Sistema operacional

Candidato contesta necessidade do Windows para prestar conta

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21 de setembro de 2006, 7h00

Para acessar o software de prestação de contas do Tribunal Superior Eleitoral, é preciso que o candidato use o sistema operacional Windows, da Microsoft. O candidato a deputado estadual Odilon Guedes (PSOL-SP) quer que o software funcione em qualquer sistema operacional, como o Linux ou o MacOS. Ele e o seu contador usam software livre. Com isso, não têm como fazer a prestação de contas. Guedes ajuizou pedido de Mandado de Segurança no TSE. O ministro José Delgado é o relator.

O candidato sustenta que a administração pública desrespeitou os princípios constitucionais de legalidade e impessoalidade quando limitou o uso do Windows para a prestação de contas. Para ele, a Resolução 22.160 do TSE, que instituiu o uso obrigatório do software, afronta o artigo 5º da Constituição Federal porque cria obrigação não prevista em lei.

O especialista em Direito da Informática, Renato Opice Blum, discorda da alegação. Para ele, “o uso do Windows pelo TSE deve ser oriundo de licitação, o que legitima a obrigação”.

Odilon Guedes é defensor do software livre e afirma que o alto preço do pacote Windows pode impossibilitar a prestação de contas por candidatos de baixa renda. Segundo ele, um software que rode em qualquer sistema operacional traria benefício para todos os candidatos. Guedes defende que os softwares livres são mais baratos, mais seguros e estão em crescente uso no Brasil.

No pedido de Mandado de Segurança, o candidato pede liminar para entregar a sua prestação de contas depois do prazo e em papel, não pela internet. Além disso, pretende que o departamento de tecnologia do TSE troque o sistema operacional por um “moderno, tornando-o multiplataforma”. No mérito, requer a declaração de ilegalidade da imposição do uso exclusivo do Windows.

Leia o pedido de Mandado de Segurança

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, NOBRES JULGADORES, ODILON GUEDES PINTO JÚNIOR, economista, casado, residente e domiciliado na Rua Bruno Lobo 245, CEP 05578-020, Butantã, São Paulo, SP, portador do RG número 3.525.300, CPF 450.273.158-72, candidato a deputado estadual pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) em São Paulo, devidamente registrado sob o nº 50.123, CNPJ da campanha nº 08.137.189/0001-70, vem, mui respeitosamente, por meio de seus advogados e bastante procuradores SERGIO RUY DAVID POLIMENO VALENTE e RAFAEL GANDARA D’AMICO, ambos com escritório profissional situado na Rua do Paraíso, 513, conjunto 12, São Paulo, SP, onde recebem intimações, conforme procuração anexa, impetrar MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO DE LIMINAR

em face de ato coator do excelentíssimo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, com fundamento artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal e na Lei nº 1.533, de 31 de dezembro de 1951, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.

1 — DO CABIMENTO

O artigo 1º da Lei 1533/51 prevê que: “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus, sempre que, ilegalmente ou com abuso do poder, alguém sofrer violação ou houver justo receio de sofre-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.”

Já o artigo 33 do Regimento Interno do TSE, tratando especificamente da competência do colendo tribunal, dispõe que, “para proteger direito líquido e certo fundado na legislação eleitoral, e não amparado por habeas corpus, conceder-se-á mandado de segurança.”

No caso em tela, o direito líquido e certo do impetrante funda-se na Lei 9.504/97 — Lei das Eleições, na Constituição Federal e em vários princípios constitucionais e de direito administrativo, todos eles relacionados diretamente com a já citada lei 9504/97 e com outros dispositivos da legislação eleitoral.

Ademais, justifica-se a competência do Tribunal Superior Eleitoral para o julgamento do presente mandado pelo fato de a autoridade coatora ser o seu presidente.

Sobre a competência para julgar mandados de segurança dessa natureza, já decidiu especificamente o Supremo Tribunal Federal, nos autos do Recurso em Mandado de Segurança 25500/SP, cuja ementa segue transcrita:

“RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Relator(a): Min. ELLEN GRACIE ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. RESOLUÇÃO DO TSE SOBRE O NÚMERO DE

VEREADORES. COMPETÊNCIA. 1. É do Tribunal Superior Eleitoral a competência para julgar mandado de segurança contra as Resoluções 21.702/2004 e 21.803/2004. 2. Recurso provido.” Por fim, destaque-se que o candidato tomou ciência do ato coator no início do mês de agosto de 2006, tendo sido o presente writ, portanto, impetrado dentro do prazo legal do artigo 18 da Lei 1533/51.

2 — DOS FATOS

Nas proximidades do dia 6 de agosto deste ano, data estipulada pela Lei 11.300/06 para a primeira prestação parcial de contas de campanha, o impetrante baixou da Internet, diretamente pelo sítio do TRE São Paulo, por intermédio do tesoureiro e da assessoria jurídica de sua campanha, o software para geração de relatório de prestação de contas SPCE 2006. Para sua surpresa, ao terminar de copiar o programa para o computador utilizado, constatou que o mesmo só funcionaria caso o sistema operacional de marca Windows, produzido e vendido pela empresa Microsoft, estivesse instalado previamente em seu computador.


Impossibilitado de utilizar o referido programa, já que os computadores utilizados pela sua campanha não utilizam o sistema operacional da Microsoft, contatou verbalmente o Tribunal Regional Eleitoral sobre a possibilidade de entregar sua prestação de contas por meio alternativo, pela via tradicional impressa em papel, ocasião em que foi informado de que o uso do programa de prestação de contas instituído pelo TSE era obrigatório, por força da resolução 22.160 do TSE, e que, portanto, não seria aceita qualquer outra forma de relatório de prestação de contas.

