Período proibido

Governo de Mato Grosso deverá anular contratações irregulares

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15 de setembro de 2006, 7h00

O governo de Mato Grosso deverá anular todas as contratações temporárias da Secretaria de Educação feitas após o dia 1º de julho deste ano. A decisão é do Pleno do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso.

O tribunal julgou procedente o recurso do Ministério Público Eleitoral e reformou sentença monocrática. Os juizes também impuseram multa individual de R$ 25 mil ao governador de Mato Grosso, Blairo Maggi; à secretária de Educação do estado, Ana Carla Muniz; e a coligação Mato Grosso Unido e Justo (PP e PFL) a favor da reeleição do governador.

O relator, juiz Gilberto Vilarindo dos Santos, entendeu que não há que se desconsiderar a importância da educação e a obrigatoriedade de sua oferta pelo estado como estipula a Constituição Federal, mas que o artigo 73, inciso 5º, da Lei 9.504/97 (Lei das Eleições), é claro quanto à proibição de contratações no período de três meses antes da eleição até a posse dos eleitos.

O juiz federal José Pires da Cunha acompanhou o voto do relator. “Não pode um fato de momento justificar a prática da ilegalidade”, disse. Ao votar pela nulidade das contratações, o juiz Antônio Horácio da Silva Neto apenas pediu a redução do valor da multa para R$ 5 mil.

Divergiram do relator o desembargador Sebastião Moraes Filho e a juíza substituta Marilsen Andrade Adário, por entenderem que a educação é um serviço essencial.

Veja a íntegra do voto do relator

PROCESSO Nº 538/2006 – CLASSE XI RECURSO ELEITORAL

RECORRENTES: BLAIRO BORGES MAGGI, MPE E OUTROS

RECORRIDOS: MPE E OUTROS

RELATÓRIO

ANA CARLA LUZ BORGES LEAL MUNIZ, BLAIRO BORGES MAGGI, COLIGAÇÃO MATO GROSSO UNIDO E JUSTO, ESTADO DE MATO GROSSO e o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL interpõem Recurso visando reformar a decisão de fls. 1.000/1.006, também atacada pelos quatro primeiros Recorrentes via Embargos de Declaração, rejeitados ante a ausência da omissão e contradição alegadas (fls. 1.060/1.065).

A decisão impugnada julgou procedente Representação ofertada pelo ÓRGÃO MINISTERIAL contra ANA CARLA LUZ BORGES LEAL MUNIZ, BLAIRO BORGES MAGGI e a COLIGAÇÃO MATO GROSSO UNIDO E JUSTO, por infração ao disposto no art. 73, V, da Lei nº 9.504/97, que proíbe a contratação, dispensa, nomeação, remoção ou qualquer outro ato funcional dirigido a servidor público, nos três meses que antecedem o pleito até a posse dos eleitos, aplicando-lhes, individualmente, multa eleitoral no valor de 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), nos termos do § 7º do art. 34 da Resolução nº 22.261/06-TSE.

Em suas razões, ANA CARLA LUZ BORGES LEAL MUNIZ (fls. 1.070/1.104), BLAIRO BORGES MAGGI (fls. 1.105/1.140) e o ESTADO DE MATO GROSSO (fls. 1.151/1.188) sustentam, em suma, que a decisão singular censurada, tal como os Embargos de Declaração, nega vigência aos artigos 205 e 208 da Magna Carta de 1988 e àqueles correspondentes previstos na Constituição Estadual Mato-grossense e na legislação infraconstitucional correlata, que tratam a educação como dever do Estado e disciplinam a organização, modo, forma e funcionamento dos Órgãos e Entidades de ensino que devem e como devem prestá-la e fiscalizá-la.

Sustentam, ainda, que a referida decisão ignorou o art. 37, inciso IX, da Constituição Republicana/88, que prevê a necessidade de lei para dispor sobre os casos de contratação temporária de excepcional interesse público, vindo esta a integrar o ordenamento normativo sob o nº 8.745, em 09/12/1993.

Aduzem, por conseguinte, que a contratação temporária de professores e de agentes auxiliares da educação, dentro daquele período, está amparada na exceção da alínea “d” do aludido dispositivo (art. 73, V, da Lei nº 9.504/97), em razão da essencialidade de tais serviços.

Em arremate, citam lição doutrinária a respeito da essencialidade do serviço de educação, pedem que cada ponto normativo citado nos Recursos seja apreciado e pugnam, por fim, pela reforma da decisão objurgada.

A COLIGAÇÃO MATO GROSSO UNIDO E JUSTO (fls. 1.141/1.150), por sua vez, aduz que a multa eleitoral que lhe foi aplicada não pode subsistir, porquanto a Recorrente não possui responsabilidade sobre as contratações objeto da Representação, razão porque requer o provimento do recurso visando sua exclusão da lide e conseqüente desconstituição da cominação pecuniária respectiva.

Já o recurso apresentado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (fls. 1.203/1.210) pretende reformar o decisum quanto a seus efeitos, para que todas as contratações temporárias realizadas pelo Estado de Mato Grosso, a partir de 1º/07/2006, sejam efetivamente declaradas nulas.

