Toninho da Barcelona

Leia decisão que livrou Toninho da Barcelona de 3 condenações

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26 de setembro de 2006, 16h59

O doleiro Antônio Oliveira Claramunt, o Toninho da Barcelona, foi absolvido dos crimes de gestão fraudulenta de instituição financeira, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro no caso Banestado. A decisão, é do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que reformou sentença da primeira instância e manteve apenas a condenação por evasão de divisão.

A pena foi fixada em restritiva de direitos por conta da colaboração voluntária do réu com o Ministério Público Federal. A decisão não modifica a situação prisional de Toninho da Barcelona. Ele cumpre pena preventiva no presídio de Tremembé, em São Paulo, decretada pela Justiça Federal de Curitiba e São Paulo.

Toninho da Barcelona é acusado de fazer operações de câmbio ilegais com o doleiro paranaense Alberto Youssef. As operações chegaram a US$ 121 milhões e envolviam a utilização de rede de contas abertas em nome de laranjas e depósitos em contas CC5.

Leia a integra da decisão

Assim, colocados os fatos na sua ordem e, ressaltando o expresso no voto condutor da Ministra do STJ Laurita Vaz no CC nº 48.573/SP ("as condutas devem ser minuciosamente analisadas para a adequação penal"), bem como a análise de cópia da sentença prolatada pelo Juiz Federal Fausto Martins de Sanctis (autos nºs …, de São Paulo/SP – cópia acostada pela defesa (fls. 906-1109) em confronto com o decisum deste processo, elaborado pelo competente Juiz Federal Sérgio Fernando Moro (do qual colaciono o seguinte excerto: "As transações havidas com Alberto Youssef foram realizadas a partir de contas titularizadas por laranjas e controladas por ele e que eram abertas e mantidas em Londrina/PR e Foz do Iguaçu/PR, ou seja, em território submetido à jurisdição da 2ª Vara Criminal Federal." – fl. 643), segmento a apreciação das imputações sob o crivo das operações de câmbio de Alberto Youssef com ANTONIO OLIVEIRA CLARAMUNT.

Passo ao exame específico de cada delito.

1. Gestão Fraudulenta (art. 4º da Lei nº 7.492/86):

Inicialmente, no ponto, como já adiantado, devo apreciar as preliminares de coisa julgada e de reconhecimento da incompetência da 4ª Região. Ressalto que se trata de tipo aberto, com conduta plurissubistente, no qual há relevo ao mandato, ou seja, do período de administração do empreendimento (ou institução) e, por conseqüência, de autonomia de uma gestão, independentemente de a prova vir segmentada ou não. O delito teria natureza permanente decorrente da persistência dos atos de gestão em determinado período de administração, podendo-se conceber, em tese, possibilidade de continuidade diante de casos em que venham demonstradas sucessivas gestões. Deve o juiz, assim, porque o tipo comporta vários enfoques, verificar detidamente o caso concreto para aferir a congruência entre a ação descrita na denúncia e o paradigma legal, não podendo nunca prescindir desse encargo interpretativo.

Conforme já mencionado anteriormente (Laudo nº 1248 – fls. 100-108 do apenso V), o acusado adquiriu aproximadamente… de Alberto Youssef no período de 27-07-1994 a 19-10-2000, montante que, em princípio, transitou pelo Estado do Paraná e chegou à praça de Nova Iorque/EUA, em, basicamente, dois bancos, Chase Manhatan (atual JP Morgan Chase) e Citibank, com intermediação financeira … (consta, ainda, no referido Laudo nº 1248, depósitos em outros três bancos nos EUA, … , conta pessoal de ANTÔNIO CLARAMUNT, …

O Laudo nº 1371 (fls. 218-226 do apenso V), por sua vez, informa …, no período de 1997-1999. Tendo por base o crédito (em princípio, o ingresso de dólares nesta conta), foram recebidos aproximadamente …). Fazendo o contraste com os dados do Laudo nº 1248 , aproximadamente … Logo, ainda que Youssef tivesse sido o principal fornecedor de dólares para CLARAMUNT, os dados informam que não era o único.