Tendo que pedir emprestado um computador com Windows para realizar a primeira e a segunda prestação de contas parcial, mas inconformado, decidiu por impetrar o presente mandado de segurança para a garantia de seus direitos na ocasião da prestação de contas final.

É imprescindível deixar claro, no entanto, que o candidato prestou contas na data estipulada pela lei, já que é pressuposto de sua campanha a transparência e lisura na arrecadação e gasto dos recursos eleitorais. Tanto que realizou, tempestivamente, as duas prestações de contas parciais, as quais se encontram devidamente publicadas no sítio do TSE.

O que não quer admitir, contudo, é a violação de seus direitos individuais e políticos, na medida em que se impõe o uso obrigatório de um determinado sistema operacional para utilização do software de prestação de contas.

3 — DO ATO COATOR

No caso em tela, o ato coator materializa-se no texto da resolução 22.160 do TSE, mais especificamente no trecho em que se impõe a obrigatoriedade do uso do software SPCE 2006, que só funciona sobre o sistema operacional Windows; materializa-se, ademais, no próprio ato administrativo de instituição e criação do software com a característica específica de não funcionar sobre qualquer outro sistema operacional que não seja o sistema de marca Windows da Microsoft, fato do qual o impetrante tomou ciência na ocasião de sua primeira prestação de contas, nos primeiros dias do mês de agosto de 2006.

A seguir, o trecho da Inst nº 102/DF, contida na resolução 22.160:

“Art. 27. A prestação de contas deverá ser instruída com os seguintes documentos, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro:

§ 9º As peças referidas nos incisos I a XI deste artigo serão impressas exclusivamente mediante a utilização do Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE), sem prejuízo de sua apresentação em disquete. “ (grifo nosso)

e ainda:

“Art. 30. A prestação de contas deverá ser elaborada por meio do SPCE, instituído pelo Tribunal Superior Eleitoral.” (grifo nosso)

No mesmo sentido, o manual de instruções do software de prestação de contas SPCE 2006, contendo, ainda, a confirmação de que o software foi elaborado para funcionar exclusivamente em conjunto com o software Windows da Microsoft:

“APRESENTAÇÃO DO SISTEMA O SPCE, Sistema de Prestação de Contas de Campanhas Eleitorais para as eleições de 2006, foi desenvolvido pela Justiça Eleitoral para ser utilizado, em caráter obrigatório, na elaboração da prestação de contas de candidatos e comitês financeiros.” (p. 3, grifo nosso.)

E mais à frente:

“REQUISITOS MÍNIMOS

— 128m de memória RAM

— 10m de espaço em disco

— Windows versão 98 ou superior

— Unidade de disquete

—Impressora” (Guia Prático de Operação do SPCE 2006. Data de publicação: 21/06/06.

Disponível para download no site do TSE — http://www.tse.gov.br, acesso em 25/08/06, p.5, grifo nosso.)

4 — DOS DIREITOS VIOLADOS

Antes de passar à análise de cada uma das ilegalidades emanadas do ato coator, cabe destacar a importância de afastar, por meio do controle jurisdicional, os atos de agentes estatais que manifestamente contrariem os ditames e o espírito da Constituição, sob pena de, em função de um ato de poder do próprio Estado, a norma jurídica primeira perder sua força para reger as relações sociais no seio do Estado. Nesse sentido, KONRAD HESSE:

“Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem. Concluindo, pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência geral — particularmente, na consciência geral dos principais responsáveis pela ordem constitucional, não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung)” (HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição, título original: Die normative Kraft der Verfassung, Trad. Gilmar Ferreira Mendes, Sergio Fabris editor, Porto Alegre, 1991, p. 19, grifo nosso.)


A resolução 22.160 e o ato administrativo de criação do software SPCE 2006, sem qualquer base constitucional no que toca aos princípios da Administração Pública, ocasiona um favorecimento indevido à Microsoft, como será demonstrado oportunamente.

Além disso, os citados atos, como explicado mais a frente, criam limitações ao exercício de direitos políticos dos cidadãos — e particularmente do candidato impetrante — não abrigadas na sistemática constitucional dos direitos políticos.

Assim sendo, entende o impetrante que o Tribunal deve, considerando e reconhecendo os vícios de inconstitucionalidade e ilegalidade que caracterizam o ato, impedir que o mesmo possa ter efeito normativo para as eleições de 2006 e seguintes, de maneira a garantir o pleno exercício dos direitos políticos fundamentais, impedindo que sejam desrespeitados os mais elementares princípios de atuação da Administração Pública e, acima de tudo, garantindo que a Constituição se perpetue como norma fundante do Estado de Direito.

4.1 — Do princípio da impessoalidade e do prejuízo específico do candidato

O artigo 37 da Constituição Federal dispõe que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.

No caso presente, há flagrante violação a um dos mais importantes

princípios da Administração Pública, positivado no supra citado artigo, qual seja o princípio da impessoalidade, na medida em que um ato administrativo, sem respaldo na lei, cria um favorecimento ilícito a uma empresa privada, no caso a Microsoft, ao exigir o uso de seu produto como único meio para a efetivação da prestação de contas de campanha.

Sobre o princípio da impessoalidade, são esclarecedoras e corroboram com essa tese as lições dos principais doutrinadores brasileiros.

Assim, segundo MARIA SILVIA ZANELLA DI PIETRO:

“No primeiro sentido, o princípio estaria relacionado com a finalidade pública que deve nortear toda a atividade administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear seu comportamento” (PIETRO, Maria Silvia Zanella Di, Direito Administrativo, 18ª ed., Atlas, São Paulo, 2005, p. 71, grifo nosso.)

