Recurso oportunista

Leia voto que diz que ação anulatória não viabiliza candidatura

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15 de setembro de 2006, 7h00

O Tribunal Superior Eleitoral reafirmou o entendimento de que a simples propositura de ação contra negativa de registro de candidatura não torna o candidato elegível. A decisão foi tomada na quarta-feira (13/9), no Tribunal Superior Eleitoral, que negou registro de candidatura para o ex-prefeito de Tremembé, que queria se candidatar a deputado estadual, Orozimbo Lúcio da Silva (PSDB).

O voto condutor foi do ministro Carlos Ayres Britto. “O dilatado tempo entre as decisões que rejeitaram as contas e a propositura das ações anulatórias evidencia o menosprezo da autoridade julgada para com os seus julgadores”, disse Britto.

O relator do recurso do MPE, ministro Carlos Ayres Britto entendeu que o candidato usou de litigância de má-fé uma vez que entrou com ações contra os decretos legislativos que rejeitaram sua contabilidade muito tempo depois de ter as contas rejeitadas.

Para Britto, o instrumento foi utilizado apenas para que o candidato pudesse se enquadrar na alínea “g”, artigo 1º da Lei das Inelegibilidades: “os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos cinco anos seguintes, contados a partir da data da decisão”. Ou seja, o simples fato de entrar com ação na Justiça contra decisão que rejeitou contas permite ao candidato continuar concorrendo a cargo.

Leia a íntegra do voto

RECURSO ORDINÁRIO 963 – SÃO PAULO (SÃO PAULO)

Relator: MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

RECORRIDO: OROZIMBO LÚCIO DA SILVA

ADVOGADO: PAULO SÉRGIO MENDES DE CARVALHO

EMENTA

REGISTRO DE CANDIDATURA. CANDIDATO A DEPUTADO ESTADUAL. CONTAS REJEITADAS PELO PODER LEGISLATIVO MUNICIPAL. EX-PREFEITO. RECURSO PROVIDO PARA INDEFERIR O REGISTRO.

1. O dilatado tempo entre as decisões que rejeitaram as contas e a propositura das ações anulatórias evidencia o menosprezo da autoridade julgada para com o seus julgadores.

2. O ajuizamento da ação anulatória na undécima hora patenteia o propósito único de buscar o manto do enunciado sumular nº 1 deste Superior Eleitoral. Artificialização da incidência do verbete.

3. A ressalva contida na parte final da letra ‘g’ do inciso I do art. 1º da Lei Complementar nº 64/90 há de ser entendida como a possibilidade, sim, de suspensão de inelegibilidade mediante ingresso em juízo, porém debaixo das seguintes coordenadas mentais: a) que esse bater às portas do Judiciário traduza a continuidade de uma “questão” (no sentido de controvérsia ou lide) já iniciada na instância constitucional própria para o controle externo, que é, sabidamente, a instância formada pelo Poder Legislativo e pelo Tribunal de Contas (art. 71 da Constituição); b) que a petição judicial se limite a esgrimir tema ou temas de índole puramente processual, sabido que os órgãos do Poder Judiciário não podem se substituir, quanto ao mérito desse tipo de demanda, a qualquer das duas instâncias de Contas; c) que tal petição de ingresso venha ao menos a obter provimento cautelar de explícita suspensão dos efeitos da decisão contra a qual se irresigne o autor. Provimento cautelar tanto mais necessário quanto se sabe que, em matéria de contas, “as decisões do tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo” (§ 3º do art. 71 da Lei Constitucional).

4. Recurso ordinário provido.

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso ordinário eleitoral, manejado contra acórdão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. Acórdão assim ementado (fl. 85):

“REGISTRO DE CANDIDATO. IMPUGNAÇÃO. AUSÊNCIA DE DOCUMENTO. IRREGULARIDADE SANADA. REJEIÇÃO DE CONTAS. AÇÃO ANULATÓRIA PROPOSTA ANTES DA IMPUGNAÇÃO. IMPUGNAÇÃO IMPROCEDENTE. DEFERIMENTO DO REGISTRO”.