Apresentaram contra-razões aos recursos o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (fls. 1.190/1.201), a COLIGAÇÃO MATO GROSSO UNIDO E JUSTO (fls. 1.213/1.218), onde alega, preliminarmente, intempestividade do apelo manejado pelo Órgão Ministerial, além do ESTADO DE MATO GROSSO (fls. 1.219/1.250).


É o relatório.

VOTO

Primeiramente, passo à análise das preliminares argüidas.

Assim, quanto aos pressupostos extrínsecos dos recursos em exame, seguindo a ordem processual, verifico que o apelo interposto pelo Parquet NÃO É INTEMPESTIVO, muito embora haja termo de vista do feito ao Órgão Ministerial datado do dia 28/08/2006 (fl. 1.189), que equivale a sua intimação, tendo a peça recursal sido protocolizada somente no dia 30/08/2006, às 09 horas e 44 minutos.

Ocorre que, de acordo com o protocolo de recebimento e envio de processos (SADP) utilizado pela Secretaria deste Sodalício, o Órgão Ministerial só recebeu estes autos, efetivamente, no dia 29/08/2006, às 10 horas e 36 minutos.

Destarte, o referido apelo encontra-se em conformidade com o prazo de 24 horas previsto no art. 9º da Resolução nº 22.142/06-TSE, razão pela qual DESACOLHO a preliminar argüida para conhecer o recurso manejado pelo Parquet, eis que TEMPESTIVO.

É como voto com relação à primeira preliminar.

No que tange ao recurso manejado pela Coligação MATO GROSSO UNIDO E JUSTO, tendente a exclui-la da lide ante à falta de sua responsabilidade nos fatos versados na Representação, tenho que tal argumento não prospera, eis que os Partidos Políticos e as Coligações são responsáveis pelos atos de seus candidatos quando em decorrência deles obtiverem benefícios, de acordo com a regra prevista no § 4º do art. 73 da Lei nº 9.504/97.

A responsabilidade, no caso, afigura-se presumida, quer os Entes Partidários tenham ou não participado diretamente da conduta vedada, posto que o proveito auferido pelo candidato igualmente o será pelo Partido ou Coligação por que se candidatara.

Então, rejeito de igual modo a preliminar argüida pela Coligação MATO GROSSO UNIDO E JUSTO sobre seu pedido de exclusão do feito. É como também voto.

Mérito. Examino, conjuntamente, a matéria de fundo dos recursos tidos como tempestivos.

Observo que os Recorrentes insistem em alegar a essencialidade dos serviços de educação e dos auxiliares a estes, ante as disposições constitucionais e infraconstitucionais sobre o assunto.

Na verdade, defendem a essencialidade dos serviços de educação da mesma forma como defendem a daqueles que são prestados por outros profissionais, a exemplo de motoristas, faxineiros e merendeiras, tão-só porque, na linha de tal lógica, a execução dos primeiros prescinde da existência destes últimos.

Por óbvio, não há essencialidade na contratação de nenhum desses serviços, que talvez se revelaria presente na ocorrência de um caso fortuito ou de força maior.

Muito embora a Carta Política de 1988 (art. 205 e art. 208) prime pelo dever do Estado em oferecer educação à sociedade, tal como a legislação infraconstitucional citada, notadamente a de nível fundamental, que se revela a mais importante para a integração sócio-cultural do indivíduo, referido preceito (educação) não se insere no conceito de serviço essencial.

O conceito dos serviços considerados essenciais e sua descrição não são encontrados nem na própria CR/88, nem na legislação ordinária do Estado de Mato Grosso.

Ao regulamentar o direito de greve, também previsto constitucionalmente (art. 9º), a Lei 7.783, de 28/06/1989, assim dispõe, verbis:

Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:

I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

II – assistência médica e hospitalar;

III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;

IV – funerários;

V – transporte coletivo;

VI – captação e tratamento de esgoto e lixo;

VII – telecomunicações;

VIII – guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;

IX – processamento de dados ligados a serviços essenciais;

X – controle de tráfego aéreo;

XI – compensação bancária.

No artigo seguinte, previu:

Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

Parágrafo único. São necessidades inadiáveis da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.

Parece não haver dúvida, igualmente, de que o rol do artigo 10 em destaque, onde não constam os serviços de educação e, muito menos, aqueles que se afiguram apenas como seus auxiliares (motoristas, faxineiros e merendeiras), é inequivocamente taxativo, não apenas exemplificativo, daí porque não comporta interpretação extensiva do intérprete do direito, tampouco discricionariedade do administrador.


Para corroborar, cito o aresto da Corte Superior acerca do assunto em comento, in nota:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – CONTRADIÇÃO – INEXISTÊNCIA.

1. A contratação e demissão de servidores temporários constitui, em regra, ato lícito permitido ao administrador público, mas que a lei eleitoral torna proibido, nos três meses que antecedem a eleição até a posse dos eleitos, a fim de evitar qualquer tentativa de manipulação de eleitores.