No mesmo sentido, HELY LOPES MEIRELLES e CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO:

“Desde que o princípio da finalidade exige que o ato seja praticado sempre com finalidade pública, o administrador fica impedido de buscar outro objetivo ou de praticá-lo no interesse próprio ou de terceiros” (MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, 30ª ed., Malheiros, São Paulo, 2005, p. 92, grifo nosso.)

“Nele se traduz a idéia de que a Administração tem que tratar todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis.

Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa ou muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O princípio em causa não é senão o princípio da igualdade ou isonomia…” (MELLO, Celso Antonio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, 14ª ed., Malheiros, 2002, p. 96, grifo nosso.)

Assim, portanto, o princípio da impessoalidade, também referenciado por princípio da finalidade, veda contundentemente o beneficio ou o prejuízo injustificado de terceiros por parte da Administração.

Ora, com relação ao software de prestação de contas SPCE 2006 instituído pelo Tribunal, resta configurado tanto o benefício a uma determinada empresa privada como prejuízo para o candidato impetrante.

Em primeiro lugar, o favorecimento da empresa Microsoft pode ser identificado em várias formas. Uma delas, inclusive, é facilmente estimável em valores. A operação lógica para compreensão da dimensão econômica desse favorecimento é bem simples: o uso do SPCE 2006 requer o uso simultâneo do Windows (produto Microsoft) pelos comitês financeiros de campanha, caso contrário não há como realizar a prestação de contas.

Basta multiplicar o número de candidatos pelo valor da licença de uso do sistema operacional marca Microsoft Windows e obtém-se uma estimativa do proveito econômico a que se está aludindo.

É mister salientar, no entanto, que, ainda que o sistema operacional de marca Microsoft Windows fosse gratuito, o que — como é sabido — está longe de ser, persistiria da mesma maneira o beneficio injustificado à fabricante do sistema, na medida em que a obrigação de seu uso por parte dos candidatos e seus comitês consiste em publicidade gratuita e estímulo ao consumo da marca. Trata-se do segundo aspecto do benefício indevido.


Para melhor ilustrar essa outra faceta do favorecimento injustificado da empresa Microsoft, cabe aqui mencionar o exemplo das contas-salário dos funcionários públicos em várias cidades e estados do Brasil. É publico e notório que, mesmo não cobrando tarifas pela manutenção das contas bancárias por meio das quais são pagos os funcionários das Administrações municipais e estaduais, os bancos privados que em muitos casos são utilizados para esse fim se beneficiam e muito da situação. Assim, já é praxe as prefeituras e estados que não dispõe de bancos estatais para o pagamento de seus servidores firmarem contratos com bancos privados nos quais, em troca de permitirem aos bancos a gerência das contas-salário, recebem vultosa prestação pecuniária.

A instituição de um software oficial de prestação de contas, por parte do TSE, que tenha como requisito a aquisição de licença de produto da marca Microsoft Windows, consiste em publicidade gratuita, sem qualquer contrapartida da beneficiada e, o que é pior, em proveito econômico concreto e imediato, dada a onerosidade da aquisição da licença.

Ademais, resta configurado, também, o prejuízo específico do candidato impetrante que, se optar por não usar um produto da marca determinada pelo tribunal, fica impedido de utilizar o software SPCE 2006 e até mesmo de prestar contas de sua campanha por outros meios. Esse fato, inclusive, o coloca em situação desigual em relação aos seus pares, pois cria distinções na forma em que é tratado pela Administração, única e exclusivamente porque não quer (respaldado pelo Direito) utilizar um produto da marca Microsoft Windows. Vale citar, nesse sentido, mais um dispositivo constitucional vedando tal tipo de tratamento:

“Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

III — criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.”

O prejuízo do candidato também é facilmente estimável em valores, quer se considere o valor individual de aquisição de uma licença do sistema operacional de marca Windows, quer se contabilize o preço da contratação de profissional externo para realizar a prestação de contas ou do aluguel temporário de um computador com o mencionado sistema instalado.

Estando absolutamente claro o favorecimento de pessoa determinada e, a contrário senso, o prejuízo do candidato, cabe ainda, para o enriquecimento da reflexão, mencionar algumas informações técnicas importantes, que demonstrarão porque o já tratado benefício e preferência pelo sistema de marca Windows é realmente injustificado e poderia, sem o menor problema, ser evitado pelo TSE.

Como é sabido, um sistema de computação pessoal, para que possa ser útil para o trabalho e tarefas pessoais do dia-dia, deve ter 2 componentes básicos: o hardware e o software. O hardware nada mais é do que o conjunto das peças físicas do computador: processador, disco rígido, memória RAM, monitor, mouse, teclado, etc.. Já o software é o conjunto de instruções matemáticas que fazem o computador funcionar, ou seja, os conhecidos programas de computador. Dentre esses programas, o mais importante deles sem dúvida é o sistema operacional. O sistema operacional é o software que serve de base para o funcionamento de todos os outros softwares. A marca de sistema operacional mais conhecida é o Microsoft Windows, mas é fundamental deixar claro que esse não é o único sistema operacional do mercado nem tampouco o melhor ou mais barato. Existe uma série de outros sistemas utilizados largamente por uma gama de empresas e pessoas físicas, no Brasil e no mundo, que realizam as mesmas tarefas e cumprem o mesmo papel que o sistema marca Windows. Pode-se mencionar como exemplos mais significativos os atuais sistemas MacOS desenvolvido pela Apple e o sistema operacional Linux, desenvolvido por diversas empresas, tais como Mandriva, Red Hat, Ubuntu, etc., além de uma infinidade de programadores independentes organizados, como, por exemplo, a comunidade internacional Debian e a comunidade Kurumin Linux brasileira, com milhares de participantes ativos.

