Conflito de princípios

Presunção de inocência prevalece e Eurico é candidato

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20 de setembro de 2006, 21h10

O Brasil inteiro pode achar que Eurico Miranda é culpado, mas para a Justiça ele só pode ser condenado depois de julgado e de receber sentença definitiva. Eurico responde a oito processos criminais, mas nenhuma condenação com trânsito em julgado. É esta garantia constitucional que vai permitir que Eurico Miranda seja candidato a deputado federal nas próximas eleições. Pelo mesmo motivo, vários candidatos acusados — mas não condenados — de participar da máfia dos sanguessugas, do esquema do mensalão ou de outras falcatruas também deverão ter suas candidaturas confirmadas pelo TSE.

Depois de três prorrogações por pedidos de vista, o Tribunal Superior Eleitoral acatou, nesta quarta feira (20/9) o recurso de Eurico Miranda contra a rejeição do registro de sua candidatura. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro havia negado o pedido considerando o príncipio da moralidade. Eurico responde a oito processos criminais, nenhum deles com sentença definitiva. O julgamento estava empatado com três votos contra e três a favor do registro da candidatura de Eurico Miranda. O voto do desempate coube ao ministro Gerardo Grossi, um dos representantes da advocacia no TSE.

Grossi abraçou a tese dos ministros Marco Aurélio, presidente da Corte, Cezar Peluso e Marcelo Ribeiro que votaram a favor de Eurico Miranda apoiados no argumento de que o candidato só ficaria enelegível se fosse alvo de ação com condenação definitiva. “Eurico Miranda não é alvo de ação transitada em julgado. Isso é o que me basta para tê-lo como elegível”, disse Gerardo Grossi.

A regra está prevista na alínea “e”, inciso I, artigo 1º da Lei 64/90 (Lei das Inelegibilidades). De acordo com o dispositivo, serão inelegíveis: “os que forem condenados criminalmente, com sentença transitada em julgado, pela prática de crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública, o patrimônio público, o mercado financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e por crimes eleitorais, pelo prazo de 3 anos, após o cumprimento da pena”.Em seu voto de desempate Gerardo Grossi ressaltou que os ministros do TSE não são legisladores e têm de se ater ao teor da Lei 64/90.

Presunção de inocência

A tese foi lançada pelo ministro Marco Aurélio que disse que a Lei Complementar 64/90 é clara e prevê inelegibilidade para candidatos que sofram ação na Justiça apenas se já houver decisão final, transitada em julgado. “A Lei Complementar não diz o que é vida pregressa. Podemos potencializar o princípio da moralidade considerando o simples fato de o candidato responder a ações penais para impugnar sua candidatura? O vácuo deixado pelo Congresso autoriza o judiciário a legislar? Não somos legisladores”, disse Marco Aurélio.

O ministro chegou a dizer que o julgamento, provavelmente, não será entendido pela população, que objetiva “a punição daqueles que de alguma forma se mostrem, pelo menos no campo da presunção, como transgressores da ordem jurídica”. À população, então, resta fazer valer seu direito e dever de votar naquele que considera apto e idôneo, e deixar o candidato com folha corrida suja sem votos ou prestígio.

O ministro Cezar Peluso, que também votou pela aprovação do registro do candidato, disse que a negativa nesse caso seria um retrocesso. “Se não há transito em julgado e sentença final não podemos tirar seu direito a concorrer nas eleições. Não importa se ele responde um ou 10 processos penais.”

Peluso invocou a presunção de inocência assegurada no artigo 5º, inciso 57 da Constituição: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Britto rebateu os argumentos de Peluso, afirmando que não estava tratando de direitos individuais, e sim políticos.

Princípio da moralidade

Haviam votado contra Eurico Miranda os ministros Carlos Ayres Britto, Cesar Asfor Rocha e José Delgado apoiados na análise da vida pregressa do candidato, no princípio da moralidade e das condições de elegibilidade do candidato. Eurico Miranda é alvo de 8 ações penais, com acusações que vão de crime tributário, lesão corporal, a injuria, difamação e furto.

Para o ministro Carlos Britto, os direitos políticos não são pessoais. Estão vinculados a preservação de valores, disse o ministro. Ou seja, não é um ou outro cidadão que tem o direito de se candidatar e de votar, mas a coletividade que tem o direito de ver preservada a democracia no país.

“O eleitor não exerce direito para primeiramente se beneficiar. Seu primeiro dever, no instante mesmo em que exerce o direito de votar, é para com a afirmação da soberania popular e a autenticidade do regime representativo”, ambos valores coletivos, explicou Britto.

O mesmo vale para o candidato. Concorrer às eleições não é um direito individual seu. Para o ministro, o político está autorizado a se candidatar apenas para representar a coletividade. Já que os direitos políticos estão vinculados a valores, e não a pessoas, não há como descartar a idoneidade moral daquele que pretende representar a população.

O ministro Cesar Asfor Rocha seguiu a mesma linha: “No tocante ao exame do presente Recurso Ordinário, é certo que o princípio da presunção de inocência não pode ser desconhecido do exegeta constitucional, mas parece-me igualmente certo que ele (o intérprete da Constituição) também não pode ignorar, no que interessa aos institutos do Direito Eleitoral, a força normativa dos princípios da Carta Magna, em especial o dizer contido no art. 14, parág. 9º, ao impor a proteção da probidade e da moralidade públicas, quando se cuida de preconizar os casos em que ao cidadão se proíbe o direito de concorrer a cargo eletivo.”

O julgamento deverá nortear agora a aprecisção de outros recursos no TSE para registro de candidatura, como aqueles dos deputados Reinaldo Gripp (PL-RJ), Paulo Baltazar (PSB-RJ), Elaine Costa (PTB-RJ) e Fernando Gonçalves (PTB-RJ). Eles são alvo de investigação e estão sendo acusados de participar da máfia das ambulâncias, por suposta participação em esquema de compra superfaturada de ambulâncias. Os quatro deputados recorreram ao TSE depois de terem suas candidaturas rejeitadas pela Justiça Eleitoral do Rio de Janeiro.

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