Assim, a relação comercial de venda de dólares de Youssef para CLARAMUNT, com a entrega/depósito nas contas do último no exterior, não configura, a meu ver, uma gestão fraudulenta, porquanto ausente, no caso, a autonomia deste negócio no contexto da administração operacional do recorrente e que já é objeto de persecussão penal nos autos que tramitaram pela 6ª Vara de São Paulo, onde constou a genérica acusação de gestão fraudulenta da empresa Barcelona Tur, no item "b" da denúncia, por parte do citado apelante, "omitindo informações e prestando informações falsas ao Banco Central quanto ao volume das operações e às identidades de seus correntistas".


Menciono, também, que a compra de dólares de Youssef de CLARAMUNT …, também se inserem nessa situação, não apresentando a autonomia necessária, conforme referido no parágrafo anterior.

Nesse sentido, a conduta de CLARAMUNT nestes autos, se mostraria necessariamente inserida no descrito no item "b" da denúncia veiculada em São Paulo/SP (constante da transcrição do voto condutor do já mencionado CC nº 48.573), a gerar inegável litispendência com tal feito criminal. Porém, a própria negativa de autonomia de gestão e reconhecimento de que os fatos segmentados na presente ação não consituem decorrência de gestão ou instituição autônoma ou diversa, determina a absolvição no presente processo.

Diante deste contexto, impõe-se, a meu ver, a prevalência da absolvição do acusado. Ademais, reconhecer litispendência seria declarar, indevidamente, uma nulidade em desfavor do apelante.

2. Operação indevida de instituição financeira (art. 16 da Lei nº 7.492/86:

Na mesma linha do entendimento formulado no exame da gestão fraudulenta, sem olvidar da constatação da existência, ao menos em determinado período, da autorização do Banco Central para operar em câmbio, considero que a relação Youssef-CLARAMUNT, posta para análise desta Corte, carece de autonomia suficiente para configurar, por si só, uma "instituição financeira", ainda que, ressalto, os valores envolvidos sejam, como visto, de monta. Logo, tenho que este relacionamento comercial escuso não constituiu, mesmo de forma tácita, um "empreendimento" independente, mas sim um desdobramento negocial das casas de câmbio (ou mesmo da atuação como pessoa física) dos dois.

Assim, neste contexto, não restou comprovado o delito imputado a ANTÔNIO CLARAMUNT.

3. Evasão de Divisas (art. 22, caput, da Lei nº 7.492/86):

Segmentadas as operações comerciais de câmbio de Youssef com CLARAMUNT, como já mencionado na introdução desta análise específica dos delitos e, somadas as circunstâncias apreciadas anteriormente, se constatou que a sistemática utilizada na venda de dólares de Youssef para CLARAMUNT ocorria no seguinte sentido: 1) acerto de valor dólar/real; 2) depósito de reais de CLARAMUNT nas contas de laranjas de Youssef; 3) depósito destes reais em contas CC-5, com a posterior compra de dólares no mercado ou envio de dólares no chamado "dólar cabo" (sistema informal de compensação de trocas de moedas); e 4) o trânsito dos dólares para bancos e contas intermediárias (como os já citados Banestado e Chase/Citibank – contas da …), para posterior envio a contas em outros países.

O Laudo nº 1248 lista aproximadamente 33 transações com depósitos nas contas de CLARAMUNT no exterior (fls. 105-107 do apenso V). O montante deste negócio alcançou … (os detalhes de cada operação constam nas fls. 186-217 do apenso V, dados obtidos por meio dos bancos Banestado e Chase, ambos de agências sediadas em Nova Iorque/EUA).

Assim, ante tal exposição de dados, verifica-se que as transações com Youssef tinham o objetivo claro de enviar moeda ao exterior, conforme, inclusive, a manifestação do próprio acusado no interrogatório (transcrito anteriormente). Destarte, considero comprovadas a materialidade e a autoria do crime de evasão de divisas, restando provado o dolo inerente, dado que as operações de câmbio realizadas com Youssef, objeto de análise da imputação, destinavam-se ao exterior.

Por fim, as compras de dólares por parte de Youssef com CLARAMUNT não se inserem, em princípio, no campo da evasão de divisas do caput, porquanto não foi comprovado que tais valores estavam no exterior. Como tal dúvida favorece o acusado, essa "pequena" parcela (em relação ao volume total dessa parceria comercial) não integra a imputação da infração em tela.


Em tese, se poderia conceber tais fatos como sonegação fiscal. Porém, na ausência de manifestação da acusação nesse sentido e de imputação específica, os afasto da incidência da norma legal.