Os sistemas operacionais como o MacOS e o Linux têm se mostrado alternativas muito interessantes para empresas e pessoas físicas, principalmente no tocante ao quesito segurança. No caso do Linux, além de vantagens consideráveis em relação à segurança, como a desnecessidade do uso de anti-virus, anti-spywares e outros dispositivos de proteção, existe ainda um atrativo financeiro: qualquer pessoa pode baixar o sistema e instalá-lo de graça em sua máquina, sem precisar pagar somas vultosas pela aquisição da licença de uso. Já o MacOS é um sistema que sempre foi conhecido pela praticidade de uso e por trazer inovações quanto à parte gráfica e interface com usuário, estando sempre na vanguarda da tecnologia em sistemas operacionais.

É mister salientar, no entanto, que qualquer dos dois sistemas mencionados como alternativas à compra do Microsoft Windows, sejam eles considerados mais baratos ou mais caros, mais ou menos práticos, são hábeis para a realização das mesmas tarefas que podem ser concluídas no Windows: navegação na Internet, envio e recebimento de e-mails, elaboração de textos e planilhas, ouvir músicas e assistir a vídeos, etc..


Dessa forma, citamos, para dar uma idéia da crescente utilização dos sistemas Linux e MacOS, algumas empresas entidades que optaram pela sua utilização em detrimento do Windows. Esses são só exemplos emblemáticos e representativos de um conjunto de instituições muito maior. No exterior, por exemplo, usam o sistema operacional Linux o Industrial and Commercial Bank of China (ICBC) (maior banco da China), a NASA (agência espacial americana), a IBM (uma das maiores e mais conhecidas companhias da área de informática, a criadora do IBM-PC), a Prefeitura de Munique (uma das maiores e mais tecnologicamente avançadas cidades da Alemanha), entre outras. No Brasil, utilizam o Linux, entre outras muitas entidades, o Banco do Brasil, o Metrô de São Paulo, a PUC-SP, Banrisul, etc.. Vale lembrar ainda que, pela sua praticidade e baixo custo, o Linux foi escolhido pelo governo federal para ser o sistema operacional padrão dos computadores vendidos com isenção tributária dentro do programa “Computador para todos”.

Fica demonstrado, assim, que o Microsoft Windows não é o único, nem o mais barato, nem o mais avançado sistema operacional para computadores pessoais, o que torna evidente a impropriedade do desenvolvimento do SPCE 2006 (software de prestação de contas de campanha) para funcionar apenas no Windows, como se não houvesse concorrentes no mercado de sistemas operacionais nem pessoas que optassem por utilizar os produtos desses concorrentes. Tal impropriedade é ainda mais flagrante ao observar que não há maiores obstáculos técnicos ao desenvolvimento de programas multiplataforma, como fica comprovado ao analisarmos o programa de envio de declaração de imposto de renda desenvolvido pela Receita Federal, cuja versão escrita na linguagem Java funciona em qualquer computador moderno que possua um sistema operacional de qualquer marca.

Para tornar mais claro o raciocínio e provar que é perfeitamente viável desenvolver programas que funcionem em qualquer sistema, transcrevemos passagem de texto constante do sítio da Receita Federal na Internet:

“O programa IRPF2006 versão Java pode ser utilizado em qualquer sistema operacional, desde que obedecidas as seguintes instruções:

1) A máquina virtual java (JVM), versão 1.4.1 ou superior, deve estar instalada, pois programa desenvolvido em Java não pode ser executado sem a JVM.

2) Selecione o programa de acordo com o sistema operacional, faça o download e o instale:

A) Para Linux: IRPFJava2006linuxv1.0.bin

Para instalar, é necessário adicionar permissão de execução, por meio do comando “chmod +x IRPFJava2006linuxv1.0.bin” ou conforme o Gerenciador de Janelas utilizado.

B) Para Mac: IRPFJava2006macv1.0.dmg

C) Para Windows: IRPFJava2006win32v1.0.exe

D) Para Solaris e outros sistemas operacionais:

IRPF2006v1.0setup.jar E) Sem instalador, para qualquer sistema operacional: irpf2006v1.0.jar” (

Receita acesso em 13/09/2006, grifo nosso.)

Claro está, então, que não há justificativa plausível para que o software SPCE 2006 de prestação de contas, desenvolvido pelo TSE, não aceite outros sistemas como o Linux e o MacOS. Considerando, ademais, que tal injustificável escolha se dá à revelia da lei e contrariando princípios constitucionais de suma importância e direitos individuais e políticos do candidato impetrante, a irregularidade se torna ainda mais cristalina.

Não importa que os atos administrativos não tenham sido motivados pelo interesse de favorecer a Microsoft, como crê o impetrante que não o foram. Na prática, criam uma discriminação que não encontra abrigo no sistema constitucional dos direitos e garantias fundamentais e muito menos nas normas disciplinadoras da eleição. A rigor, seria como, em analogia hipotética, obrigar o candidato não só a utilizar um caminhão para a realização de uma passeata, proibindo-o de o fazer a pé, mas também impor que ao caminhão a ser utilizado seja de uma determinada marca e não de outra.

4.2 — Da razoabilidade ou proporcionalidade dos atos administrativos

Sobre o princípio da razoabilidade, ou proporcionalidade, bem esclarecem as palavras de LUÍS ROBERTO BARROSO e ANA PAULA DE BARCELLOS:

“Trata-se de um valioso instrumento de proteção dos direitos fundamentais e do interesse público, por permitir o controle da discricionariedade dos atos do Poder Público e por funcionar como a medida com que uma norma deve ser interpretada no caso concreto para a melhor realização do fim constitucional nela embutido ou decorrente do sistema. Em resumo sumário, o princípio da razoabilidade permite ao Judiciário invalidar atos legislativos ou administrativos quando: (…) b) a medida não seja exigível ou necessária, havendo meio alternativo menos gravoso para chegar ao mesmo resultado (necessidade/ vedação do excesso) …”


(BARCELLOS, Ana Paula de – BARROSO, Luís Roberto, O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro, disponível em http://www.camara.rj.gov.br/setores/proc/revistaproc/revproc2003, acesso em 13/09/2006, grifo nosso.)

