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O que diz o ministro Asfor Rocha sobre o caso do dossiê

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18 de setembro de 2006, 20h15

O corregedor-geral eleitoral, ministro Cesar Asfor Rocha, tem uma bomba nas mãos: trazer ou não para a esfera eleitoral a discussão sobre a tentativa de compra, pelo PT, do dossiê que comprometeria o candidato ao governo paulista José Serra com a máfia dos sanguessugas. Cabe a ele decidir se admite ou não o pedido de investigação judicial feito pelo PSDB contra o presidente Lula, o ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos e mais quatro petistas.

“Antes de qualquer coisa vou apreciar se a matéria tem conotação eleitoral. No caso de acolher o pedido de investigação, serão determinadas diligências e oitivas, que serão realizadas com o auxílio da Polícia Federal”, afirmou o ministro em entrevista concedida por telefone à revista Consultor Jurídico, nesta segunda-feira (18/9).

Falando em tese, o ministro diz que a compra de informações no âmbito da campanha eleitoral pode levar até à cassação do registro da candidatura, se colocada em um contexto de falsidade. Mas se as informações forem verdadeiras e forem usadas de forma adequada, não há crime algum.

Para Asfor Rocha, na atual conjuntura eleitoral, os partidos e candidatos têm consciência de que é mais arriscado cometer atos ilícitos. “Arriscam menos do que antes, porque agora está muito bem definida a posição do TSE de não transigir em relação aos princípios e de manter a lisura da campanha eleitoral.”

Leia a entrevista

ConJur — O PSDB apresentou pedido de investigação judicial contra o presidente Lula, o ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos e mais quatro pessoas ligadas ao PT em razão da tentativa de compra de um dossiê que comprometeria José Serra com a máfia dos sanguessugas. O senhor determinará a investigação?

Cesar Asfor Rocha — Antes de qualquer coisa vou apreciar o cabimento, a questão de admissibilidade. Ou seja, se a matéria tem conotação eleitoral. No caso de acolher o pedido de investigação, serão determinadas diligências e oitivas, que serão realizadas com o auxílio da Polícia Federal, instituição séria e que reputo como detentora do maior conceito.

ConJur — Quais as sanções possíveis nesse caso?

Cesar Asfor Rocha — Nesta representação, o PSDB pede que os investigados sejam declarados inelegíveis. Essa é a sanção possível.

ConJur — Comprar dossiê é crime?

Cesar Asfor Rocha — Depende da forma com que esse dossiê é utilizado, do desvirtuamento que possa ocorrer. Não vamos falar em dossiê, vamos falar em termos de um elemento de informação. Há ato ilícito se há trucagem, se a informação é colocada num contexto falso. Só o fato de uma pessoa entregar informações sobre circunstâncias verdadeiras e isso ser divulgado não caracteriza crime.

ConJur — Mesmo que seja utilizado na campanha eleitoral?

Cesar Asfor Rocha — Ainda que seja utilizado na campanha, se o fato é verdadeiro e a utilização é feita de forma escorreita, não há crime.

ConJur — Os TREs e o TSE têm sido chamados sistematicamente para reprimir práticas de propaganda ilegal. Há de tudo na tentativa de burlar a lei. Isso prova que o político brasileiro é um fora-da-lei em potencial?

Cesar Asfor Rocha — Eu não vejo dessa forma. O que acontece é que quando surge uma legislação nova — seja ela em que seara for, tributária, administrativa, penal — as pessoas têm uma tendência de, quando for da sua conveniência, dar uma interpretação que seja favorável ao seu intento. Por exemplo, as regras da minirreforma eleitoral e as resoluções baixadas pelo TSE modificaram as regras eleitorais, trouxeram coisa nova, e é preciso a adaptação a isso. Então, eu não acho espantoso o político procurar os pontos frágeis da legislação. É o que está ocorrendo agora. Mas a postura do TSE para manter a lisura do pleito é rigorosa. Evidente, que não vamos tolher de vez as manifestações que possam ser objeto de informação para o eleitor, mas o desvirtuamento tem sido punido com rigor por toda a Justiça Eleitoral. Todos os dias o TSE penaliza candidatos e partidos. E a atuação do TSE só não foi notada ainda na questão da prestação de contas porque não chegou o momento de enfrentar esse assunto.

