Legislação no mundo

Inércia legislativa prejudica negociações internacionais

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24 de setembro de 2006, 7h00

A economia mundial sofreu modificações profundas a partir da segunda metade do século XVIII, quando se iniciou, na Grã-Bretanha, a Revolução Industrial. Estreitamente relacionada ao desenvolvimento do gigantesco sistema capitalista, a industrialização se estendeu por inúmeros países e determinou o surgimento de uma nova forma de movimentação econômica além dos territórios nacionais. Houve uma rápida, vasta e intensa urbanização das regiões industriais em relação às rurais e o incremento do comércio interno e, principalmente, do internacional.

A partir desta época, o mundo tem se integrado intensamente em blocos econômicos com o intuito principal de abrandar tarifas alfandegárias, aumentando, assim, de forma expressiva, as relações mercantis. O objetivo a priori desse aglomerado mercantil é aumentar as relações comerciais entre os membros. Dentre outros, podemos destacar a União Européia, o Mercosul, a Comecom, o Nafta, o Pacto Andino e a Apec. Estes blocos se fortalecem cada vez mais e já se relacionam entre si. Desta forma, cada país, ao fazer parte de um bloco econômico, consegue mais força nas relações comerciais internacionais.

Com o passar do tempo, as nações quebram as barreiras nacionais e se aventuram em negócios por todo o globo terrestre. Inúmeros contratos são celebrados diariamente, nos âmbitos nacionais e internacionais. Desconhecer essa realidade é alienar-se do mundo dos fatos e do mundo jurídico pré-existente.

O comércio vem sendo, por meio de séculos, um fenômeno impulsionador da evolução cultural humana, posto que os diversos povos que exercem a atividade negocial internacional beneficiam-se do processo de aculturação que o mesmo proporciona. Isso contribui sobremaneira para a assimilação de conhecimentos diversos, não só restritos às técnicas comerciais, mas também de natureza econômica, política, científica e social, gerando uma forma de universalização do conhecimento humano (Melo, 1999:16).

Da mesma forma, em virtude da crescente complexidade das recentes relações do comércio, houve um significativo impulso na produção legislativa por parte dos países emergentes, ocasionando uma extrema diversificação jurídica interna, sempre almejando o aumento do fluxo cambial. Assim, os operadores do direito foram obrigados a se adequar ao atual fenômeno mercantil, buscando meios alternativos para assegurar bilateralmente as condições pré-estabelecidas entre as partes contratantes nos contratos de natureza internacional.

Com o passar do tempo, o demasiado avanço tecnológico, por meio dos meios de comunicação, aumentaram o contato e a transferência de informações com maior facilidade. Esse processo constante deu ensejo ao fenômeno da globalização, conceituando-se como um processo econômico e social que estabelece uma integração entre os países e as pessoas do mundo todo, deixando, assim, as distâncias cada vez mais curtas, facilitando o comércio internacional e criando novas alternativas jurídicas para fazer frente às alterações na economia interna e internacional.

Na época contemporânea, caracterizada principalmente pela revolução industrial, o desenvolvimento do comércio internacional, em todas as suas formas, a multiplicação e celeridade dos meios de transporte, o incessante intercâmbio de mercadorias e serviços é fato notório com campo extremamente promissor.

Nos dias atuais, a atividade comercial atual transcende as fronteiras internacionais e acarreta a interdependência econômica: esse fenômeno percebe-se não somente nos países em que predomina o sistema de economia de consumo, como também nos de economia planificada. Matérias-primas, componentes e produtos são exportados de forma intermitente, e simultaneamente são exportados equipamentos, máquinas e mesmo mão-de-obra. Esta corrente incessante de ingresso e saída de mercadorias e serviços tem que se pautar em acordos e contratos que reciprocamente obtenham certa segurança jurídica entre os contratantes. Paulatinamente vai sendo tecida uma rede cada vez mais intrincada (Strenger, 2003:34).

Observa-se, por conseguinte, que o processo de globalização e o conseqüente surgimento de uma nova ordem econômica mundial não é algo que possa ser delimitado objetivamente em um determinado espaço de tempo. Analisando-se historicamente, percebe-se que na realidade sempre houve um movimento evolutivo da atividade negocial internacional. Todavia, jamais nas atuais proporções, seja no âmbito econômico, cultural ou político, com tamanha rapidez e com conseqüências tão visíveis tanto no tocante ao direito interno, quanto ao direito internacional.

Desta forma, empresas multinacionais dificilmente fortalecerão somente em um país. Grandes investimentos são feitos com o fim de invadir fronteiras, quebrar barreiras alfandegárias, sempre buscando o lucro.

Nesse contexto, o valor do Direito Internacional Privado não representa somente o respeito positivo ao direito estrangeiro. Significa, isto sim, uma interação de um imenso sistema legislativo, jurisprudencial, doutrinário e de convenções que, no direito de cada Estado, tem servido para eleger e se fazer cumprir a aplicação do direito a cada caso estudado que apresente elementos de conexão, como, por exemplo, leis diversificadas para a mesma relação jurídica.

O comércio internacional, de um lado, e, de outro, a diversidade das leis entre os Estados são o fundamento lógico e social deste ramo tão interessante e árduo do direito, a que se assentou em dar o nome, sem dúvida bem apropriado, de internacional privado, e que consiste no conjunto das relações de ordem privada da sociedade internacional (Bevilaqua, 2002:7).

