Débito estatal

Estado terá de indenizar família de menor morto na Febem

Autor

26 de setembro de 2006, 13h59

A Febem foi condenada a pagar indenização, por danos morais, no valor de R$ 100 mil a Helena Ferreira dos Santos Araújo, mãe do interno Tiago Araújo. O adolescente foi encontrado morto, em agosto de 2004, na unidade UI-37, do complexo Raposo Tavares, na zona Oeste de São Paulo.

A decisão foi do juiz Rômolo Russo Junior, da 5ª Vara da Fazenda Pública. Cabe recurso ao Tribunal de Justiça de São Paulo. O juiz fundamentou sua decisão afirmando que a condenação tem caráter pedagógico e preventivo. A função é indenizar um mal individual causado por uma ação estatal socialmente legítima. “O processo retrata a grave quadra que a sociedade paulistana enfrenta na custódia dos adolescentes infratores, sendo importante dizer que se trata de um antigo débito estatal com todos nós”, afirmou Russo.

Para o juiz, “mesmo a atividade lícita praticada pelo Estado não o exonera, dentro do regime da responsabilidade objetiva escrita no artigo 37, parágrafo 6º, da Lei Fundamental, de arcar com os danos suportados pelo cidadão, sobretudo porque não se deve perquirir se lícita ou ilícita a ação da administração pública, mas sim se dela adveio prejuízo”.

Lembrou também, citando o autor francês Lambert-Faivre que “a vítima do dano, e não mais o autor do ato ilícito, passa a ser o enfoque central da responsabilidade civil”. E concluiu que “o dano, por esse novo enfoque, deixa de ser apenas contra a vítima para ser contra a própria coletividade, passando a ser um problema de toda a sociedade”

Tiago foi encontrado enforcado no dia 13 de agosto de 2004, dois dias depois de uma rebelião na unidade da Febem, que foi invadida pela tropa de choque da Polícia Militar. A Febem alega que tomou medidas para evitar a morte do adolescente e que, portanto, não há fundamento para ser condenada a indenização por dano moral e que os danos materiais são indevidos porque Tiago não trabalhava.

A Febem foi condenado ainda a pagar, por danos materiais, pensão mensal correspondente a um salário mínimo. Esse valor, de acordo com a sentença, deverá ser pago desde a morte até 2010, quando o adolescente, se estivesse vivo, completaria 24 anos. Depois, o valor será reduzido para um terço do salário mínimo devendo ser pago mensalmente até 2051, data em que o adolescente teria 65 anos.

Leia a íntegra da sentença:

VISTOS Relatório HELENA FERREIRA DOS SANTOS ARAUJO propôs ação indenização em face da FUNDAÇÃO ESTADUAL DO BEM ESTAR DO MENOR e da FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, alegando que é mãe de Tiago de Araújo, falecido aos 12/08/2004, aos 18 anos de idade, quando cumpria medida de semi-liberdade e encontrava-se internado na unidade UI-37 da FEBEM.

Explicita que em 11/08/2004 houve tumulto na referida unidade, com a invasão da tropa de choque da Polícia Militar, seguindo-se agressões e trancamento dos internos em suas celas, sendo certo que em 13/08/2004 o filho da autora foi encontrado morto em seu quarto. Assevera que a unidade apresentada quadro de intensa instabilidade, sendo péssima a situação de tal unidade, o que foi assumido por seu Diretor em audiência no Departamento judicial de execuções da infância e juventude. Esclarece que o procedimento de apuração comprova que Thiago afirmava que não mais suportava tal situação, tendo sido incitado por funcionários da FEBEM ao suicídio, tudo a identificar a responsabilidade do Estado na reparação dos danos decorrentes.

Requer a procedência da ação, a fim de que as rés sejam condenadas no pagamento de pensão mensal no valor de um salário mínimo até a data que o menor completaria 65 anos de idade e danos morais não inferiores a 2000 salários mínimos.

As rés foram citadas e contestaram a ação (fls.113/136).