O princípio da proporcionalidade ou, segundo BARROSO, da razoabilidade — a doutrina diverge se são o mesmo princípio — é um desdobramento da noção de devido processo legal substantivo.

A conceituação de razoabilidade, nos EUA, está mais relacionada à função de um instrumento de direito constitucional, desempenhando papel de critério de aferição de constitucionalidade de determinadas leis. Na Alemanha, por sua vez, evoluiu a partir do direito administrativo como maneira de controlar os atos do Executivo.

De qualquer forma, o princípio da proporcionalidade e/ou da razoabilidade é intimamente ligado à rejeição de atos arbitrários ou caprichosos, não dotados de racionalidade ou justiça. Apesar de não positivado, tem reconhecimento amplo na doutrina constitucionalista mais moderna e preocupada com os direitos e garantis fundamentais.

Não resta dúvida que, a partir de um exame que considere os ditames do princípio da proporcionalidade, a resolução 22.160 e o ato administrativo de instituição do software SPCE 2006, na medida em que obrigam um particular a contratar com uma companhia privada, sem embasamento legal ou técnico, sob pena de não poder o cidadão exercitar seus direitos políticos, afronta flagrantemente o princípio acima mencionado.

4.3 — Do direito a não fazer algo senão em virtude de lei

O inciso II do artigo 5 da Constituição federal prescreve que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Esse dispositivo consagra o princípio da legalidade, pilar maior de todos os sistemas jurídicos modernos e, com toda certeza, um dos mais importantes direitos humanos fundamentais positivados na Lei Maior brasileira. O principio da legalidade, pois, impõe a obrigatoriedade da lei como meio único hábil a criar obrigações para os cidadãos administrados.

Posto isso, temos que a resolução 22.160 do TSE e o ato de instituição do software de prestação de constas SPCE 2006 violam de forma gritante o citado preceito constitucional, na medida em que o uso do SPCE 2006 é obrigatório e, ao mesmo tempo, está condicionado à aquisição de uma licença do sistema operacional Windows. Ou seja, a rigor, a resolução obriga o candidato a contratar com uma determinada empresa, no caso a Microsoft, adquirindo a licença de uso de um produto seu, ao arrepio da Lei das Eleições e principalmente do texto constitucional. Não há, nem poderia haver, nenhuma obrigação legal que impõe o dever, a qualquer cidadão, de firmar contrato com a já citada empresa privada Microsoft. E, na ausência de lei que o faça, não pode uma resolução, muito menos um ato administrativo de instituição de um programa de computador, inovar na ordem jurídica dessa maneira tão invasiva aos direitos fundamentais do cidadão.

Sobre o principio da legalidade, sua abrangência e alcance, é de grande auxílio a lição de GILMAR FERREIRA MENDES:

“O princípio da legalidade, entendido aqui tanto como princípio da supremacia ou da preeminência da lei (Vorrang des Gesetzes), quanto como princípio da reserva legal (Vorehalt des Gesetzes), contém limites não só para o Legislativo, mas também ao Poder Executivo e para o Poder Judiciário” (p. 43)

[…]

“O princípio da reserva legal explicita as matérias que devem ser disciplinadas diretamente pela lei. Esse princípio, na sua dimensão negativa, afirma a inadimissibilidade de utilização de qualquer outra fonte de direito diferente da lei. Na sua forma positiva, admite-se que apenas a lei pode estabelecer eventuais limitações ou restrições.

Por seu turno, o princípio da supremacia ou da preeminência da lei submete a administração e os tribunais ao regime da lei, impondo tanto a exigência de aplicação da lei (dimensão positiva) quanto a proibição de desrespeito ou de violação da lei (dimensão negativa)” (MENDES, Gilmar Ferreira, Contrariedade à Constituição e Recurso Extraordinário: Aspectos inexplorados in Revista de Direito Administrativo, Renovar, Rio de Janeiro, 1994, Jan/Mar, p. 45 e 46, grifos nossos.)

No caso tratado, tanto o princípio da reserva legal foi ignorado, na medida em que a resolução 22.160 trata de matéria que não é de sua alçada, criando obrigações, quanto foi desrespeitado o princípio da supremacia ou da preeminência da lei, já que o ato de instituição de um software cujo uso, obrigatório, só pode se dar concomitantemente à aquisição de licença de um software privado, não observa os direitos individuais do candidato que utiliza outro sistema operacional não produzido pela Microsoft.


Ainda que houvesse previsão legal dessa matéria — o que, como evidentemente demonstrado não há — tal obrigação seria inconstitucional, por violar o princípio da impessoalidade na Administração sobre o qual já se discorreu.

Dessa maneira, não há outra alternativa senão a de ratificar a pretensão do candidato impetrante no sentido de afirmar o seu direito de não precisar contratar a Microsoft para poder prestar contas de sua campanha, ou seja, o seu direito de utilizar o software SPCE 2006 em sistemas operacionais modernos de qualquer marca, como MacOS, Linux e outros, ainda que para isso o Tribunal Superior Eleitoral tenha que fazer modificações no seu software.