4. Evasão de Divisas – Forma Equiparada (Art. 22, parágrafo único, 2ª parte, da Lei nº 7.492/86):

Em princípio, analisando as cópias das declarações de ajuste anual do IRPF de ANTÔNIO CLARAMUNT (fls. 53-79 do apenso X – IRPF dos anos calendários de 1999 a 2003), nada há sobre as contas … e mesmo a conta pessoal no … de Miami/EUA.

No confronto entre a evasão específica de moeda e a sua forma equiparada (manter depósitos não declarados no exterior), considero que a existência das mencionadas contas correntes integrava o sistema concebido por CLARAMUNT para envio de valores ao exterior. Logo, tais contas eram o meio pelo qual as compras de dólares com Youssef chegavam aos EUA.

Logo, no contexto entre o "meio" e o "fim", prevalece, a meu ver, a finalidade delituosa concebida pelo agente, ou seja, no caso, a evasão de moeda prevista no caput do art. 22 da Lei nº 7.492/86.

Dessa forma, a manutenção de contas no exterior sem a respectiva declaração, não configura, na circunstância específica desta análise (transações de câmbio com Youssef inseridas no conjunto já referido da evasão), fato a ser punido. Ademais, não há prova de ter sido violado o regramento vigente à época, que exige declaração somente com referência à determinada data base (31 de dezembro) de cada ano.

5. Formação de Quadrilha/Bando (art. 288 do CP):

A acusação formalizou denúncia contra ANTÔNIO CLARAMUNT e outros seis réus, incluindo seu pai, mãe, irmão, tio e esposa (e ainda um funcionário da Barcelona Tour, Altair de Lima – fls. 02-20). Diante da prisão preventiva de CLARAMUNT, a presente demanda foi recebida somente em relação a este acusado, desmembrando-se o feito no tocante aos demais (fls. 21-23). A ação criminal contra …, …, … e … foi distribuída sob o nº … (fl. 61).

Conforme informações via rede mundial de computadores, tal feito se encontrava (desde 27-03-2006) com o MPF, em princípio para oportunizar emenda à inicial, sem data de interrogatório designada.

As mazelas do nosso sistema processual penal proporcionam situações como essa, na qual se pretende a reforma da sentença para que seja condenado um indivíduo e, por via reflexa, outros três, no mínimo, que sequer foram ouvidos (ressalvo, apenas, que constam nas fls. 572-573 e 578-579 do apenso III os depoimentos de … e …, respectivamente, perante a autoridade policial), acabem por receber a designação de integrantes do bando.

Feito este breve prólogo, observo que CLARAMUNT tratava, em tese, somente com Youssef que, ressalto, não é réu neste processo e sim testemunha arrolada pela acusação. Há, ainda, menções rápidas sobre a participação de … (igualmente não acusada na demanda). O próprio Alberto Youssef referiu a atuação de … (como alguém que atendia o telefone) e … (antes participante da Barcelona mais saindo posteriormente), mas nada indicando sobre a efetividade destes na compras de dólares (o depoimento específico de Youssef no ponto foi transcrito anteriormente).

… e … constam como procuradores das contas … e … como co-responsável, como já visto.

Diante deste contexto, com poucas provas sobre o conjunto das atuações, com a restrição da análise desta Corte apenas sobre as transações CLARAMUNT-Youssef e, com as vicissitudes processuais antes mencionadas (especialmente o fato de que no período de análise específico, somente … e … seriam funcionários da Barcelona, havendo, desta forma, ausência de elemento essencial para concepção deste delito, ou seja, o quarto agente), considero que há dúvida insanável neste feito sobre a autoria do delito de quadrilha, circunstância que favorece ao réu.


Logo, não prospera a inconformidade da acusação no ponto.

Destarte, no conjunto das cinco imputações, tenho, em síntese, que ANTONIO OLIVEIRA CLARAMUNT deve ser absolvido da prática do crime de gestão fraudulenta e condenado pela infração penal de evasão de divisas, nos termos do art. 22, caput, da Lei nº 7.492/86.

No que concerne à insurgência específica, observo que não é a "conduta de doleiro" (tida pela defesa como socialmente aceitável) que está sendo imputada a CLARAMUNT, mas sim a compra de dólares de Youssef com depósito direto em contas no exterior, como já referido à exaustão.