2. Pois bem, sustenta o Parquet Eleitoral que o recorrido teve suas contas rejeitadas pelo Poder Legislativo do Município de Tremenbé/SP. Contas alusivas aos exercícios de 1999, 2000 e 2001, sendo que a rejeição se deu por meio dos Decretos-Legislativos nºs 111, 117 e 112, publicados em 27.08.2004, 13.12.2000 e 20.10.2004, respectivamente. Daí entender que o acórdão regional, ao deferir o registro do candidato, violou a alínea g do inciso I do art. 1º da Lei Complementar nº 64/90.

3. Vai além o recorrente para sustentar que a ação anulatória – ajuizada pelo recorrido – foi proposta com o único objetivo de artificializar a incidência da Súmula 1 deste Superior Eleitoral. Donde argumentar que “as ações ajuizadas pelo ora recorrido objetivando desconstituir aludidos Decretos Legislativos foram protocoladas muito tempo depois daqueles terem sido publicados (26/06/2006) e pouco tempo antes do prazo para o requerimento do registro da candidatura em exame (05/07/2006), ou seja, às pressas, na última hora, motivo pelo qual, diversamente do quanto decidido no v. Acórdão guerreado, tem-se por inafastável a conclusão de que tais Ações Anulatórias, por terem sido ajuizadas de afogadilho, revelam seu propósito de burla à lei das inelegibilidades, não podendo, assim, ser admitida como caracterizadora do afastamento da inelegibilidade” (fl. 101).


4. Em contra-razões ao recurso ordinário, aduz a parte recorrida que a mera propositura da ação anulatória suspende sim a inelegibilidade da alínea g do inciso I do art. 1º da Lei Complementar nº 64/90. Ressaltando que “o suposto retardamento para ingresso no Poder Judiciário não ocorreu, pois as ações foram ajuizadas apenas um ano e meio após as decisões camarárias, eis que os Decretos atacados foram publicados em agosto, setembro e dezembro de 2004” (fl. 113).

5. A seu turno, a douta Procuradoria-Geral Eleitoral é pelo provimento do recurso. É o que se vê da seguinte passagem do parecer da lavra do ilustre Vice-Procurador-Geral Eleitoral Francisco Xavier Pinheiro Filho (fls. 119-121):

“(…)

No caso em testilha, o Recorrido ajuizou ações anulatórias com o fito de desconstituir Decretos Legislativos expedidos pela Câmara Municipal de Taubaté em 2000 e 2004, referentes à rejeição de suas contas nos exercícios de 1999, 2000 e 2001, período em que exerceu o cargo de Prefeito naquela urbe.

Cotejando as datas em que os decretos legislativos foram expedidos (13.12.2000, 27.08.2004 e 20.10.2004) com a data em que o Recorrido ajuizou as referidas ações anulatórias (25.06.2006), exsurge evidente o seu instituto de burlar a Lei das Inelegibilidades e beneficiar-se com a incidência do verbete sumular nº 01 deste Colendo Tribunal Superior Eleitoral.

Desta feita, caracterizado está o intuito meramente protelatório, porquanto as ações anulatórias foram propostas de afogadilho, às vésperas do prazo final para o registro de sua candidatura, razão pela qual o aresto fustigado deve ser reformado, sob pena de ratificar a manobra do Recorrido para afastar a incidência do art. 1º, inciso I, alínea “g”, da Lei Complementar nº 64/90. Demais disso, impende ressaltar que não há nos autos notícia de que o Recorrido tenha pleiteado medida liminar com o fito de suspender os efeitos das decisões que rejeitaram as suas contas.

(…)”.