A Fazenda Pública salienta que é parte ilegítima para a causa e no mérito sustenta que não há prova da falha da administração no dever de custódio. Pondera que deve estar provada a culpa e ressalta que não há prova do dano material. Afirma que não cabe dano moral, posto que o falecido não pode ser considerado modelo (sic-fls. 119). Requer a improcedência da ação.

A FEBEM alega que não há nexo causal entre a morte e a ação ou omissão que lhe é atribuída. Aponta que não há prova das alegações desenvolvidas pela autora e que foram adotadas as medidas necessárias para evitar o fato indesejável. Destaca que não há fundamento para a indenização por danos morais e que os danos materiais são indevidos, posto que o adolescente não laborava. Pede a improcedência da ação, registrando que a autora busca enriquecimento ilícito. Houve réplica (fls. 200/211), seguindo-se a produção de prova documental, cientificando-se as partes (fls. 219/238).

Fundamentação

A matéria controvertida, embora de direito e de fato, não exige maior dilação probatória, posto inútil à solução equilibrada da causa, impondo-se, assim, o julgamento imediato (art.330, I, do CPC).


Da ilegitimidade passiva ad causam da Fazenda Pública Estadual Quando a reparação civil reclamada está atrelada a ação ou omissão decorrente de ato de ente jurídico da administração direta que possui personalidade jurídica e patrimônio próprio, como ocorre no caso dos autos, o dever de reparar não pode ser atribuído à Fazenda Pública Estadual, mas sim, com exclusividade, à respectiva pessoa jurídica de direito público interno.

Esse tema, ademais, não guarda nenhuma dissonância, merecendo citação o V. Acórdão oriundo do Egrégio STJ, por sua absoluta adequação à hipótese em tema, a saber: “1. Responsabilidade Civil da Febem, que, sendo uma fundação com personalidade jurídica e patrimônio próprio, responde pelos atos de seus pressupostos. 2. Menor que, custodiada da Febem, foi atropelada e morta quando distribuía folhetos de propaganda em semáforo de via pública movimentadíssima. 3. Indenização devida à genitora da vítima em valor razoável e compatível com as circunstâncias. 4. Recurso especial provido”( REsp 466291/SP, Relatora Ministra ELIANA CALMON, Data do Julgamento 07/10/2003). Inexorável, portanto, o acolhimento da prejudicial articulada pela Fazenda Pública.

Do suicídio do adolescente custodiado pela FEBEM: a omissão e o nexo causal O processo retrata a grave quadra que a sociedade paulistana enfrenta no terreno da custódia dos adolescentes infratores, sendo importante dizer que se trata de antigo débito estatal com todos nós.

Antes do mais, crave-se que mesmo a atividade lícita, puramente lícita praticada pelo Estado não o exonera, dentro do regime da responsabilidade objetiva escrita no artigo 37, § 6º, da Lei Fundamental, e arcar com os danos suportados pelo cidadão, sobretudo porque não se deve perquirir se lícita ou ilícita a ação da administração pública, mas sim se dela adveio prejuízo imediatamente e exclusivamente resultante desse agir.

Cuida-se, em linhas gerais, da conseqüente revolução do pensamento jurídico voltado à socialização dos riscos ou prejuízos causados pelo ato estatal, de maneira que o foco central passa a ser o dano sofrido pela vítima, independentemente da licitude ou ilicitude da ação da administração pública, colocando-se toda a sociedade civil com indiretamente atingida pela lesão.

O tratamento legal volta-se, portanto, especificamente para o dano, cabendo apenas o exame do nexo causal, pontuando-se exclusiva e objetivamente a reparação coletiva, marca da responsabilidade objetiva escrita no artigo 37, § 6º, da Lei Fundamental. SERGIO CAVALIERI FILHO, nesse ponto, demonstra que, in verbis:

“Nas últimas décadas vem-se acentuando, cada vez mais forte, um movimento no sentido da socialização dos riscos…É o que, em doutrina, se denomina de reparação coletiva, indenização autônoma ou social. A vítima do dano, e não mais o autor do ato ilícito, passa a ser o enfoque central da responsabilidade civil. Em outras palavras, a responsabilidade, antes centrada no sujeito responsável, volta-se para a vítima e a reparação do dano por ela sofrido; “de uma responsabilidade evoluiu-se para um crédito de indenização” (Lambert-Faivre, Revue Trimestriellle de Droit Civil, 1987, p. 1). O dano, por esse novo enfoque, deixa de ser apenas contra a vítima para ser contra a própria coletividade, passando a ser um problema de toda a sociedade” (Programa de Responsabilidade Civil, Malheiros Editores, 4ª ed., pág. 156, g.n.).

