Trem de pouso

A quem interessa o limbo jurídico da Varig?

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  • Cláudio Magnavita

    é presidente nacional da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo membro do Conselho Nacional de Turismo e diretor do Jornal de Turismo.

24 de setembro de 2006, 2h25

Ao longo da sua história recente a Varig tem ficado presa em uma rede de paradoxos que dificilmente obedece à racionalidade. O poder concedente, leia-se governo federal, defendeu até o último minuto que a solução para a crise da empresa deveria vir de uma solução de mercado.

Passou a ser a única saída possível e ela acabou acontecendo, para surpresa de muitos que apostavam na falência. O preço pago foi grande: venda das empresas coligadas, demissões, colapso operacional, mas a marca Varig se manteve no ar e já começa a mostrar a sua musculatura.

É só ver o que acontece na ligação entre Congonhas e o Santos Dumont. A ponte-aérea está com alto índice de aproveitamento, todos os guichês estão sendo ocupados por despachantes da empresa — nas últimas semanas mais de 30 demitidos foram reincorporados, o serviço de bordo é novo, há vôos de conexões para Brasília, Curitiba e Porto Alegre e, o que é mais importante, os passageiros voltaram à bordo. Na ponte, a empresa já é a segunda em market share.

O primeiro paradoxo se forma exatamente por este cenário. É só questionar qual a contrapartida o investidor, que acreditou nas regras de mercado e na seriedade do poder concedente brasileiro — que tanto defendeu esta solução — está vivenciando no seu dia a dia.

Quem acreditou na seriedade e transparência do poder concedente está levando uma sova, literalmente apanhando, para se manter vivo. Descobriu-se mergulhado num mar de burocracia que retarda a concessão das licenças mínimas de operação. São impasses que atravancam o processo com protelamentos que levam o poder concedente, em nome da “necessidade nacional”, redistribuir ativos fundamentais para a empresa voltar a ter o tamanho que tinha. Presa no limbo burocrático, a Varig assiste à farra das concorrentes, que como piranhas sedentas, devoram a sua carcaça de slots e rotas.

Os embates jurídicos seriam desnecessários se a corda não fosse por demais esticada e se os prazos tivessem sido obedecidos. Esta corrida contra o relógio gera um fluxo extra de investimento. Já foram colocados mais de U$ 96 milhões, mas 14 aviões estão parados no pátio do Galeão esperando autorização para começar a voar. São quase 3 mil empregos congelados. Se estivesse em operação plena a companhia já teria contratado 5 mil funcionários.

A falta de concorrência elevou as tarifas. O interesse nacional deveria passar pela geração de emprego e por salvaguardar o bolso do consumidor final, o passageiro.

Neste cenário de paradoxos, temos a estréia da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), que nasceu já administrando a crise da Varig. A agência participou de todo o processo e ajudou a desenhar o quadro que serviu de modelo ao leilão. O nível de entendimento do presidente da Agência, Milton Zuanazzi, com o juiz José Roberto Ayoub, responsável pelo processo de recuperação judicial, sempre foi do mais alto nível. Os embates posteriores entre a Justiça do Rio e a Agência não tiveram essa mesma qualidade.

Na Justiça do Rio, o processo da Varig é gerido por um colegiado de juízes. A Anac também é gerida em colegiado, o que nos dois casos colocam outras pessoas em cena. Na Anac os debates, quando envolvem a Varig, estão cada vez mais calorosos. O mandato outorgado aos diretores lhes dá uma autonomia de vôo, muitas vezes sem limites, na defesa dos seus pontos de vista.

Zuanazzi está tendo de utilizar toda a sua experiência em gerenciar situações de alta tensão para manter o equilíbrio na Agência. As veemências exacerbadas assustam num primeiro momento, mas possuem a característica de autocombustão. Já a parcimônia, característica marcante do presidente da Anac, garante um vôo de longo curso e tranqüilo. Basta ter estômago e a compreensão de todos os atores.

Mas tudo tem um limite e no mercado já começa a se perceber uma perigosa animosidade gerada por um idealismo confuso, de certa forma hostil e agressivo. Preservado da autoria desses excessos, Milton Zuanazzi tem como missão zelar para que a Anac não tenha a sua imagem arranhada no caso da Varig.

Os sinais externos são tão fortes que a presidente do Sindicato dos Aeronautas, Grazziela Baggio, amiga pessoal do presidente Lula e do ministro do Trabalho Luiz Marinho e que colocou o Sindicato como o maior defensor histórico da preservação dos empregos da Varig, já veio a público protestar contra os entraves que ameaçam congelar a companhia aérea no limbo jurídico e ameaçar os empregos que foram arduamente mantidos e os novos que estão sendo gerados. São 5 mil empregos diretos e some-se a isso a legião de funcionários das empresas de manutenção e de serviços aeroportuários.

A concorrência está rindo à toa, afinal só as duas maiores empresas do mercado detêm 93% do mercado. Nunca isso ocorreu na história da aviação comercial brasileira. A intensidade das forças que tentam manter a Varig no chão já começa a ser percebida externamente. Os limites do aceitável não existem mais. As indignações da presidente do Sindicato dos Aeronautas deverão ser seguidas por outras entidades que acreditam que o renascimento da Varig, já de imediato com 35 aeronaves, vai trazer o equilíbrio que o mercado perdeu. A operação da ponte-aérea é uma demonstração desta vitalidade que surpreendeu os concorrentes. Toda a cadeia produtiva do turismo quer de volta um mercado equilibrado e estará disposta a colocar a boca no trombone e berrar: o que realmente está acontecendo?

A sociedade brasileira quer transparência absoluta e o interesse nacional deve ser preservado observando-se, principalmente, as regras que levaram os investidores a confiar no Brasil e na sua normalidade moral e jurídica.

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