Bumbum de bebê

Processo sobre troca de fralda de bebê só termina no TST

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12 de setembro de 2006, 14h13

Três ministros do Tribunal Superior do Trabalho se reuniram no mês de agosto para uma grave decisão: trocar fraldas de bebês caracteriza atividade insalubre. Depois de passar por todas as instâncias da ocupadíssima Justiça do Trabalho, veio a resposta fulminante: não. A 1ª Turma, formada pelos ministros João Oreste Dalazen, Lelio Bentes Corrêa e Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, negou o recurso de uma monitora de creche contra o município gaúcho de Santa Cruz do Sul.

Os três ministros que se debruçaram sobre a causa somam quatorze anos de exercício da magistratura no TST. Um deles, Dalazen, é mestre em Direito e professor da Universidade de Brasília. Outro, Bentes Corrêa, tem mestrado na Inglaterra e assina vários trabalhos sobre trabalho infantil e trabalho escravo, área em que é especialista e atua em diferentes organismos nacionais e internacionais.

O terceiro, Vieira, foi o relator do Fórum Nacional do Trabalho e participou do Grupo de Diretrizes Básicas da Reforma Trabalhista, os grupos de trabalho que estudaram a reforma sindical e trabalhista no governo Lula.

Todo este saber jurídico foi mobilizado numa tarde de agosto para decidir se trocar fralda de bebê constitui uma atividade insalubre, de acordo com a CLT e o CPC. Cabe recurso.

A decisão

“As atividades desenvolvidas por monitora de creche municipal, ainda que incluída a troca de fraldas das crianças, não podem ser consideradas insalubres, muito menos equivalentes àquelas realizadas por trabalhadores em estabelecimentos de saúde, que mantêm contato com pacientes ou material infecto-contagioso”, entendeu o ministro Lélio Bentes Corrêa, relator.

A decisão do TST manteve o acórdão firmado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul), que já tinha negado o adicional de insalubridade. Para os juízes, as fezes e urina das crianças não são agentes enquadrados na legislação específica como insalubres.

“A troca de fraldas, ainda que enseje o contato com fezes e urina das crianças, não se enquadra dentre aquelas indicadas na norma regulamentadora como atividades insalubres”, registrou o TRT.

O entendimento foi questionado no TST sob a alegação de violação ao artigo 334, inciso III, do Código de Processo Civil e ao artigo 195 da CLT. A regra do CPC lista fatos cuja aceitação no processo independe de provas. A norma da CLT, por sua vez, estabelece a caracterização e a classificação da insalubridade e periculosidade, segundo as normas do Ministério do Trabalho.

Lélio Bentes não acolheu os argumentos. Frisou que o próprio TRT gaúcho afirmou a irrelevância da questão, porque a prefeitura de Santa Cruz do Sul determinou o pagamento do adicional de insalubridade a seus servidores que manuseassem agentes químicos (alcalóides cáusticos), material com que a monitora não teve contato.

“Ressalte-se ainda que, nos termos do artigo 436 do CPC, o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção a partir de outros elementos. O fato de a lei exigir o exame pericial para a caracterização da insalubridade não implica reconhecer caráter vinculante ao laudo respectivo”, concluiu.

RR 792.068/2001.5

Leia a decisão

PROCESSO: RR

NÚMERO: 792068

ANO: 2001

PUBLICAÇÃO: DJ – 01/09/2006

PROC. Nº TST-RR-792.068/2001.5

A C Ó R D Ã O

1ª Turma

PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. RECURSO DE REVISTA DESFUNDAMENTADO. Reputa-se desfundamentado, à luz do artigo 896 da Consolidação das Leis do Trabalho, recurso de revista que não indique violação de dispositivos de lei nem divergência jurisprudencial. Recurso de revista não conhecido.

ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. MONITORA DE CRECHE MUNICIPAL. As atividades desenvolvidas por monitora de creche municipal, ainda que incluída a troca de fraldas das crianças, não podem ser consideradas insalubres, muito menos equivalentes àquelas realizadas por trabalhadores em estabelecimentos de saúde, que mantêm contato com pacientes ou material infecto-contagioso. As atividades da reclamante não se encontram dentre as classificadas no Anexo 14 da NR-15 da Portaria do Ministério do Trabalho, não tendo o laudo pericial o condão de alterar tal situação de fato. Não resta, pois, configurada a alegada afronta ao artigo 195 da CLT. Recurso de revista não conhecido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Recurso de Revista nº TST-RR-792.068/2001.5, em que é recorrente ELISABETH NOEMIA SCHWENGBER e recorrido MUNICÍPIO DE SANTA CRUZ DO SUL.

O egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, por meio do acórdão prolatado às fls. 103/106, em reexame necessário, absolveu o reclamado da condenação ao pagamento do adicional de insalubridade e reflexos e reverteu à reclamante a responsabilidade pelo pagamento de custas e de honorários periciais, dispensando-a, no entanto, de tais pagamentos.

A reclamante interpôs embargos de declaração às fls. 113/116, aos quais se negou provimento às fls. 120/121.

