ofensiva ou desabonadora da honra, reputação ou honestidade do ofendido, pois o que se pune e obriga à reparação moral é a conduta daquele que no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito ou causa prejuízo a outrem, ex vi do art. 49, da Lei 5.250/67. Com isso, para a configuração do dano à honra, não basta apenas a existência de conteúdo eventualmente ofensivo, necessária se faz a presença dos elementos caracterizadores do ilícito civil.

Contudo, no caso vertente, não houve conduta ilícita do apelado capaz de ensejar a reparação almejada, na medida em que, no exercício de sua profissão, limitou-se a divulgar fatos, de interesse público, apurados pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal. Dessa forma, cotejando os documentos constantes dos autos e dos apensos do caso em análise com as publicações de autoria do apelante, verifica-se que está subjacente o mero animus narrandi das reportagens, em que o apelante apenas informa os detalhes das investigações em curso, não tendo extrapolado os lindes da realidade fática.

Assim, não constitui agressão à esfera dos direitos personalíssimos a veiculação na imprensa de notícias acerca de fatos relacionados a processos criminais ou em apuração perante a polícia, desde que constem das reportagens publicadas apenas informações ali existentes, sem qualquer vontade deliberada de atacar a honra e a imagem de terceiros. Tendo o apelante se limitado a reproduzir informações verídicas, não exorbitou do seu poder-dever de informar a sociedade acerca de fatos de seu interesse.

O prejuízo moral certamente sofrido pelo apelado não pode ser imputado ao apelante, mas sim à falta de cautela no decurso da investigação oficial, que permitiu chegasse à imprensa informações sigilosas, antes do término da apuração dos fatos. Ressalte-se que incumbia aos agentes públicos envolvidos na investigação resguardarem o conteúdo das interceptações telefônicas, protegidas pelo sigilo. Quando o apelante obteve as informações, o sigilo já estava quebrado, na medida em que havia chegado à mão de particulares informações que não eram do conhecimento sequer das partes envolvidas. O apelado tem constitucionalmente assegurado o sigilo da fonte, consoante art. 5º, inc. XIV, da Carta Magna, não podendo ser punido pela divulgação das escutas cujo resguardo do conteúdo não era seu dever.

Conforme se verifica, em nenhum momento o apelante, nas reportagens publicadas, imputou conduta criminosa ao apelado, tendo apenas levado ao conhecimento do público o material até então apurado a que teve acesso e muitas vezes salientando que a decisão do apelado havia sido contrária aos interesses da quadrilha investigada.

Aliás, conforme consta da fl. 38, o apelado foi pessoalmente procurado pela Folha de São Paulo e avisado a respeito da reportagem que seria publicada pelo apelante, bem como acerca do teor da mesma, possibilitando-lhe esclarecer a possível menção de seu nome e de seu filho em gravação obtida junto à polícia federal, o que corrobora a tese de que não havia a intenção de macular a honra do apelado.

Ademais, cumpre salientar que desde a primeira publicação, noticiando a investigação de possível existência de elo entre o crime organizado e uma suposta venda de decisões judiciais, fez-se publicar na mesma página da matéria nota de esclarecimento, de autoria do Ministro Edson Vidigal, acerca da leviandade das acusações e da irresignação quanto à quebra do sigilo funcional que resultou no vazamento dos dados ainda sob investigação. Da mesma forma foi feito nas edições seguintes, em que se teve a preocupação de publicar junto à matéria principal notas e reportagens em que o apelado, ou se filho, explicitava a ausência de qualquer envolvimento com a quadrilha sob investigação.


Não caracterizado o abuso da liberdade de imprensa, estando presente a mera intenção de informar, sem o intuito de ofender a honra e a dignidade do apelado, não há ato ilícito apto a amparar a reparação almejada.

Ante o exposto, dou provimento ao apelo para acolher a preliminar e julgar improcedente o pedido inicial. Condeno o autor ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), consoante disposição do art. 20, §4º, do Código de Processo Civil.

É como voto.

O Senhor Desembargador JAIR SOARES – Presidente e Vogal

Peço vista.

D E C I S Ã O P A R C I A L

Após o voto da Relatora e da Revisora dando provimento ao recurso, pediu vista o Vogal.

V O T O V I S T A

O Senhor Desembargador JAIR SOARES – Presidente e Vogal

Trata-se de apelação de sentença que, em ação de reparação de danos morais, julgou procedente, em parte, o pedido e condenou o réu a pagar indenização de R$ 10.000,00, em razão da veiculação de matérias jornalísticas ofensivas à honra do autor.

Argúi o apelante preliminar de ilegitimidade passiva em relação à matéria do dia 25.2.03, que não é de sua autoria, nem foi editada sob sua supervisão.

No mérito, sustenta, em síntese, não ter agido com leviandade ou abuso, tendo se limitado a narrar objetivamente fatos investigados pela Polícia Federal, sem externar qualquer juízo de valor.