Para a majestosa diferença de normas no mundo há explicações e razões. A mais lógica resulta da ampla e vasta diversidade das diferenças étnicas, históricas, cósmicas, econômicas, políticas, próprias de cada região e povo, construídas durante séculos. Não obstante tanta diversificação, tem-se ainda que considerar a independência e soberania dos Estados, cuja atividade legislativa se desenvolve não somente ao impulso das atividades e necessidades atuais do país, como também na orientação de seus legisladores e estadistas em relação ao ambiente exterior. Assim, pode-se dizer que a constante diversidade das leis e a soberania dos Estados pode ser considerada a causa da existência do direito internacional privado.

Como existem atualmente mais de 190 Estados soberanos, possuindo cada um suas ordens jurídicas próprias das quais fazem parte o direito privado, a mobilidade crescente da população e das relações comerciais entre os povos vem tornando gradualmente cada vez mais comum os casos de lides internacionais. Com isso, o estudo do Direito Internacional Privado vem atingindo um volume crescente de interesse e importância (Garcez, 2003:8).

A colisão acontece quando um direito local entra em choque com outro direito local sobre a mesma matéria, necessitando assim de uma solução dinâmica. O Direito Internacional Privado cria suas próprias regras, que se transformam em soluções capazes de resolver esses conflitos, valendo-se de instrumentos como a autonomia da vontade, a lex mercatoria, as convenções internacionais, entre outros.

Em virtude deste fenômeno de transição estável dos povos, a repercussão na ordem jurídica era uma conseqüência óbvia. Hoje, as relações comerciais entre essas nações se desenvolveram em grande escala, exigindo dos legisladores uma solução rápida e eficaz para os litígios envolvendo nações diferenciadas com leis específicas e seguras.

Assim, é nesse problemático e atual tema que o Direito Internacional Privado vem desempenhando um papel extremamente relevante, uma vez que cabe a esse ramo do direito identificar a lei a ser aplicada para solucionar os conflitos provenientes dessas relações internacionais.

O Direito Internacional Privado procura determinar, por meio de um complexo de leis, qual o direito a ser aplicado, tendo em vista as relações que mantém com o direito civil, mas que tenham referências internacionais com a finalidade de dirimir os litígios entre normas objetivas.

Atualmente, devido a nossa lerdaça produção do Poder Legislativo, as normas para regular estes atos não condizem com a sua atual importância e magnitude do tema.

Prestigiam-se as constantes tentativas de uniformização de normas do direito internacional privado, mas, certamente, se está longe de uma área de tranqüilidade, pois a cada ano que passa inúmeras transações comerciais florescem, ficando o direito impossibilitado de regê-los. Para guiar a norma aplicável internacionalmente, em regra, tem-se apenas a Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (Decreto-Lei 4.657, de 4 de Setembro de 1942).

No seu artigo 9º e respectivos parágrafos, que é considerada a maior fonte do Direito Internacional Privado, mesmo sendo criada em 1942, ou seja, quase 65 anos atrás, já não condizem com a verdadeira realidade global, direcionando, assim, a responsabilidade de sua interpretação e aplicação aos magistrados, aumentando, assim, o poder das partes em torno do princípio da autonomia da vontade.

Tal relevante princípio do tema em tela, muito usado nos contratos do comércio, objetiva alcançar certeza e segurança nas relações internacionais, buscando antecipadamente definir por critérios legais a escolha da lei aplicável à pretensão manifestada em virtude da mera deficiência normativa.

A idéia da autonomia da vontade está estritamente ligada ao livre arbítrio, dirigido pelo próprio indivíduo no ato jurídico, sem interferências externas, demonstrando a real pretensão das partes. Tal liberdade confere às partes o poder de contratar mesmo fora de qualquer lei, provocando a emergência de um novo princípio, cuja aplicação, ao menos em arbitragens internacionais, poderia escapar a uma lei estatal determinada e, conseqüentemente, ser regulado por normas jurídicas extra-estatais como a lex mercatoria ou o Direito Internacional Público (Araujo, 2004:22).

É cada vez mais notória a necessidade de efetuarem-se substanciais modificações no artigo 9º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, para, afinal, adotar-se a autonomia da vontade como princípio determinador da lei aplicável às obrigações internacionais.

Em suma, indubitavelmente, está-se diante de umas das mais conturbadas e obscuras matérias dentro do Direito. Contudo, a inércia legislativa sobre a matéria acarretará a diminuição do fluxo das negociações estrangeiras, pois a confiança e o prestígio jurídico poderão ser consideravelmente abalados, refletindo, obviamente, na economia estatal, pois o direito internacional está diretamente ligado às práticas mercantis muito além das fronteiras nacionais. Necessitamos, sim, de normas vigentes que realmente enfrentem a realidade jurídica atual, pois países de alto potencial importador não se sujeitarão mais a leis, normas da Era Vargas.

Bibliografia

– ARAÚJO, Nadia de. Contratos Internacionais: autonomia da Vontade, Mercosul e convenções internacionais. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 22;

– BEVILAQUA, Clovis. Princípios Elementares de Direito Internacional Privado. Campinas: Red Livros, 2002, p.7;

– GARCEZ, José Maria Rossani. Curso de direito internacional privado. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 8;

– MELO, Jairo Silva. Contratos Internacionais e cláusulas Hard Ship. São Paulo: Aduaneiras, 1999, p. 16;

– STRENGER, Irineu. Contratos Internacionais do comércio. 4. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 344.

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