É a causa da indenização social. Promove-se o bem do cidadão contra danos causados por ações estatais que impliquem em sacrifício de um bem ou valor daquele. É o sistema de segurança social, o qual, aliás, remonta ao pós-guerra. A conduta lícita da administração pública não elimina, repita-se, o ônus de indenizar aquele que suporta os efeitos nocivos de tal agir.

A esse propósito, o eminente YUSSEF SAID CAHALI pondera que, in verbis: ”A causa geradora do dano poderá ser representada por uma atividade lícita, normal, da Administração Pública, como por um ato anormal, ilícito de seus agentes: para a determinação da responsabilidade civil do Estado, reclama-se, porém a existência de um nexo causal entre o dano e a atividade ou omissão da Administração Pública, ou de seu nexo com o ato do funcionário, ainda que lícito, ainda que regular. Estabelecendo o liame causal, a decorrência do dano à causa da atividade ou omissão da Administração Pública, ou de seus funcionários, e surge daí o dever de indenizar”(ob.cit., pág. 370, g.n.).

Por tal inteligência, o Colendo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, já fixara que, in verbis: “A consideração no sentido da licitude da ação administrativa é irrelevante, pois o que interessa, é isto: sofrendo o particular um prejuízo, em razão da atuação estatal, regular ou irregular, no interesse da coletividade, é devida a indenização, que se assenta no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais” (RE 113587/SP, Relator Ministro CARLOS VELLOSO).


Em igualdade, o eminente Ministro CELSO DE MELLO, escreve que, in verbis: “A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público.

Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 – RTJ 71/99 – RTJ 91/377 – RTJ 99/1155 – RTJ 131/417).” (RE 109.615, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 02/08/96).

Por essa lente, fixe-se que o dever de reparar não vem como conseqüência, ou resposta da ação ilícita, como é comum, não tendo, assim, feição punitiva. Possui, em verdade, conotação de compartilhamento do ônus de viver em sociedade organizada. Tem caráter pedagógico e preventivo e indeniza o mal individual causado por uma ação estatal socialmente legítima. Tem ainda um expressão de servir de exemplo (exemplary or punitive damages, cf. AI 455.846, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ 21/10/04). A sociedade partilha – nós todos dividimos -, o dano moral-material suportado pelo menor Henrique ao adquirir a atrofia cerebral pós-vacinal em razão da aplicação da vacina tríplice, evitando, por conseguinte, que o prejuízo permaneça indene. É a resposta de justiça social (art. 3º,I, CF) e da responsabilidade objetiva do artigo 37, § 6º, da CF. É ainda a invocação da igualdade relativa na repartição dos encargos sociais, a qual não indica nenhum absolutismo do risco administrativo, não convertendo-o em teoria do risco integral, como alguns poderiam querer entender, o que, por isso, fica desde logo ressalvado. Calcadas essas premissas, as quais, na peculiaridade dos autos já seriam suficientes para o sucesso da ação, vez que a licitude da custódia, assim, não impede a obrigação de indenizar os danos experimentados, sobretudo àqueles decorrentes de morte tão infeliz, percorrer-se-á a análise da responsabilidade civil subjetiva.

Fixada essa observação, crave-se que a hipótese então seria de responsabilidade civil subjetiva, conforme ensina CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO , posto que a omissão da FEBEM, além de grave e latente, deslocaria a responsabilidade da fundação criada pela Lei Estadual nº. 185, de 12.12.1973, para o campo subjetivo. Ainda assim, fixe-se que o balanço da prova documental revela Thiago de Araújo (preso por porte de arma) cumpria medida de semiliberdade por tempo indeterminado, e em 12/08/2004, por volta das 23h00, “foi encontrado enforcado em seu dormitório” (sic-fls.53), sendo essa a única causa de sua morte (cf. laudo – fls. 62 verso).