ConJur — Partidos e candidatos fazem do recurso à Justiça uma estratégia de campanha?

Cesar Asfor Rocha — Ao menos no âmbito do TSE, como regra, como atuação preponderante, eu não vejo esse objetivo. Antes, até se poderia dizer que naquelas hipóteses da Súmula 1, em que havia a proposição de ação no âmbito da Justiça comum com o propósito de desconstituir as desaprovações ocorridas no âmbito dos tribunais de contas, aquelas ações, a maioria tinha nitidamente o propósito de evitar inelegibilidade, contando com a morosidade que muitas vezes ocorre na Justiça comum. Mas no que diz respeito à publicidade, invasão de horário de propaganda, o propósito não parece ser tumultuar porque se verifica que a maioria das representações é procedente. O problema é que há uma zona cinzenta muito grande do que é consentido e do que proibido pela Justiça Eleitoral. São muito freqüentes essas situações em que essa zona cinzenta não deixa identificar com nitidez o que pode e o que é proibido.

ConJur — E, na dúvida, o candidato sempre faz.

Cesar Asfor Rocha — Na dúvida, ele faz. Ou pratica o ato e depois pode ser punido ou então o adversário entra com uma ação procurando inibir. Mas eu não tenho visto ações com cunho nitidamente político.

ConJur — O senhor disse que ainda não é hora de enfrentar o assunto da prestação de contas, mas qual sua percepção sobre o assunto? Uma reforma foi feita para baratear a campanha, mas as declarações de intenção de gastos aumentaram. Os números são de fato mais próximos da realidade?

Cesar Asfor Rocha — Sim, os números estão mais condizentes com a realidade. Nas eleições de 2002, o total de gastos apresentados por partidos e candidatos foi de aproximadamente R$ 8 bilhões. E naquela época era permitida a propaganda por meio de showmícios, outdoors e outros brindes. Esses itens, dizem os entendidos, importavam em 40% dos gastos de campanha. Então, se cortarmos esses itens, podemos dizer que a campanha das eleições passadas custou R$ 5 bilhões. Este ano, a previsão é de aproximadamente R$ 20 bilhões. Eu interpreto isso como uma consciência de que agora as instituições vão agir com mais rigor, sobretudo a Justiça Eleitoral, no combate a irregularidades e ao caixa 2. E agora o que se diz é que esses valores não serão alcançados porque há uma dificuldade muito grande de doações, porque hoje as doações são mais transparentes e serão mais fiscalizadas. Qualquer doação tem de ser feita com cheque nominal ou transferência bancária identificada. Os candidatos são considerados como entidade jurídica e as despesas têm de ter referência de CNPJ. E ainda houve os escândalos que intimidaram os doadores.

ConJur — Por que o doador de campanha não gosta de se identificar?

Cesar Asfor Rocha — Quem doa pode doar ou por uma questão meramente ideológica, para ajudar um candidato ou partido de sua preferência, ou por algum interesse. Para recompensar algum benefício recebido, benefício lícito, não estou falando de ilícitos. Há também o objetivo de cair nas boas graças de quem for eventualmente eleito. E hoje, como as doações são transparentes e serão acessíveis pela internet no final da campanha, todo mundo vai saber quem ajudou quem. E se amanhã esses doadores vêm a ser contemplados, pode haver uma ilação de que esses benefícios sejam decorrentes daquela ajuda na campanha. E isso, talvez, tenha assustado um pouco.

ConJur — Essa campanha está mais limpa. Mas, justamente por ser menos menos espetacular, menos show, nota-se uma grande indiferença da população. O senhor acha que uma coisa se relaciona com a outra?

Cesar Asfor Rocha — Não. Muito da indiferença vem do fato de escândalos que são conhecidos de todos nós. É importante ressaltar, apesar de toda a indignação contra o Congresso Nacional, que a depuração tem sido feita pelo próprio Congresso. Muitas vezes sem punir aqueles que se apresentam como infratores aos olhos da população, mas tem feito algo. Eu penso que esses fatos recentes criaram certa descrença ao povo com relação à classe política.

ConJur — A propaganda eleitoral está esclarecendo melhor as pessoas?