Quanto à alegação de ausência de exame de corpo de delito, verifica-se que foram elaborados laudos por expertos da Polícia Federal, contendo informações detalhadas das movimentações das diversas contas com base no cruzamento de dados de arquivos de computador e informações de transações obtidas diretamente com os bancos utilizados (circunstâncias já referidas igualmente no voto). De plano, observo que tais documentos foram objeto de contraditório, o que se soma, ainda, à confissão do acusado, e o depoimento de personagem chave nessa circunstância (ou seja, quem transacionou com CLARAMUNT, Alberto Youssef).

Logo, nesta situação, tenho por atendido o disposto no art. 158 do CPP.

Passo ao exame da dosimetria.

Antes de iniciar a matéria específica, evidencia-se que a sentença atacada (fls. 638-661) não contém qualquer dos gravames referidos pela defesa, seja a alegada seleção subjetiva, seja a falta de fundamentação na dosimetria.

Em relação ao entendimento da defesa sobre ser excessiva, tendo em vista a absolvição do delito de gestão fraudulenta (única condenação veiculada no decisum) nos termos deste voto, considero que houve perda do objeto da inconformidade.

No que concerne à circunstância culpabilidade, compreendida como a capacidade de resistência à regra de proibição, tendo em vista que o grau de escolaridade do acusado é o curso superior completo de direito (fl. 497), somado ao fato de ter exercido atividade no setor específico de turismo por tempo considerável (sócio-gerente da Barcelona Tour desde março/1988 e com a condição de associado majoritário com 95% das cotas – fls. 145-146 do apenso I), em situação que indica razoável discernimento na movimentação de valores em moeda estrangeira e, sobretudo, noção de envio de montantes ao exterior, considero o vetor como desfavorável.

Em relação aos antecedentes, consta no documento elaborado pela Polícia Civil/SP (fls. 224-225) a menção a outros dois processos tramitando na Justiça Estadual daquele Estado (nºs …). A certidão da JF/PR informa a existência de outra demanda criminal, de nº … (fl. 83). Na Justiça Federal/SP tramita o processo já referido no voto (de nº …, com sentença prolatada – fls. 138-139). Apesar do decisum proferido em SP ter sido acostado aos autos (fls. 906-1109), não foram solicitadas as certidões narratórias dos demais feitos. Assim, tendo em vista que o crime de evasão de divisas pelo qual está sendo condenado neste voto se protela no tempo (as relações com Youssef vão de julho/1994 a outubro/2000 e os depósitos identificados nas contas correntes no exterior datam de julho/1997 a janeiro/1999 – Laudo nº 1248 – fls. 100-127 do apenso V), o que se sobrepõe às poucas datas mencionadas nas ações antes referidas e, na ausência do procedimento específico, certidões declaratórias, tenho que a circunstância deve ser considerada como neutra.

Entretanto, na análise do vetor personalidade, as referências às diversas demandas criminais no parágrafo anterior indica que o acusado se mostrou voltado à prática de delitos no curso da conduta demonstrada nestes autos. As degravações das conversas telefônicas de CLARAMUNT com diversos interlocutores contidas no apenso XI informam que mesmo com os inquéritos em andamento em São Paulo/SP e com a cessação da autorização da Barcelona Tour para realizar câmbio de moeda estrangeira (encerramento em 27-03-2003 – ofício do Banco Central nas fls. 170-174), o réu continuava a operar neste mercado (exemplos das fls. 90 e 94 – junho/2004 e fls. 126 – agosto/2004, todas do mencionado apenso XI). Logo, nestas condições, tenho que a circunstância deve ser aferida como desfavorável.


No que tange à conduta social, Francisco Carvalho Neto e Marco Lara, arrolados pela defesa, abonaram a conduta de CLARAMUNT (fls. 240-242). Francisco, apesar de compromissado, disse ser amigo de ANTÔNIO, tendo, inclusive, tomado empréstimo do mesmo (…). Aliás, este depoimento segue a mesma linha de outras três testemunhas igualmente arroladas pela defesa (Carlos Carvalho, Gustavo Prates e o Subprocurador da República Henrique Fagundes Filho – fls. 236-239 e 245-247), ou seja, com diversos empréstimos envolvendo moeda estrangeira (ou com variação monetária desta) em circunstâncias que deveriam ensejar maior atenção por parte das autoridades correspondentes (nesse sentido o relatório de inteligência policial das fls. 1011-1053 do apenso IV, detalha, após análise do programa de computador utilizado por CLARAMUNT nas suas transações, as diversas operações de funcionários e agentes públicos, em particular membros Polícia Federal, com moeda estrangeira, no qual se destaca o respeitável Órgão do MPF). Assim, tenho que a circunstância deve ser aferida como neutra.