Nessa linha, a prova documental também comprova de forma irrefutável a falta de cuidado objetivo do FEBEM. Com efeito, consoante o retrato do depoimento do próprio Diretor da Unidade à época da trágica ocorrência, destaca-se a ausência de acompanhamento técnico sério e profissional (existia simples tarefa superficial e realizada através da grade, sem individualização, como era minimamente exigível), confirmando-se que Thiago encontrava-se deprimido e já tendo manifestado a intenção de se matar (cf. fls. 69). Igualmente sintomáticas são as declarações do servidor da FEBEM (fls. 90/93), assim como de outros internos (fls. 94/100), tudo em triste harmonia com o concreto descaso e falta de compromisso social diante da gravíssima situação então reinante, adjetivando-a a culpa in vigilando da aludida fundação pública. Por dentro de tal campo probante, considere-se que nem mesmo a notória circunstância de que a FEBEM-Tatuapé poderia ser considerada um “Palco de Horrores” (fls. 65), tal não induz resultante jurídica diversa. Ao contrário. Tem a força moral e jurídica de elevar sobremaneira a responsabilidade da FEBEM. Nada, mas nada mesmo, permite conclusão diversa. É a realidade.

Outrossim, conforme trecho do voto do eminente Desembargador SIDNEI BENETI “o preso entra vivo e tem de sair vivo. Havendo a morte do preso, responsável é o /estado, porque terá havido falha do serviço público prisional, imputável aos agentes públicos, donde o surgimento do dever de indenizar…”(Apelação Cível nº. 76.924-5/6).


Assim sendo, a relação de causa e efeito entre a morte de Thiago e a incúria da FEBEM é viva, concreta, indesculpável e sublinha o caos que explode em verificar que lá não se vela pelo “bem estar” de menores e adolescentes, como era seu fim legal! Do preço da dor moral “pretium doloris”: a aspereza da justa fixação. O dano de sofrimento está no centro da dor moral. É um dano não-patrimonial. Não é um dano negativo. É não-patrimonial por não ter um valor econômico certo, ou melhor, pela impossibilidade humana de fixá-lo com absoluta precisão. Não se exige a prova do prejuízo. Não se reclama a prova da dor sofrida pelos pais de Henrique, a qual é inseparável à natureza humana.

Nesse ponto, o Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, dentre outros precedentes, reconhece que, in verbis: “o dano é considerado in re ipsa, isto é, não se faz necessária à prova do prejuízo, que é presumido e decorre do próprio fato e da experiência comum. Inexistindo critérios determinados e fixos para a quantificação do dano moral, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, atendendo às peculiaridades do caso concreto, o que, na espécie, ocorreu, não se distanciando o quantum arbitrado da razoabilidade” (REsp 640196 / PR, Relator Ministro CASTRO FILHO, g.n.).

Por essa lente, o equilíbrio comanda o raciocínio no sentido de que não há plausibilidade na imposição da prova da dor da alma da mãe, como Helena, que vê o filho suicida enforcado em cela da FEBEM. A reação interna que ativa a dor à personalidade da mãe é imediata; marca-a para o sempre. É eterna e interna e não sugere pesquisa de nenhuma envergadura. O sofrimento – permanente – é interior, abala a alma, incomoda o acordar, deságua no espírito, gera angústia, decepção, aflição, perda do ponto de referência, vácuo, padecimento, dor e causa a cólera da impotência e do abismo. Nada mais precisa ser escrito.

Antes do arbitramento, contudo, crave-se que nenhuma quantia pode restaurar esse maltrato, fixo ultraje. Inexiste uma compensação capaz de ser transcrita em moeda. Não tem preço, por mais elevado que seja. É irreparável. Mesmo assim, o reparo moral tem sua função: compensar o incompensável, sem perder de vista o caráter de justiça social dele inerente.