2. A contratação temporária, prevista no art. 37, IX, da Constituição Federal, possui regime próprio que difere do provimento de cargos efetivos e de empregos públicos mediante concurso e não se confunde, ainda, com a nomeação ou exoneração de cargos em comissão ressalvadas no art. 73, V, da Lei nº 9.504/97, não estando inserida, portanto, na alínea desse dispositivo.

3. Para configuração da conduta vedada pelo art. 73 da Lei das Eleições, não há necessidade de se perquirir sobre a existência ou não da possibilidade de desequilíbrio do pleito, o que é exigido no caso de abuso de poder.

4. As condutas vedadas no art. 73 da Lei nº 9.504/97 podem vir a caracterizar, ainda, o abuso do pode político, a ser apurado na forma do art. 22 da Lei Complementar nº 64/90, devendo ser levadas em conta as circunstâncias, como o número de vezes e o modo em que praticadas e a quantidade de eleitores atingidos, para se verificar se os fatos têm potencialidade para repercutir no resultado das eleições.

5. O uso da máquina administrativa, não em benefício da população, mas em prol de determinada candidatura, reveste-se de patente ilegalidade, caracterizando abuso do poder político, na medida em que compromete a legitimidade e normalidade das eleições.

6. Embargos rejeitados.

(REsp. nº 21.167 – DJ 12/09/2003 – classe 22 – Espírito Santo – Relator Ministro Sepúlveda Pertence).

Diante disso, impõe-se observar que a decisão impugnada pelos Recorrentes – ANA CARLA LUZ BORGES LEAL MUNIZ, BLAIRO BORGES MAGGI, COLIGAÇÃO MATO GROSSO UNIDO E JUSTO e ESTADO DE MATO GROSSO – em nenhum momento nega vigência a qualquer dispositivo constitucional ou infraconstitucional.

O fato é que os contratos temporários de servidores celebrados a partir de 1º/07/2006, objeto da Representação, não encontram respaldo na exceção da alínea “d” do art. 73 da citada Lei nº 9.504/97, visto que não se caracterizam como serviços essenciais.

Ademais, tão certo quanto ser dever do Estado, os serviços de educação merecem e requerem planejamento, organização estrutural e física, perfis didático e metodológico traçados com antecedência.

Ao contrário de negar vigência aos dispositivos mencionados pelos Recorrentes, a decisão singular apenas e tão-somente declarou a inoportunidade das contratações objeto da Representação versada nos autos, em atendimento ao art. 73, inciso V, da Lei nº 9.504/97, que visa, justamente, a evitar o abuso de poder durante o processo eleitoral.

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES OS RECURSOS APRESENTADOS por ANA CARLA LUZ BORGES LEAL MUNIZ, BLAIRO BORGES MAGGI, COLIGAÇÃO MATO GROSSO UNIDO E JUSTO e o ESTADO DE MATO GROSSO, em consonância com o parecer Ministerial.

Por derradeiro, JULGO PROCEDENTE o Recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral, para corrigir os efeitos da sentença objurgada, onde verifico a presença de erro material, A FIM DE DECLARAR NULAS todas as contratações temporárias realizadas pelo Estado de Mato Grosso a partir de 1º de julho do corrente ano.

Ainda, faço tal correção – de erro material – em observância ao que dispõe o art. 463, inciso I, do Código de Processo Civil vigente, in verbis:

” Art. 463. Ao publicar a sentença de mérito, o Juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional, só podendo alterá-la:

I – para lhe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou lhe retificar erros de cálculo; “.

A jurisprudência dominante igualmente autoriza a possibilidade de correção de erro material ‘de ofício’, conforme o aresto que destaco a seguir, verbis:

Processo: RMS 10972 / RS. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 1999/0056666-1

Relator(a): Ministro GARCIA VIEIRA (1082)

Órgão Julgador: T1 – PRIMEIRA TURMA

Data do Julgamento: 13/04/2000

Data da Publicação/Fonte: DJ 05.06.2000 p. 120

Ementa

PROCESSUAL CIVIL – LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA – ÍNDICES DE CORREÇÃO

MONETÁRIA – ERRO MATERIAL – CORREÇÃO.

Os erros materiais não transitam em julgado, sendo corrigíveis a qualquer tempo.

Recurso improvido.

Fixado esse entendimento, impõe-se observar que ao não declarar nulas todas as ditas contratações quando da apreciação do mérito da Representação, posto que o deveria, deixei mesmo foi de dar eficácia à norma infringida pelos Representados, vez que tal efeito decorre dela própria, a saber:

” Art. 73 (Lei nº 9.504/97). São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

………………………………………….

V – nomear, contratar, ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito….

……………………………

§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo, acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis à multa no valor de cinco a cem mil Ufir. “.

Ante o exposto, por comprovado desrespeito ao art. 73, inciso V, § 4º, da Lei nº 9.504/97, mantenho a multa aplicada aos Representados ANA CARLA LUZ BORGES LEAL MUNIZ, BLAIRO BORGES MAGGI e COLIGAÇÃO MATO GROSSO UNIDO E JUSTO, no valor individual de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), bem como declaro nulos todos os contratos temporários celebrados pelo Estado de Mato Grosso a partir de 1º/07/2006.

É COMO VOTO.

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