Acrescenta não ser cabível a condenação na obrigação de publicar a sentença no jornal, uma vez que a “Folha de São Paulo” não é parte na ação, e que como mero empregado não tem como obrigá-la a cumprir a determinação.

Caso mantida a condenação, requer a redução do quantum indenizatório.

No que tange à preliminar de ilegitimidade passiva quanto à matéria veiculada no dia 25 de março de 2003, razão assiste ao apelante, haja vista que não a subscreveu.

E, conquanto o col. STJ reconheça a responsabilidade civil do diretor de redação ou editor pelos danos decorrentes de reportagens que supervisiona (REsp 552.008/RJ, rel. Min. César Asfor Rocha, 2ª Seção, DJ de 5.10.05), não havendo nos autos, qualquer prova nesse sentido, deve prevalecer as afirmações do apelante no sentido de que era diretor da sucursal de Brasília, com funções meramente executivas e não editoriais.

Não demonstrada a ingerência do apelante sobre a matéria, assinada por jornalista diverso, não há como responsabilizá-lo pelo seu conteúdo.

Irrelevante, contudo, a ilegitimidade dele, eis que outras publicações são de sua responsabilidade, devendo, assim, entender que a indenização fixada na sentença cobre somente os danos pelas publicações de responsabilidade do apelante.

No mérito, razão não assiste ao apelante.

A r. sentença merece mantida por seus próprios fundamentos, pois, como bem destacou o MM. Juiz a quo:

“O uso da poderosa influência da imprensa sobre a opinião pública exige, sobretudo, responsabilidade. Jamais fatos falseados, ou meias verdades, eivadas de má-fé por quem as produziu atenderão ao requisito do interesse público.

O descompromisso da imprensa com o fato verdadeiro expõe seus autores a responderem pela indenização por dano moral ou à imagem, nos termos previstos na Constituição Federal.

(…)

Pois bem, no caso em exame, a matéria jornalística de caráter investigativo, produzida pelo réu foi além dos elementos factuais (provas) de que dispunha. Apesar da gravidade das denúncias veiculadas, por envolver um Tribunal (STJ) e o seu Vice-Presidente, ora autor. Não houve a preocupação (proporcional à gravidade da denúncia) de reproduzir fielmente o que havia sido apurado.

(…)

Vale ressaltar que as publicações realizadas sobre a matéria em outros jornais e veículos de imprensa, conquanto não sejam objeto da presente ação, foram feitas com maior cautela, por exemplo, na reportagem veiculada pelo Correio Braziliense”. (fls. 728/9)

As publicações foram extraídas de relatórios do Ministério Público e da Polícia Federal.

No entanto, o réu não se limitou a noticiar os fatos. Deturpou-os, insinuando que o autor participava de “negociações de decisões” no Superior Tribunal de Justiça, como se observa, por exemplo, na edição de 24 de fevereiro de 2003, a informação, em destaque, de que “fluxograma da PF cita o Ministro Edson Vidigal”, informação que destoa do contido no fluxograma, no qual não há qualquer menção ao nome do Ministro. Há referência apenas ao filho dele.

O que se percebe é a tentativa, na publicação, de induzir o leitor a acreditar que o Ministro integrava esquema de venda de decisões judiciais, quando, na verdade, as investigações da PF e os relatórios do MPF se limitaram a narrar que os investigados, em conversas captadas por escutas telefônicas, citaram o nome do autor.

O uso abusivo da liberdade de imprensa, para ofender a honra e a imagem alheia, não deve ser tolerada, máxime quando a ofensa, extrapolando a pessoa do ofendido, atinge a credibilidade de um dos Poderes do Estado.

Quando o veículo de comunicação não se limita a narrar os fatos com isenção e emite juízo de valor, denegrindo a imagem e a honra alheia, sem respaldo fático ou probatório, deve ser assegurado ao ofendido, quando menos, direito à indenização proporcional à ofensa.

A publicação deturpou informações contidas em relatórios do Ministério Público e da Polícia Federal. Com ela, é possível ao leitor acreditar que o apelado participava de negociações de decisões judiciais.

Extrapolado, pois, o chamado direito de informação e atingida a honra do autor, inegável o direito a indenização.

A quantia de R$ 10.000,00, tal qual fixada na r. sentença, mostra-se razoável, levando-se em conta não apenas a capacidade financeira das partes, mas também a grande repercussão das notícias veiculadas.

Por fim, merece ser mantida a condenação para publicar o inteiro teor da sentença no jornal Folha de São Paulo, pois, apesar do jornal não integrar o pólo passivo da ação, o apelante, como diretor da empresa, tem condições de fazer cumprir a decisão, ainda que mediante pagamento do espaço.

Nego provimento.

D E C I S Ã O

Conhecido. Acolhida a preliminar. Provido. Maioria, vencido o Vogal.

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