De qualquer modo, o Direito evoluiu. No passado, opiniões respeitáveis como as dos eminentes GABBA, LAFAIETE e LACERDA DE ALMEIDA, dentre outros, representavam a corrente dos opositores da reparação do dano moral, como mostra CHRISTINO ALMEIDA DO VALLE (Dano Moral, AIDE Editora, 1999, pág. 18), embora a partir dos ensinamentos de CARVALHO DE MENDONÇA, TEIXEIRA DE FREITAS, AGUIAR DIAS, CLÓVIS, PONTES DE MIRANDA, PEDRO LESSA e OROZIMBO NONATO (ob. cit, pág. 23), sabendo-se que a reparação dos danos morais nunca foi negada pelos romanos, levantando-se a actio injuriarum aestimatoria (ob. cit, págs. 31/32), começava-se a conquistar a possibilidade de indenizá-lo, restaurando-se o equívoco daquelas primeiras exegeses. PEDRO LESSA, aliás, dizia que o dinheiro pode compensar o dano moral. Contudo, não há compensação completa, como seria ideal (ob. cit, pág. 74), porque a “dor retira a normalidade da vida, para pior”, completa PONTES DE MIRANDA (Tratado de Direito Privado, RT, 3ª ed., 1984, T. XXVI, pág. 32, n. 2). Hoje, com a evolução do pensamento jurídico, é rica a doutrina moderna em lecionar sua indenizabilidade, mormente a partir da Constituição Federal de 1.988.

Ilustres doutrinadores, entre os quais CARLOS ALBERTO BITTAR (Reparação Civil por Danos Morais, 3ª ed.), ANTONIO JEOVA SANTOS (Dano moral Indenizável, LEJUR, 2ª, ed., 1999, pág. 234), YUSSEF SAID CAHALI (Dano Moral, RT, 2ª ed., 4ª tiragem), HUMBERTO THEODORO JR. (Dano Moral, Ed. Juarez de Oliveira, 3ª ed., 2000), CLAYTON REIS (Avaliação do Dano Moral, Ed. Forense, 2ª ed., 1999) e ARTUR OSCAR DE OLIVEIRA DEDA (A Reparação dos Danos Morais, Ed. Saraiva 2000), descortinam o grau e a importância de indenizar o dano extrapatrimonial. CLAYTON REIS, Professor e Magistrado no Paraná, em desenvolvimento hermenêutico sensato, ilumina que, in verbis: “Trata-se de uma lesão que atinge os valores físicos e espirituais, a honra, nossas ideologias, a paz íntima, a vida nos seus múltiplos aspectos, a personalidade da pessoa, enfim, aquela que afeta de forma profunda não os bens patrimoniais, mas que causa fissura no âmago do ser, perturbando-lhe a paz de que todos nós necessitamos para nos conduzir de forma equilibrada nos tortuosos caminhos da existência“ (ob. cit, pág. 205), impondo-se a compensação a vitima atingida pela ofensa não patrimonial, a qual representa “uma maneira de penalizar o ofensor para o fim de dissuadi-lo ao cometimento de novas ações lesivas ao interesse individual e social” (ob. cit, pág. 205).

Nesse horizonte, no entanto, ainda não atingimos um estágio da madureza do reparo moral, na quadra pertinente à exata fixação do justo valor indenizatório (havendo certa vulgarização, inclusive, posto que nem tudo gera dano moral como querem alguns), o que dificulta – sobremaneira – o encontro de uma soma adequada para atenuar o prejuízo moral. Tal tarefa, contudo, precisa ser vencida.


O quantum, segundo a opinião quase unânime, deve servir como desestímulo a novas agressões, representando uma séria advertência ao autor da ação lesiva, devendo refletir em seu patrimônio e potencialidade, não podendo ser tão elevado que possa gerar o descanso do enriquecimento repentino, mas também não pode ser simplesmente simbólico que seja estímulo e adubo da zombaria e do descrédito das decisões judiciais. Esse simbolismo, data venia das autorizadas vozes em sentido contrário, contamina o próprio fim e utilidade do processo, devendo ser evitado com argúcia e sabedoria, ainda que se perceba – em casos outros -, a já denominada indústria do dano moral (RT 757/298), com o anúncio de indenizações milionárias, como aquela de US$ 34.000.000,00 (cf, WLADIMIR VALLER, Dano à pessoa e sua indenização, RT, 1994, pág. 257).