VOTO

Bem vistas as coisas, tenho que o recurso merece prosperar. Não só porque o recorrido teve sua prestação de contas irrecorrivelmente rejeitadas pelo Poder Legislativo do Município de Tremenbé/SP, alusivamente aos exercícios 1999, 2000 e 2001, decisões, essas, cristalizadas nos Decretos-Legislativos nºs 117, 111 e 112, datados de 2000, 2004 e 2004, respectivamente (fls. 26-28), como pela consideração inicial de que somente em 26 de junho de 2006 é que o recorrido ajuizou ações para desconstituir todos esses Decretos-Legislativos. Já praticamente às vésperas do prazo-limite para os pedidos de registro de candidatura em eleição geral. A disfarçar, com isso, o seu único propósito de forçar a incidência do verbete nº 1 da Súmula deste nosso Superior Eleitoral.

7. De se ver, nesse rumo de idéias, que foi precisamente para impedir a manipulação astuciosa da Justiça Eleitoral que se deu a prolação dos acórdãos TSE nos Recursos Ordinários nºs 931 e 678, rels. Ministro Cesar Asfor Rocha e Min. Fernando Neves da Silva, respectivamente, assim ementados:

“RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÃO 2006. IMPUGNAÇÃO. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. REJEIÇÃO DE CONTAS. AÇÃO ANULATÓRIA. BURLA. INAPLICABILIDADE DO ENUNCIADO Nº 1 DA SÚMULA DO TSE. RECURSO PROVIDO.

– A análise da idoneidade da ação anulatória é complementar e integrativa à aplicação da ressalva contida no Enunciado nº 1 da Súmula do TSE, pois a Justiça Eleitoral tem o

poder-dever de velar pela aplicação dos preceitos constitucionais de proteção à probidade administrativa e moralidade para o exercício do mandato (art. 14, § 9º, CF/88).

– Recurso provido”.

“Registro de candidato – Rejeição de contas – Inelegibilidade – Pedido de registro ao cargo de senador – Impugnação – Renúncia – Interposição de ação desconstitutiva – Pedido de registro para o cargo de deputado federal em vaga remanescente – Impossibilidade.

Análise da natureza das irregularidades – Recurso ordinário – Processo eleitoral – Fase – Proximidade da eleição – Possibilidade.

1. A ação desconstitutiva ajuizada como manobra para afastar a incidência do art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90 não tem o condão de afastar a inelegibilidade.

2. A proximidade das eleições justifica que o TSE proceda, desde logo, ao exame das irregularidades, verificando se são insanáveis.

3. Recurso provido”.

8. Com efeito, os enunciados em foco tiveram por base de inspiração a alínea g do inciso I do art. 1º da Lei Complementar nº 64, de 18.5.90. Lei Complementar, a seu turno, expedida por expressa convocação do § 9º do art. 14 da Constituição de 1988, para o fim específico de estabelecer “outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”. Enunciado que a Emenda de Revisão nº 04/93 ampliou para nele embutir “a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato”. Logo, não comporta esse diploma legal-complementar outra exegese que não seja a de servir ao superior desígnio constitucional de garantir a autenticidade da democracia representativa, mediante: a) irrestrita observância ao princípio da moralidade; b) coibição tanto do abuso do poder econômico quanto do exercício de cargo, função ou ainda emprego nos quadros estatais. Sendo que a moralidade é exigida sob duas perspectivas ou dimensões: a probidade administrativa em geral e aquela especialmente exigida para o exercício de eventual mandato popular. O que explica, já se vê, a referência que faz o dispositivo maior à “vida pregressa do candidato”, a ser obrigatoriamente “considerada”.


9. Pois bem, assim expressamente vinculada à concretização do citado princípio constitucional, a Lei Complementar nº 64/90 só pode ensejar interpretação – reitere-se – rigorosamente obsequiosa de tal finalidade. Pelo que a ressalva contida na parte final da letra “g” do inciso I do seu art. 1º da Lei Complementar nº 64/90 há de ser entendida como a possibilidade, sim, de suspensão de inelegibilidade mediante ingresso em Juízo, porém debaixo das seguintes coordenadas mentais:

I – que esse bater às portas do Judiciário traduza a continuidade de uma “questão” (no sentido de controvérsia ou lide) já iniciada na instância constitucional própria para o controle externo, que é, sabidamente, a instância formada pelo Poder Legislativo e pelos Tribunais de Contas, a teor do art. 71 da Constituição; vale dizer, propósito defensivo já formalizado no âmbito mesmo de um processo de contas que a própria Constituição autonomizou em face do processo judicial propriamente dito;