Cesar Asfor Rocha — Ainda não. Não está esclarecendo mais, mas também está desvirtuando menos. Na medida em que foi disciplinada a propaganda pela TV e rádio, evitando trucagem, cenas externas, se evitou desvios que possam afetar o propósito da propaganda. Porque o propósito da propaganda é o de o eleitor conhecer melhor seus candidatos, mas os candidatos são tantos e espaço é tão curto que os candidatos a cargos proporcionais não transmitem mensagem nenhuma senão dizer que são candidatos.

ConJur — O TSE acabou com a farra de candidatos que tiveram contas rejeitadas por tribunais de contas, proibiu diversas propagandas institucionais do governo federal, enfim, endureceu as regras do jogo eleitoral. Qual o impacto mudança de comportamento do TSE nas eleições?

Cesar Asfor Rocha — Hoje, os partidos e candidatos estão absolutamente conscientes de que é mais arriscado cometer atos ilícitos. Arriscam menos do que antes, porque agora está muito bem definida a posição do TSE de não transigir em relação aos princípios e de manter a lisura da campanha eleitoral. O discurso do presidente Marco Aurélio foi claro, e o tribunal corroborou o discurso e endureceu o jogo na interpretação das regras. A multa de R$ 900 mil aplicada ao presidente da República é alta. O recente caso da Súmula 1 do TSE também mostra isso. Esses sinais são benéficos para essas eleições, mas serão muito mais benéficos para as eleições vindouras.

ConJur — Recentemente, o senhor proibiu propaganda institucional da Petrobras e o TSE já proibiu diversas campanhas governamentais. Isso mostra que o TSE está mais atento ao uso da máquina administrativa ou os candidatos estão abusando mais?

Cesar Asfor Rocha — Na verdade, nós não temos tradição de reeleição. Particularmente, eu acho que é um instituto que não deveria estar presente da legislação brasileira e sou favorável a que seja suprimida a permissão de reeleição para cargos executivos. Por conta dessa falta de experiência, as pessoas não sabem com exatidão o que pode ou não ser feito. É uma linha muito tênue a que separa a conduta do ocupante do cargo executivo da conduta do candidato à reeleição. É muito difícil definir com exatidão o que é possível e o que não é, a não ser na análise do caso concreto.

ConJur — O que deve prevalecer no Direito Eleitoral: o princípio da moralidade administrativa ou o da presunção de inocência?

Cesar Asfor Rocha — Quando nós analisamos se vamos aplicar uma norma ou outra norma, um dispositivo de lei ou outro, e escolhemos um em lugar do outro, um afasta o outro. Ou seja, você aplica um dispositivo ou aplica outro, quando eles são antagônicos. Com relação aos princípios, eles não se anulam, eles se amoldam. Então há um ajustamento. Por exemplo, na questão da Súmula 1, nós ajustamos os dois princípios. No caso, a lei diz que, quando a conta é desaprovada na esfera administrativa, o ingresso de uma ação na Justiça comum para desconstituir o ato administrativo já garante a condição de elegibilidade. Mas outros dispositivos exaltam a probidade e moralidade administrativa. Então, foi no ajustamento desses dois princípios que nós estabelecemos que o candidato terá de obter a suspensão da decisão administrativa na Justiça comum ou a Justiça Eleitoral terá de reconhecer a idoneidade da ação que contesta a decisão do tribunal de contas. Já agora, estamos decidindo se apenas o trânsito em julgado de uma ação penal afasta a condição de elegibilidade [Caso da candidatura de Eurico Miranda]. Nós temos manifestações dos dois lados: três ministros — Marco Aurélio, Cezar Peluso e Marcelo Ribeiro — votaram pela presunção da inocência. Já o ministro Carlos Ayres Britto já achou que deveria se dar ênfase ao princípio da moralidade.

ConJur — A urna eletrônica é segura?

Cesar Asfor Rocha — Absolutamente segura. Não há nenhuma reclamação que possa colocar em dúvida a lisura da urna. A urna eletrônica é uma criação admirável, brasileira e segura, porque no momento em que o voto é processado, não há contágio nenhum ou contato com internet. A urna é uma unidade isolada, como uma ilha. Não há uma reclamação pertinente dando conta de que a urna seja vulnerável.

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