Note-se, antes de prosseguir, que não salta do processo a imagem de que a autora persegue dinheiro, por dinheiro, nem tampouco que almeja vingança, desforra, ou enriquecer-se à custa da FEBEM. YUSSEF SAID CAHALI, em palavras muito oportunas, traz a citação de um V. Acórdão do TARS, a bem de considerar que “a indenização por dano moral não tem caráter unicamente indenizatório, mas também possui caráter pedagógico, ao servir de freio para que atos culpáveis como o da ré não volte a se repetir” (ob. cit, pág. 177). O arbitramento do dano moral, por tudo isto, depende das particularidades de cada caso concreto, de modo a permitir a adoção de um critério próprio do julgador, pondera, com autoridade, o eminente Ministro BARROS MONTEIRO (Ag. 208837/RJ).

A marca do subjetivismo, que às vezes leva a comparações paradoxais, é a linha mestra. Deve ser evitada, contudo, a loteria jurídica. Far-se-á, por isso, uma pequena comparação entre alguns V. Julgados. Com efeito, o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento de dano moral por discriminação de uma jovem, portadora de AIDS, por uma pessoa jurídica, com menos de trinta anos de idade, arbitrou indenização no valor de 2.000 salários mínimos (hoje cerca de R$ 600.000,00 – Ap. cível 85.534-4/3-00, 9ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador THYRSO SILVA).

Sem perder de conta, o extinto Primeiro Tribunal de Alçada (Emb. Infringentes nº. 754.692/1, Relator o eminente Juiz J.B. FRANCO DE GODOI), nas hipóteses da inclusão do nome de um Professor e Magistrado no rol dos devedores do SERASA e na lista do BACEN, pela emissão de cheque sem fundos, cuja talonário tinha sido objeto de furto nas dependências de uma agência bancária, arbitrara a indenização por dano moral na quantia que representar 1.000 salários mínimos. Têm-se como os operadores do direito sabem vários precedentes interessantes.

Registrem-se, por exemplo: a)- a condenação na quantia de R$ 20.000,00, por ato ilícito que gerou a amputação do pé esquerdo de um menor (RT 748/385); b)- a morte de presidiário ocasionada por outro detento (500 salários mínimos, RT 753/157); c)- a interrupção de uma gravidez (200 salários mínimos – RT 759/349); d)- a ofensa injusta à honra, decorrente da acusação infundada de furto (400 salários mínimos – RT 734/468); e)- a morte de uma mãe vítima de acidente de trânsito (1.250 salários mínimos, RT 769/365); f)- o envio de cartão de crédito sem solicitação, com o registro indevido no SPC (100 salários mínimos – RT 747/221); g)- infecção contraída por paciente em hospital (quatro vezes o valor do custo da indenização a título de danos patrimoniais – JTJ, Lex, 162/68).

Nos últimos cinco anos, tem-se a morte de menor atingido na cabeça por bomba de fabricação caseira quando assistia à partida de futebol comemorativa do aniversário da cidade (250 salários mínimo, RT 821/219); morte de portador de doença mental (300 salários mínimo, STJ, RT 836/151); preso condenado por estupro que tem autorização para sair da prisão e volta a delinqüir de maneira específica (100 salários mínimo, RT 823/203); erro médico com lesão cerebral (R$ 50.000,00, STJ, RT 842/143) e a morte de presidiários no ambiente do presídio (500, 400, 300 e 100 salários mínimos) e tantos outros casos, tudo a mostrar, sem maioria, o quão árida é a busca de um justo e equânime montante indenizatório.