II – que a petição judicial se limite a versar tema ou temas de índole puramente processual, sabido que os órgãos do Poder Judiciário não podem se substituir, quanto ao mérito desse tipo de demanda, a qualquer das duas instâncias de Contas, à semelhança do que sucede com os Tribunais Judiciários a que eventualmente se recorra das decisões do júri;

III – enfim, que tal petição de ingresso venha ao menos a obter provimento cautelar de explícita suspensão dos efeitos da decisão contra a qual se irresigne o autor. Provimento judicial tanto mais necessário quanto se sabe que, em matéria de contas, “as decisões do tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo” (§ 3º do art. 71 da Lei Constitucional).

10. Ora bem, é de se perguntar: no caso vertente, os autos dão notícia de uma controvérsia ou discussão travada desde as instâncias de controle externo, a patentear a irresignação da autoridade afinal condenada no exame de suas contas? O ingresso da parte passiva em juízo versou questão exclusivamente processual, isto é, teve a fundamentá-lo argüição de descumprimento de qualquer das garantias constitucionais do processo? A instância judiciária a que se recorreu fez uso do seu poder decisório final, ou, ao menos, do seu poder de cautela em favor do acionante? A resposta é negativa. Esse entrelaçado conjunto de circunstâncias não figura dos autos sub judice, a escancarar que o demandante está a fazer uso do Poder Judiciário apenas como artificial mecanismo de incidência da ressalva que se contém na parte final da alínea “g” do inciso I do art. 1º da Lei Complementar nº 64/90. Deslembrado de que o Direito só é um sistema de normas por se revestir dos atributos da unidade, coerência e plenitude, a partir de uma Constituição Positiva (ao menos nos países filiados ao sistema romano-germânico de Direito). E que, na aplicação das leis, o juiz não pode se desapegar “dos fins sociais a que elas se destinam e das exigências do bem comum” (art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro).

11. Tem-se, aqui, dessarte, um caso típico de contraposição entre dois caracterizados propósitos: de um lado, o intuito de um sistema de Direito Positivo que encaixa toda eleição geral nos moldes da mais depurada autenticidade; de outra banda, o intuito pessoal de, por vias processuais sinuosas, apenas legitimar na aparência esse mesmo sistema de Direito Positivo a resultados diametralmente opostos àqueles para os quais foi ele concebido. Resultados contrários àquelas finalidades que são o mais eloqüente testemunho da contemporaneidade axiológica ou valorativa da Constituição de 1988. Como se as vias judiciais e as normas de processo existissem para, a golpes de esperteza, redirecionar o nosso Direito Material para a zona cinzenta das proclamações meramente retóricas. A viagem de volta para o nevoeiro de um tempo que a nossa Constituição em tão boa hora soterrou.

12. Em síntese, o tão explícito quanto firme compromisso da Constituição é com a vigência de uma ordem eleitoral timbrada pela autenticidade democrático-representativa. Um regime político-representativo isento de vícios morais e da abusiva influência dos detentores assim do poder econômico como do poder estatal. Daí porque faz uso de expressões como “probidade administrativa” e “moralidade para o exercício do mandato”, “considerada a vida pregressa do candidato”, de parelha com a proteção da “normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”. E para velar por essa depurada espécie de ordem eleitoral é que o Magno texto Federal instituiu, justamente, uma especializada Justiça Eleitoral, que tem nesta nossa Corte Judicante o seu órgão de cúpula. Órgão de cúpula, enfim, cada vez mais atento – como no caso – ao particularizado modo como os administradores públicos têm as suas contas julgadas pelos órgãos próprios do “Controle Externo”, que são as Casas Legislativas e os Tribunais de Contas.

13. Com estes fundamentos e estas considerações, dou provimento ao recurso ordinário para indeferir o registro da candidatura da parte recorrida. É como voto.”

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