Conflito privado

Liminar contra concessionária só é suspensa se ofender público

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22 de setembro de 2006, 11h24

Pessoas jurídicas de direito privado só têm legitimidade para pedir suspensão de liminar quando estão em defesa do interesse público. O entendimento é do presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Raphael de Barros Monteiro. Na decisão, ele rejeitou o pedido de suspensão de liminar feito pela Colce — Companhia Energética do Ceará contra a Pearce Indústria e Comércio de Máquinas.

A Pearce moveu ação contra a Coelce para suspender da cobrança das faturas de energia elétrica referente ao período de junho de 2000 a abril de 2001. A Pearce alegou que os valores cobrados eram incompatíveis com a sua média de consumo. A empresa também pediu a exclusão do seu nome dos órgãos de restrição ao crédito, já que os valores eram discutidos na Justiça.

Em primeira instância, o pedido da empresa foi acolhido. A Coelce recorreu ao Tribunal de Justiça do Ceará. Alegou grave lesão à ordem econômica. O TJ rejeitou o recurso, porque entendeu que faltaram os pressupostos necessários à “adoção da drástica medida de suspensão”.

No STJ, a Coelce argumentou que a liminar causa prejuízo irreparável à ordem econômica, já que obriga o fornecimento de energia independentemente do pagamento de tarifa e por tempo indeterminado. “A impossibilidade de suspensão do fornecimento de energia elétrica representa verdadeiro estímulo à inadimplência e disso decorrerá grave lesão à ordem econômica”, acrescentou.

O presidente do STJ concluiu que a Coelce defende interesse particular e por isso não tem legitimidade para pedir a suspensão dos efeitos da liminar concedida. “Resta claro que, in casu, o questionamento judicial dos valores cobrados pela concessionária de serviços públicos revela, tão-somente, o conflito de interesses de ordem patrimonial entre os litigantes”, concluiu.

Leia a decisão

SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA Nº 313 — CE (2006/0196407-6)

REQUERENTE: COMPANHIA ENERGÉTICA DO CEARÁ — COELCE

ADVOGADO: ANTÔNIO CLETO GOMES E OUTROS

REQUERIDO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ

INTERES.: PEARCE INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MÁQUINAS LTDA

ADVOGADO: HELOÍSA VASCONCELOS FEITOSA E OUTROS

DECISÃO

Vistos, etc.

1. “PEARCE Indústria e Comércio de Máquinas Ltda.” ajuizou ação cautelar com pedido de liminar contra a Companhia Energética do Ceará — COELCE, objetivando a suspensão da exigibilidade da cobrança das faturas de energia elétrica referentes aos meses de junho de 2000 a abril de 2001, dada a incompatibilidade dos valores cobrados e a média de consumo utilizada pela empresa, bem como a exclusão de seu nome dos órgãos de restrição ao crédito, em razão dos valores questionados em juízo. O Juízo de 1º grau concedeu a liminar pleiteada e, restando caracterizada a revelia da COELCE, julgou procedente a ação principal, tornando definitiva a liminar.

Entendendo presente grave lesão à ordem econômica, a COELCE formulou pedido de suspensão de liminar perante a Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, que o indeferiu por não vislumbrar a presença dos requisitos necessários à adoção da drástica medida de suspensão, decisão esta posteriormente mantida pelo referido Tribunal, quando do julgamento do agravo regimental interposto. Daí este novo pedido de suspensão de liminar, fundado no art. 4º da Lei n. 8.437/92.

Alega a requerente, em síntese, que a decisão concessiva da liminar causa “prejuízo irreparável à ordem econômica ” (fl. 04), pois a obriga a “fornecer energia elétrica independentemente do pagamento de tarifa e por tempo indeterminado, uma vez que simplesmente impede o corte de energia ” (fl. 04).

Sustenta, mais, lesão à economia pública, pois, decisões desse jaez afetariam o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão do serviço público, podendo provocar o aumento da tarifa para todos os demais consumidores.