4.4 — Do direito à prestação de contas por vias alternativas

A Lei 9.504/97, o diploma legal que disciplina de forma geral o processo eleitoral brasileiro, traz em seu texto o seguinte mandamento:

“Art. 28. A prestação de contas será feita:

II — no caso dos candidatos às eleições proporcionais, de acordo com os modelos constantes do Anexo desta Lei.” (grifo nosso).

A própria lei das eleições traz, em seu anexo, os modelos de formulário a serem usados na prestação de constas de campanha dos candidatos à deputado, o que por si só já deixa clara a possibilidade de a prestação de contas ser apresentada em papel, tomando como base os formulários constantes da própria lei. Se assim não fosse, não haveria sentido nenhum em fazer constar anexos os formulários detalhados a serem apresentados preenchidos à Justiça Eleitoral. Vale lembrar, ainda, que a lei data do ano de 1997, ocasião em que não havia sequer previsão de elaboração do software para prestação de contas. Ou seja, a lei trata, outrossim, da prestação de contas por meios físicos, notadamente a impressão e preenchimento dos formulários anexos em papel.

No caso tratado, no entanto, temos que a resolução 22.160 tenta criar uma obrigação nova ao candidato, na medida em que exige o uso do software SPCE 2006 para realizar a prestação de contas, como ilustra a transcrição de artigos da instrução 102 DF, contida na resolução:

“Art. 27. […]

§ 9º As peças referidas nos incisos I a XI deste artigo serão impressas exclusivamente mediante a utilização do Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE), sem prejuízo de sua apresentação em disquete. “ (grifo nosso)

“Art. 30. A prestação de contas deverá ser elaborada por meio do SPCE, instituído pelo Tribunal Superior Eleitoral.” (grifo nosso)

Logo, a supra mencionada resolução, além de procurar criar uma inédita obrigação para o candidato, qual seja de prestar contas única e exclusivamente por meio do software SPCE, contraria a própria lei das eleições, a que deveria apenas regulamentar, pois tenta aniquilar a possibilidade de prestar contas pelos formulários anexos da lei.

Sobre o papel normativo das resoluções, cabe recorrer a opinião de HELY LOPES MEIRELLES, que nada mais faz do que ilustrar entendimento pacífico na doutrina:

“Resoluções são atos administrativos normativos expedidos pelas altas autoridades do Executivo (mas não pelo chefe do Executivo, que só deve expedir decretos) ou pelos presidentes de tribunais, órgãos legislativos e colegiados administrativos para disciplinar matéria de sua competência específica.

Por exceção, admitem-se resoluções individuais.

As resoluções, normativas ou individuais, são sempre atos inferiores ao regulamento e ao regimento, não podendo inová-los ou contrariá-los, mas unicamente complementá-los.” (MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, 30 ed., Malheiros, São Paulo, 2005, p. 182 e 183, grifonosso.)

É incontroversa, pois, a assertiva segundo a qual um ato administrativo, principalmente uma resolução, não pode inovar no mundo jurídico, criando obrigações não previstas em lei, quanto mais contrariar texto expresso de lei ordinária. Esse é um cânone derivado do já tratado princípio da legalidade, o qual permeia de sentido e legitimidade todo o ordenamento jurídico positivo.

Não resta outra conclusão, então, senão propugnar pela ilegalidade dos artigos 27 e 30 da instrução 102, contida na resolução 22.160, pois que contrariam a Lei 9.504/97 e o princípio da legalidade, e reconhecer o direito do candidato impetrante a apresentar sua prestação de contas seguindo os modelos do anexo da Lei das Eleições, sem o intermédio do software SPCE 2006, se assim for sua vontade, necessidade ou conveniência.

4.5 — Do direito à não privação de direitos por motivo de convicção filosófica ou política O artigo 5º da Constituição Federal preceitua, em seu inciso VI, que é inviolável a liberdade de consciência e de crença. E ainda, mais à frente, no inciso VIII:

“VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;” No caso em questão, há clara violação desses dois preceitos constitucionais. A obrigatoriedade imposta pelo tribunal de contratação da empresa Microsoft, materializada na resolução 22.160 e no ato de criação do software SPCE 2006, além de conter uma série de equívocos e ilegalidades sobre as quais já se descorreu, atenta contra a liberdade de crença política e filosófica do candidato. E, o que é mais grave, o faz em uma situação em que essa liberdade se faz mais necessária e se mostra mais importante, qual seja o pleito eleitoral, o momento em que as diferentes idéias e ideologias são postas publicamente em confronto.


O candidato a deputado estadual ODILON GUEDES PINTO JUNIOR, ora impetrante, é, como já mencionado em sua qualificação, economista formado e atuante, além de acadêmico da área. Sua trajetória política e acadêmica sempre foi marcada pela defesa, não apenas retórica mas concreta, da democracia, transparência e impessoalidade na gestão pública, o que é facilmente percebido apenas pela análise dos projetos de lei que propôs nas duas legislaturas que cumpriu como vereador da cidade de São Paulo.

Ademais, em sua carreira acadêmica de economista, bem como nas instituições em que já lecionou (PUC-SP) e ainda leciona (Faculdades Oswaldo Cruz), sempre defendeu um modelo econômico justo, sustentável e pautado pelos interesses nacionais, o que pressupõe ser o mesmo livre de coações externas, rechaçando a existência de monopólios e oligopólios privados e de práticas comerciais desleais que minassem e atentassem contra a livre determinação das vontades coletivas.

Já a Microsoft é uma empresa considerada por muitos como símbolo do poderio econômico e da concentração de riqueza. Deteve, por muito tempo, um monopólio privado do mercado de sistemas operacionais e navegadores de Internet, o que foi conseguido mediante práticas comerciais extremamente agressivas e muitas vezes consideradas ilegais.

