Grampos ilegais

Se agente da lei faz, o marginal copia e faz também

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19 de setembro de 2006, 13h27

Dizem que o uso do cachimbo faz a boca torta. É ditado popular guardando extrema sabedoria. Uma tia velha dizia sempre que a molecada fazia bobagem. “Quem avisa, amigo é”. De fato, há anos, a partir da edição da famigerada lei da interceptação telefônica, inspirada em tendências nazilófilas de alguns, venho criticando, quase só, a neurótica vocação, hoje quase rotina, de contribuírem alguns setores do Ministério Público e do Poder Judiciário para a difusão do espiolhamento eletrônico.

Em princípio, só o juiz competente poderia autorizar tais manobras. Entretanto, caindo o grampeamento na rotina, esmeram-se os espiões na atividade espúria, crentes na posterior legalização de tarefas ilicitamente cumpridas. A técnica funciona assim: os espiolhadores grampeiam despudoradamente os investigados e, depois de obtido resultado incriminador, pedem e obtêm, com facilidade extrema, mandado judicial permitindo continuação.

A escuta, depois de devidamente editada por mãos e ouvidos sorrateiros, é gravada em discos e oferecida como prova nos procedimentos e ações penais então instaurados. O juiz recebe a prova anteriormente manipulada, reduzindo-a a variadas hipóteses de infrações penais. Em alternativa assemelhada, o conjunto é tratado como corpus instrumentorum, vindo a engrossar a tese inculpatória.

O Poder Judiciário, entusiasmado na porção mais jovem e menos prudente por manobras iguais, endossa o comportamento. Na medida em que o ser humano é eminentemente copiador, uns se espelham no exemplo do outro ou daquele que os antecedeu. Isso, paradoxalmente, funciona entre mocinhos e bandidos, num “troca-troca” paranóico. Aqui, se o agente da lei faz, o marginal copia e faz também.

Nesse sentido, a notícia de ter o Ministério da Justiça importado um super grampeador capaz de registrar marginalmente 200 ou mais ligações telefônicas estimula o infrator a fazer igual. É uma espécie de O retrato de Dorian Gray. Não há surpresa, portanto, na descoberta de interceptação ilícita de comunicações telefônicas feitas por ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, ressaltando-se que há muito tempo o articulista previra que a suprema corte seria vítima dos corsários da telefonia.

Aliás, o Ministério da Justiça, nesse e em outros pormenores, dá muito mau exemplo. Não sei por quais cargas d’água vem-me à cabeça o episódio dos crimes contra a exportação ilegal de animais silvestres. É como se impressionado com o descaminho para o exterior de algumas gaiolas contendo animais silvestres, o Ministério da Justiça tivesse mandado construir enorme engradado, visando comportamento igual.

Aqui, embora em extravagante contradição, valeria o refrão: “Se tu fazes pra mama, mama faz pra tu”. Obviamente, uns agem em nome da lei e outros contra. No fim de tudo, dá na mesma. O tratamento outorgado ao segredo, no país, transformou o sistema num imenso bordel. Ali, à maneira das casas de má-fama, há uma ética toda especial, correndo-se o risco de se verem, alguns intelectuais burgueses bem intencionados, seduzidos por “Dona Nhã-Nhã.” É o lado negro da lei, mas quem diz que ele não existe?

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