No tocante aos motivos do crime, o intuito de obter ganhos financeiros com tal prática e a cupidez se mostram inerentes, no caso, ao tipo, de forma que o vetor deve ser fixado como neutro.

As circunstâncias do delito, como a utilização de pessoas interpostas (físicas e jurídicas), contas bancárias em nome de empresas com sede em paraísos fiscais, intermediários financeiros de índole duvidosa, modificação constante das contas no exterior e, ainda, a própria distorção do sistema de contas CC-5 (de natureza de não-residentes no Brasil), configura este vetor, a meu ver, como extremamente desfavorável.

Quanto às conseqüências do crime, a soma das 33 transações com depósitos nas contas de CLARAMUNT no exterior (fls. 105-107 do apenso V) …, cifra que, por si só, é suficiente para fixar a circunstância como desfavorável.

Menciono, ainda, uma outra conseqüência intangível que foi ocorrendo a medida que o sistema de evasão de moeda foi, por assim dizer, sendo bem sucedido. Todos os tipos de infratores penais (sejam os supostamente bem intencionados importadores oprimidos pelas mazelas da burocracia estatal a agentes públicos) passaram a se utilizar do esquema por este concebido, gerando, assim, um incentivo para tais práticas. Nesse sentido, o depoimento do acusado nas fls. 507-544 e as degravações das conversas telefônicas no apenso XI ilustram, ainda que de forma resumida, tal situação. Logo, tenho a circunstância como desfavorável, em acentuado desvalor.

O vetor comportamento da vítima não enseja valoração.

Destarte, na aferição deste conjunto de circunstâncias, com quatro desfavoráveis (culpabilidade, personalidade, circunstâncias e conseqüências) e as demais neutras, fixo a pena-base em 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão.

Em relação à segunda fase, tenho que as manifestações do acusado, em particular na reinquirição das fls. 504-544, devem ser consideradas como confissão, estando, assim, presente esta atenuante (art. 65, III, "d", do CP). Porém, a teor das declarações antes referidas, se denota que o acusado era o grande mentor e organizador das atividades delituosas praticadas. Assim, ainda que tenha ocorrido a absolvição de CLARAMUNT (como visto no voto) em razão de dúvida insanável sobre a configuração do delito autônomo de quadrilha (ausência de informações sobre a atuação de um quarto agente), tenho houve a preponderância e a direção da atuação de pelo menos … e …, procuradores de diversas contas do réu no exterior (em especial a …/BHSC) e funcionários da Barcelona Tour (sendo este último nominado por Youssef, mesmo de forma lacônica), circunstância inserida no previsto no art. 62, I, do CP. Havendo contraposição de atenuante e agravante de igual valor, considero que os montantes devem se compensar, sem alteração na quantidade da pena.

Nesse ponto, a pena alcançou 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão.


Quanto à terceira fase de fixação da pena, há que relevar a atuação de CLARAMUNT, em sistema de cooperação com as autoridades empenhadas na apuração de delitos de mesma natureza e afins, em diversos procedimentos/inquéritos (cópias nas fls. 1614 a 1707, inclusive com exame dos materiais e equipamentos apreendidos), tendo sido apresentada, ainda, solicitação de apreciação da colaboração do acusado por parte de Procurador da República (fls. 1603-1605). O art. 14 da Lei nº 9.807/99 fixa o parâmetro da "delação premiada" entre um a dois terços. Ouvido, o Procurador Regional da República Carlos Cazarré postulou a redução da pena no índice de um terço (fls. 1609-1610). Tendo em vista que tal disposição para colaborar com as investigações se deu, em princípio, após a sua condenação neste feito (as cópias das manifestações do réu datam de 19-20 de outubro de 2005 – fls. 1617-1620), mas que, ao mesmo tempo, as informações foram em bom número e prolongando-se por aproximadamente três meses e, relevando, ainda, o entendimento do Órgão Ministerial, fixo o parâmetro da quantidade de redução da pena em 1/3 (um terço), índice razoável e proporcional.