Por fim, citando precedentes do Superior Tribunal de Justiça, aduz que “a impossibilidade de suspensão do fornecimento de energia elétrica representa verdadeiro estímulo à inadimplência e disso decorrerá grave lesão à ordem econômica ” (fl. 14), pois provocaria “inegável efeito multiplicador ” (fl. 15).

2. Preliminarmente, necessário se faz perquirir se, no presente caso, a requerente possui legitimidade ativa para o manejo da excepcional medida prevista no art. 4º da Lei n. 8.437/92.

Segundo a jurisprudência desta Corte, às pessoas jurídicas de direito privado é permitido manejar o pedido de suspensão de provimento liminar quando estão a agir no exercício de função delegada do Poder Público, como as concessionárias de serviço público, desde que em defesa do interesse público. Nesse sentido, confira-se:

“AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. BRASIL TELECOM S/A. LICITAÇÃO. FORNECIMENTO DE ACESSO À INTERNET. CONCORRÊNCIA COM EMBRATEL. AUSÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO. ILEGITIMIDADE ATIVA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO. NÃO-CONHECIMENTO DO AGRAVO. SÚMULA Nº 182/STJ.

1. São partes legítimas para pleitear suspensão de execução de decisão, nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, o Ministério Público ou a pessoa jurídica de direito público, nos termos da Lei nº 4.348/64, art. 4º.

2. A jurisprudência dos Tribunais Superiores tem admitido também o ajuizamento da excepcional medida por entidades de direito privado no exercício de atividade delegada da Administração Pública, como as sociedades de economia mista e as concessionárias prestadoras de serviço público, quando na defesa de interesse público, naturalmente.

3. Tal construção jurisprudencial tem a finalidade de assegurar a preservação do interesse público, evitando-se a sobreposição do interesse privado.

4. Evidencia-se a ilegitimidade da Brasil Telecom S/A para propor

pedido de suspensão de segurança, tendo em vista que manifesta o intuito de defender interesse próprio, eminentemente particular, pretendendo a adjudicação de contrato com órgão público, em igualdade de concorrência com outra concessionária pública, a Embratel.

(…)

7. Agravo Regimental não-conhecido ” (AgRg na SS n. 1.277/DF, Relator Ministro. Edson Vidigal).

Não é outro o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal. Em recente decisão, a eminente Ministra-Presidente Ellen Gracie não conheceu de suspensão de liminar requerida por concessionária de serviços públicos assentando que:

“(…) não é sempre que se podem admitir, no pólo ativo dos pedidos de contracautela, entidades da administração indireta ou concessionárias de serviços públicos.

(…)

Admite-se, contudo, a legitimidade processual ativa das pessoas

jurídicas de direito privado quando, no exercício de função delegada do Poder Público, como as concessionárias de serviço público, se encontrem investidas na defesa do interesse público, por sofrer as conseqüências da decisão concessiva da cautelar ou segurança, com reflexos diretos na ordem, na segurança, na saúde ou na economia pública.

No caso dos autos, não obstante a relevância dos fundamentos invocados, denota-se que, mais do que interesse público, se houver, desponta nos autos interesse de ordem exclusivamente patrimonial entre as empresas em litígio (…)” (SL n.111/DF, DJ de 2.8.2006).

No presente caso, observe-se que a liminar foi deferida nos autos de ação cautelar manejada com o intuito de discutir judicialmente os valores cobrados nas faturas de energia elétrica apresentados pela COELCE à empresa “PEARCE Indústria e Comércio de Máquinas Ltda”.

Ao contrário do que alega a requerente, não está a verificar-se interesse público direto a ser tutelado pela via excepcional da suspensão de liminar ou sentença. Resta claro que, in casu, o questionamento judicial dos valores cobrados pela concessionária de serviços públicos revela, tão-somente, o conflito de interesses de ordem patrimonial entre os litigantes.

3. Do exposto, nego seguimento ao pedido, nos termos do art. 34, XVIII, do RI/STJ c/c art. 38 da Lei n. 8.038/90.

Brasília, 14 de setembro de 2006.

Ministro BARROS MONTEIRO

Presidente

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