Para se ter uma idéia melhor das práticas empregadas pela referida empresa para conquista do mercado de software, pode-se valer das palavras do respeitável doutrinador e professor titular de direito comercial da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo CALIXTO SALOMÃO FILHO, que, em obra de direito concorrencial, traça um relato bastante claro sobre o tema:

“Além de forçar os consumidores dentro de sua rede através dos fabricantes de computadores para obter as externalidades diretas, a Microsoft procurou também reforçar as externalidades indiretas. Desta vez através da criação de incompatibilidades técnicas com outros sistemas operacionais.

[…]

Uma das principais razões da introdução, nos anos 90, dos novos sistemas operacionais Windows foi impedir que se conseguisse compatibilizar os sistemas. A nova tecnologia incluía códigos de acesso que nunca foram oficialmente revelados e que, se descobertos, eram rapidamente mudados pela Microsoft. Assim, sistemas operacionais concorrentes como o DR-DOS da empresa DRI/Novel não conseguiam operar aplicativos desenvolvidos para o Windows”

[…]

Nota-se, portanto, que as externalidades diretas e indiretas, muito mais do que conseqüências naturais, foram fortemente influenciadas por comportamentos da Microsoft cuja legalidade é, no mínimo, duvidosa.

Essa discussão não se resume ao território americano. Como já mencionado, tem efeitos em todos os países em que a empresa opera. A contestação dos comportamentos da Microsoft pelos órgãos da concorrência, aliás, sequer começou no EUA. As primeiras autoridades a considerar ilegais as práticas da Microsoft foram as coreanas. A Korean Fair Trade Commission, depois de vários meses de investigações, proibiu a prática das chamadas CPU licenses naquele país, em maio/1992.

Nos EUA foi só em julho/1994 que o Departamento de Justiça resolveu promover uma ação civil para coibir as CPU licenses e coibir a prática, então crescente, pela Microsoft de exigir que os fabricantes de computadores adquirissem junto com seus sistemas operacionais outros sistemas operacionais ou outros aplicativos por ela produzidos. Em julho/1995 a Corte decidiu a favor do Departamento de Justiça.”

[…]

Restava, no entanto, à Microsoft dominar a Internet, sem o quê continuava a correr o risco de ver seu produto banalizado, tornando-se mais um entre os vários sistemas operacionais de igual valor. Engendrou, então, robusta estratégia predatória contra o Netscape Navigator.

Em primeiro lugar, passou a oferecer a preço zero, juntamente com o Windows 95, seu browser, o Microsoft explorer. Ao mesmo tempo, preparou um novo programa, Windows 98. Existe certo consenso entre os especialistas do setor no sentido de que o Windows 98 trouxe nenhuma ou quase nenhuma inovação ou melhoria tecnológica significativa, se comparado com o Windows 95. Trouxe, no entanto, uma mudança muito importante do ponto de vista concorrencial. Agora o software de acesso é parte integrante do sistema operacional, não podendo ele ser cindido, fisica ou tecnicamente. Também impossível é a utilização do Navigator.

[…]

Há fortes indícios de predação de sistemas. A Microsoft teve gastos substanciais para desenvolver um programa que nada inova para o consumidor (Windows 98), tendo de vendê-lo, portanto, ao mesmo preço ou até abaixo do preço do anterior (Windows 95). Tudo isso apenas para garantir a eliminação do concorrente do mercado.

E isso tem efetivamente ocorrido. De uma participação de mais de 70% em 1995, o Navigator desceu para menos de 40%, com o Internet Explorer alcançando 60% do mercado. A predação de sistemas é evidente. As externalidades diretas e indiretas do sistema operacional Microsoft garantem o sucesso na eliminação do concorrente do mercado e, em conseqüências, induzem à presunção de intenção ilícita.” (SALOMÃO FILHO, Calixto, Direito Concorrencial — as condutas, Malheiros, 2003, pp. 193 — 198, grifos nossos.)


Não é admissível, diante dos fatos narrados pelo eminente professor SALOMÃO FILHO, que se obrigue a campanha do candidato impetrante a contratar com uma empresa que pratique tamanhas e tão graves condutas predatórias e anticoncorrenciais, pois isso confronta fortemente com tudo aquilo que acredita e que defende como economista acadêmico, cidadão e ator político. Isso tolheria, pois, o exercício de seu direito de crença política e filosófica, contrariando o artigo 5 inciso VIII da Constituição.

4.6 — Do direito político de ser empossado

De acordo com a previsão do art. 39 da instrução 102 do TSE, o candidato não poderá ser diplomado enquanto não tiver suas contas julgadas. Se eleito, não poderá ser empossado.

Considerando a obrigação imposta pela Resolução 22.160 e pela instituição do SPCE 2006 (que impõe a prestação de contas com uso do software compatível apenas com o sistema da Microsoft), uma limitação aos direitos políticos do cidadão é criada.

Nem todos os candidatos, por questão de condições econômicas, podem arcar com os custos de obter uma pacote Windows que seja compatível com o software para prestação de contas SPCE 2006.

Além disso, em função de convicções políticas e filosóficas, como já se disse acima, não seria lícito obrigar o candidato a ter de contratar com a Microsoft para realizar sua prestação de contas.

Na prática, surge um problema na medida em que o candidato eleito não poderá ser diplomado enquanto não tiver suas contas julgadas. Se não tiver como apresentar suas contas por meio software compatível única e exclusivamente com pacotes da Microsoft, a possibilidade de ser diplomado estaria afastada.

Assim, é criada, na prática e sem o devido embasamento constitucional, um cerceamento de direitos políticos de caráter censitário e em franco desrespeito aos direitos fundamentais de liberdade de convicção política e filosófica. As hipóteses de direitos políticos negativos, inelegibilidades e incompatibilidades devem estar de acordo com os direitos e garantias fundamentais positivados na Constituição Federal e na sistemática, também fundada no embasamento constitucional, da legislação que regula o direito eleitoral.