Também nessa fase, a prática reiterada de evasão de moeda, já demonstrada no voto e prolongada no tempo, nas condições igualmente referidas anteriormente, indicam o parâmetro na razão de 1/3 (um terço), montante adequado a tal situação.

Finda a terceira fase, considero que a pena final concreta deve ser ajustada para 02 (dois) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão. Tendo em vista que o acusado colaborou com as autoridades, a demonstrar, em princípio, consciência das conseqüências de seus atos, fixo o regime inicial aberto como início de cumprimento da pena.

No ponto, determinada a pena concreta, não restou incidente a prescrição, computados os fatos interruptivos e as datas da prática do delito de evasão.

Aplicada a exegese do art. 49 do CP no que concerne ao número de dias-multa, obtém-se 90 (noventa), montante que resta assim fixado.

No tocante ao valor do dia-multa, o vigor econômico do acusado se apresenta claro nas fls. 53-79 do apenso X (declarações do IRPF), nas quais constam diversos imóveis, transações com veículos de exceção (Audi TT e avião EMB 820C), disponibilidades em moeda nacional e estrangeira e prêmio de loteria federal (R$ 215 mil), destacando, ainda, que dos 6 ajustes anuais, em 4 obteve restituição do Imposto de Renda. Soma-se a tal contexto a declaração prestada por CLARAMUNT na Justiça Federal/SP informando ser possuidor de … no … de Zurique ou Genebra (fl. 1053). Logo, diante do referido e, ainda que tenha havido bloqueio de contas e declarada a perda de propriedades em favor da União de parte deste poderio econômico-financeiro (fls. 1104-1105 – sentença, sem notícia de trânsito em julgado), fixo o valor do dia-multa em 08 (oito) salários mínimos, em atendimento ao disposto no art. 49, § 1º, do CP c/c art. 33 da Lei nº 7.492/86.

Presentes, em princípio, os requisitos do art. 44 do CP e em especial, o critério da suficiência (em combinação com o já referido no exame do regime inicial de cumprimento da pena no tocante a atitude do acusado), considero que deve ser procedida a substituição da pena corporal por duas restritivas de direito.

Em relação à primeira, a que se mostra adequada ao caso dos autos é a prestação de serviços à comunidade, porquanto possibilita ao condenado a ressocialização junto a seus pares. Deverá se dar o cumprimento na forma do art. 46 do Código Penal.

Quanto à segunda restritiva, considero que a prestação pecuniária se amolda ao caso em comento, dado que enseja ao acusado a reparação do dano financeiro e/ou da repercussão econômica do crime diretamente a entidades que amparam a população.


Ante o mencionado anteriormente no exame do valor do dia-multa, fixo a prestação em 10 (dez) salários mínimos por mês integral de condenação, o máximo nos termos do art. 45, § 1º, do CP em relação ao caso concreto, montante que será enviado às entidades beneficentes cadastradas no Juízo a quo e na forma por este concebida.

Trago à colação, ainda, o entendimento desta Corte:

"(..) a prestação de serviços à comunidade é a forma de comprimento da pena mais humana e sem a retirada do condenado do convívio social e familiar, evitando-se o encarceramento. Além disso, é possível a ‘flexibilidade na prestação dos serviços, podendo ser fixado um cronograma de trabalho variável, tudo para não prejudicar a jornada de labor do condenado’ (in Nucci, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado, 3ª ed. São Paulo: RT, 2003, p. 230), propiciando, inclusive, a possibilidade de antecipação de seu cumprimento (art. 46, § 4º).

Por sua vez, a prestação pecuniária atinge plenamente o fim a que se destina, auxiliando na reparação do dano e prevenindo a reincidência, devendo ser considerado que é motivo comum para a prática dos delitos fiscais a obtenção de lucro em detrimento da Fazenda Pública." (ACR nº 2002.04.01.038718-0, Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, julg. em 01/06/2005).

Em face do exposto, voto no sentido de:

1) dar parcial provimento à apelação da acusação, para condenar ANTONIO OLIVEIRA CLARAMUNT nas sanções do art. 22, caput, da Lei nº 7.492/86, à pena final de 02 (dois) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, a ser cumprida no regime inicial aberto, substituída na forma do voto; e

2) dar parcial provimento à apelação da defesa, para absolver o acusado da prática do delito previsto no art. 4º da Lei nº 7.492/86.

Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Penteado

Relator

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