A par disso e já demonstrada a falta de uniformidade no encontro do correto valor, sem perder da fronte a necessidade de um julgamento exemplar, mas também pedagógico e evitando-se desmoralizar um instituto de tamanha vanguarda, aplicando-se a teoria do “punitive damages”, e procurando consagrar a importância do valor moral, “que se deve proteger tanto quanto, se não mais do que os bens materiais e interesses que a lei protege” (RT 761/335), tratando-se de dano à personalidade de mãe de adolescente falecido em decorrência suicídio praticado no interior de cela da FEBEM, aos dezoito anos de idade, com duro sofrimento diário, havendo perfeita causalidade e não existindo nenhuma concausa concorrente, sendo viva a dor interna dele decorrente, fixo a indenização pelo dano moral na quantia de R$ 100.000,00, a qual equivale, neste momento, a aproximadamente 300 salários mínimos regionais, importância capaz de traduzir alguma compensação pela infelicidade enfrentada por sua mãe, a qual se ajusta com os recentes julgados do Egrégio STJ (RESP 183508-RJ (RSTJ 158/354, RT 814/167),RESP 196424-RS (RJADCOAS 23/72, RJTJRS 215/33), EDcl no AgRg no RESP 324130-DF, AgRg no AG 430505-GO, RESP 412644-SP, RESP 341704-RJ)

Quanto aos danos materiais A jurisprudência está sedimentada no sentido de fixar o cabimento da pensão mensal a título de dano material por força perda de filho que não trabalha, especialmente porque o filho válido representa, ainda que em linha potencial, patrimônio vivo de auxílio à família, estabelecendo-se essa no valor de um salário mínimo até a data em que a vítima completaria 24 anos e, a partir daí, reduzindo-a em 2/3, até a idade provável da vítima, 65 anos. Além disso, essa dicção afina-se com o artigo 948, II, do Código Civil Nesse sentido, dentro outros, REsp 674.586/SC, Rel. Min. LUIZ FUX; REsp 466969 / RN ; Relator Ministro LUIZ FUX; RESP 507120/CE, Relatora Ministra Eliana Calmon; RESP 514384-CE (RT 828/178).

Justa, portanto, a procedência parcial da ação.

Dispositivo Em harmonia com o exposto, JULGO PROCEDENTE a ação para condenar a FUNDAÇÃO ESTADUAL DO BEM ESTAR DO MENOR a pagar à autora, a título de dano moral, a quantia de R$ 100.000,00 (aproximadamente 300 salários mínimos), incidindo a correção monetária desde o evento (Súmula 54 do STJ) e juros moratórios na forma do seu art. 406 do CC. Condeno-a ainda a pagar, à guisa de dano material, a pensão mensal, desde a data do óbito, na quantia que representar um salário mínimo, a qual perdurará até que o falecido alcançasse 24 anos de idade, quando, automaticamente, ficará reduzida em 1/3, prosseguindo-se até a idade provável, ora estimada em 65 anos de vida. Inaplicável o art. 602, caput, do CPC, posto que os entes públicos estão dispensados da constituição de capital para garantir o resgate de pensões.

JULGO EXTINTO O PROCESSO, sem exame de mérito, em relação a Fazenda Pública Estadual do Estado de São Paulo, na forma do art. 267, VI, do CPC, arcando a vencida com as custas e verba honorária, a qual arbitro na quantia de R$ 1.000,00 (art. 20,§ 4º, do CPC), ficando declarada a suspensão de sua executoriedade, na forma do art. 11, § 2º, da Lei Federal nº.1060/50. Por força do princípio da sucumbência, sendo substancial a perda (art. 21, caput do CPC), arcará a FEBEM com trinta por cento das custas e verba honorária, a qual arbitro em 15% sobre o total que restar apurado (Súmula 14 do STJ), arcando a autora com o percentual de 70%, uma vez que postulara 1.000 salários mínimos a título de dano moral, anotada a mesma ressalva de inexigibilidade. Processados os recursos voluntários ou não, remetam-se ao Egrégio Tribunal de Justiça, a bem do reexame necessário. Oportunamente, observar-se-á o art. 730 do CPC.

P.R.I.

São Paulo, 19 de setembro de 2.006.

RÔMOLO RUSSO JUNIOR

Juiz de Direito

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!