5 — DA LIMINAR

O inciso II do artigo 7.º da Lei 1533/51, que disciplina o Mandado de Segurança, dispõe que a liminar será concedida, suspendendo-se o ato que deu motivo ao pedido, quando for relevante o fundamento do pedido e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida. Assim, pois, são os requisitos para a concessão de medida liminar a relevância do fundamento, entendida como a plausibilidade do direito invocado ou, na expressão latina, fumus boni iuris, e o perigo da demora (ou periculum in mora), consistente na ineficácia da medida caso não seja deferida de imediato.

No caso em tela, o fundamento da demanda possui o mais alto grau de relevância, visto consistirem os dispositivos legais crivados pelo ato coator em direitos humanos fundamentais, cuja supressão significaria a negação do próprio Estado de Direito.

A relevância do pedido se torna ainda maior considerando as particularidades da época em que a coação ocorre, qual seja o momento mais importante do processo eleitoral, e o fato de a candidatura do impetrante representar não apenas a sua pessoa específica e individual, mas sim um projeto político coletivo e um universo de eleitores e simpatizantes.

Já o periculum in mora mostra-se ainda mais evidente. Tomando-se em conta que a prestação de contas final de campanha do impetrante deverá ser entregue impreterivelmente até 30 dias após as eleições, ou seja, até 30 de outubro de 2006, é mister que seja concedida a segurança em caráter liminar o mais rápido possível, sob pena de, caso o pedido seja apreciado somente após o término do processo eleitoral, se esvaia a maior parte do objeto da demanda, ainda que este permaneça quanto ao uso do software de prestação de contas em as eleições futuras.

A liminar, na presente situação, visa à aceitação, pela Justiça Eleitoral, da prestação de contas do candidato realizada sem a necessidade do uso do sistema Microsoft Windows, por via tradicional em papel e com a correção do SPCE 2006 para seu funcionamento em Linux, MacOS e outros sistemas operacionais concorrentes da Microsoft.

Frisa-se, mais uma vez, que o impetrante faz absoluta questão de prestar contas corretamente, na data estipulada por lei, mas com seus direitos devidamente resguardados.

A esmagadora maioria dos doutrinadores, ao tratar do tema, não deixa dúvidas sobre o imperativo de concessão da liminar em casos como este. Assim, por exemplo:

“Na apreciação da relevância do fundamento, deve o juiz verificar, ainda que preliminarmente, sem aguardar as informações da autoridade coatora, a adequação do fato e do direito exposto e o periculum in mora. Se houver a ocorrência dos dois pressupostos, deverá outorgar a liminar.”


(PACHECO, José da Silva, Mandado de Segurança e outras Ações Constitucionais típicas, 4 ed., RT, São Paulo, 2002, p. 261, grifo nosso.)

Na mesma linha de raciocínio, confirmando a assertiva:

“A liminar não é uma liberalidade da Justiça; é uma medida acauteladora do direito do impetrante que não pode ser negada quando ocorrem seus pressupostos como, também, não deve ser concedida quando ausentes os requisitos de sua admissibilidade.” (MEIRELLES, Hely Lopes, Mandado de Segurança, 27 ed., Malheiros, São Paulo, 2004, p. 78, grifo nosso.)

Está cristalina, portanto, a presença dos dois pressupostos legais do pedido de liminar, e, mais do que isso, a necessidade patente de sua concessão como único caminho para efetivação dos direitos fundamentais do candidato.

6 — DO PEDIDO

Ante o exposto, requer o impetrante:

a) a concessão da liminar, para que a prestação de contas final da campanha, a ser entregue até 30 de outubro de 2006, (1) seja aceita pela Justiça Eleitoral em vias alternativas, impressas em papel sem o uso do software SPCE 2006, e de acordo com os formulários anexos da lei 9504/97, bem como (2) seja ordenada à autoridade coatora a imediata correção do software SPCE 2006 para que funcione sobre qualquer sistema operacional, permitindo que o candidato possa utilizá-lo em computadores com Linux e MacOS;

b) seja submetido o presente writ ao pleno deste colendo Tribunal, nos termos dos artigos 29 e 30 do Regimento Interno do TSE, para apreciação das mencionadas invalidades do ato coator em face da Constituição Federal;

c) seja determinado um prazo para que o departamento de tecnologia da informação do TSE corrija as irregularidades, adaptando o software SPCE para uso em qualquer sistema operacional moderno, tornando-o multiplataforma, a exemplo do software de declaração de imposto de renda da Receita Federal, preferencialmente antes do dia 30 de outubro, para que o candidato possa utiliza-lo na prestação final de contas de campanha e em eventuais retificações de prestações parciais;

d) seja, ao final, reconhecida, em caráter definitivo, a ilegalidade da imposição do uso exclusivo do sistema operacional de marca Microsoft Windows para utilização do software SPCE 2006 e ordenada a correção definitiva do SPCE 2006, bem como a facultatividade de seu uso;

e) seja ao final reconhecido seu direito a apresentar a prestação de contas da campanha impressa em papel segundo os anexos da lei 9504/97, se assim achar conveniente, independentemente da correção do software SPCE 2006;

f) seja notificada a autoridade coatora para prestar informações no prazo legal, como de direito, bem como a oitiva do Ministério Público.

Dá-se à causa, para fins de alçada, o valor de R$ 1.000,00.

Nesses termos, pede deferimento.

São Paulo, 19 de setembro de 2006.

Sergio Ruy David Polimeno Valente

OAB/SP N° 237.400

Rafael Gandara D´Amico

OAB/SP N° 240.747

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