Complexo de Vaticano

Passado de glória não livra OAB do controle do Estado

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19 de setembro de 2006, 16h19

A mensagem que Ordem dos Advogados do Brasil vem passando à sociedade de que não pode ser fiscalizada por qualquer instituição é perigosíssima para o funcionamento das instituições democráticas do país. Cuida-se, na verdade, de um enfoque mistificador para legitimar a reação a uma decisão do CNMP, que rejeitou a idéia de que Ministério Público não pudesse requisitar informações à OAB, com vistas à propositura de uma ação civil pública.

Não se nega à OAB os seus méritos de defensora das instituições democráticas, inclusive sua história de lutas contra a ditadura militar. Mas não foi ela a única instituição a empunhar essa bandeira. Muito devemos à Associação Brasileira de Imprensa, de Barbosa Lima Sobrinho, à União Nacional dos Estudantes, a setores da Igreja Católica e do próprio partido de oposição à época, o MDB, de Ulisses Guimarães, Tancredo Neves, Tarcilo Vieira de Melo, Josaphat Marinho, Paulo Brossard e tantos outros.

O que não se pode admitir, no entanto, é que, por conta desse passado de glória, pretenda a OAB viver à margem de controle do Estado, em uma democracia moderna como a nossa. Afinal, foi a OAB uma das principais instituições do país a pugnar pelo controle da Magistratura e do Ministério Público, que acabou por se consolidar com a criação do CNJ e do CNMP.

Vale lembrar que os argumentos hoje defendidos pela OAB para livrar-se de qualquer tipo de controle são os mesmos que alguns magistrados e membros do Ministério Público utilizavam-se para rechaçar a idéia de controle das instituições que integravam. Nada disso prevaleceu e os controles vieram como um reclamo da sociedade.

A OAB, no entanto, quando vê contrariados os seus interesses, justamente por um desses conselhos por cuja criação tanto pugnou, comporta-se como se estivesse sendo vítima do seu próprio “veneno”. E o faz valendo-se de idéias corporativas totalmente ultrapassadas.

Em defesa dessa tese esdrúxula, invoca uma decisão do antigo Tribunal Federal de Recursos que entendeu não estar a OAB sujeita à fiscalização do Tribunal de Contas. Cuida-se de uma decisão totalmente fora do tempo, proferida há mais de meio século, em 1951, quando vigia a Constituição de 1946. De lá para cá, tanta coisa mudou. Houve uma ditadura e duas constituições outorgadas, a de 1967 e a Emenda 1969. Adveio a democratização, a Constituição de 1988 e a Lei Complementar 75, que, em seu artigo 8º, inciso II, estabelece: “Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência: II — requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da administração pública direta ou indireta”.

No parágrafo 2º, o legislador garantiu ao Ministério Público o exercício pleno de suas atividades institucionais ao prescrever que “nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido”.

Foi com base nessas disposições legais que o Ministério Público Federal requisitou informações à OAB do Rio de Janeiro. O Ministério Público não interveio na OAB. Pretendeu apenas informações para a propositura de ação civil pública que julgava pertinente. Se a requisição do Ministério Público revelava-se abusiva, o Judiciário pode ser provocado para dizer da legalidade do ato.

A OAB não pode pretender viver no melhor dos mundos. Quando diz quem pode ou quem não pode advogar e quando promove execução fiscal, tem prerrogativas de Estado. Mas quando é fiscalizada, não é Estado. Será que pretende a OAB, diante de tantos privilégios que se arroga, ser elevada à condição de um Estado soberano à semelhança do Vaticano, sediado em Roma, dispensando-se ao seu presidente o tratamento de sua santidade?

Ora, num estado democrático de direito, onde até o presidente da República está sujeito à fiscalização interna, como de resto todas as demais instituições, como pode a Ordem pretender esquivar-se desse tipo de controle? A OAB, que gosta muito, mas muito mesmo de fiscalizar as outras instituições, não pode ofender-se, magoar-se e dramatizar quando é fiscalizada.

É de se reconhecer os relevantes serviços que prestou e presta à democracia brasileira, identifica-se as virtudes morais dos seus dirigentes, mas a honradez e o senso ético não são valores monopolizados. São bens comuns de uso legítimo e obrigatório das instituições e dos cidadãos.

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