Ainda inconformada, a reclamante interpõe o presente recurso de revista às fls. 123/135, com preliminar de nulidade da decisão do Tribunal de origem, por negativa de prestação jurisdicional. Quanto à questão jurídica de fundo, esgrime com afronta aos artigos 334, III, do Código de Processo Civil e 195 da Consolidação das Leis do Trabalho e traz arestos a confronto.

O recurso foi admitido mediante decisão singular exarada às fls. 152/153. Não foram oferecidas contra-razões, conforme certidão lavrada à fl. 155. A douta Procuradoria-Geral do Trabalho, mediante o parecer da lavra da Ex.ma Procuradora Regional do Trabalho Lélia Guimarães, opina às fls. 158/159 pelo conhecimento e provimento do recurso de revista.

É o relatório.

V O T O

I – CONHECIMENTO

O recurso é tempestivo (fls. 122/123) e está subscrito por advogado habilitado nos autos (fl. 6). Passa-se, então, ao exame dos pressupostos específicos de admissibilidade recursal.

1 NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.

A reclamante pugna pela nulidade do julgado por negativa de prestação jurisdicional, ao argumento de que o Tribunal Regional, mesmo diante dos embargos de declaração interpostos, não enfrentou a questão referente aos efeitos legais do reconhecimento pelo reclamado da existência de insalubridade em grau médio (fls. 125/126).

O recurso de revista não reúne condições de prosperar, uma vez que se encontra desfundamentado, à luz do artigo 896 da CLT, tendo em vista que a recorrente não indicou violação de dispositivos de lei nem divergência jurisprudencial.

Não conheço do recurso de revista.

I.2 ADICIONAL DE INSALUBRIDADE

O Tribunal de origem, ao absolver o reclamado da condenação ao pagamento do adicional de insalubridade, assim fundamentou sua decisão: Como monitora de creche, a autora não se enquadra na previsão contida no Anexo 14 da mencionada Portaria, pois a norma cogitada pelo perito é de aplicação restrita aos trabalhadores em estabelecimentos de saúde e que possuem contato com pacientes ou material infecto-contagiante, pois assim estabelece: aplica-se unicamente ao pessoal que tenha contato com pacientes, bem como ao que manuseiam objetos de uso desses pacientes, não previamente esterilizados. No caso, o labor é realizado junto à creche municipal, sendo as atividades da autora concernentes ao cuidado de criação com idades até 5 anos e não junto a estabelecimentos de saúde, cuidando de pacientes. A troca de fraldas, ainda que enseje o contato com fezes e urina das crianças, não se enquadra dentre aquelas indicadas na norma regulamentadora como atividades insalubres.

(…) Segundo, porque o contato com fezes e urina de crianças e o recolhimento deste material não se compara aos trabalhos de coleta e industrialização de lixo, ou, ainda, realizados em galerias e tanques (esgotos), cogitados na norma regulamentadora (fl. 105). A reclamante sustenta, nas razões do recurso de revista, que a decisão recorrida ofende o artigo 334, II, do CPC, uma vez que o reclamado teria admitido a existência de insalubridade em grau médio. Assevera também que houve afronta ao artigo 195 da CLT, tendo em vista a conclusão do laudo pericial atesta as condições insalubres. Entende, finalmente, que, como monitora de creche, labora em atividade insalubre, nos termos do anexo 4 da NR 15 da Portaria nº 3.214/78 do Ministério do Trabalho. Traz arestos para o confronto de teses (fls. 127/135).

A alegada ofensa ao artigo 334, III, do CPC não autoriza o conhecimento do recurso, uma vez que não existe na decisão recorrida menção alguma ao alegado fato incontroverso decorrente de reconhecimento por parte do reclamado da existência de insalubridade nas atividades da reclamante. Incide na espécie o óbice da Súmula nº 297 do TST. Aliás, o Tribunal Regional consignou ser: irrelevante, na espécie, a informação trazida aos autos (manifestação do réu, fls. 63-64), quanto à tomada de providências com vista ao pagamento do adicional de insalubridade aos monitores, face à exposição a agentes químicos (álcalis cáusticos).

No caso, o laudo médico não atesta a presença nociva desse agente na atividade da autora (item 4.1.2, fl. 36). Se for a esse fato que a reclamante quer se referir, ainda assim não resta configurada nenhuma ofensa ao dispositivo invocado, diante do consignado pela Corte de origem, no sentido de que o adicional de insalubridade seria pago aos obreiros que mantinham contato com álcalis cáusticos o que não é o caso da reclamante, como explicitamente asseverado pelo Tribunal Regional.

Nesse contexto, revela-se inespecífico o modelo trazido à fl. 128, que se refere a fatos confessados. O artigo 195 da CLT, por seu turno, estabelece que a caracterização de insalubridade e periculosidade, segundo as normas do Ministério do Trabalho, far-se-á mediante perícia a ser realizada por médico ou engenheiro do trabalho, registrado no Ministério do Trabalho.

Na presente hipótese, o Tribunal Regional, com fulcro nos fatos e provas trazidos aos autos, taxativamente consignou que a reclamante, na função de monitora de creche, desempenhava atividades que não se enquadravam no Anexo 14 da NR da Portaria 3.214/78, relativas à higienização de crianças porquanto não se tratava de contato permanente com pacientes ou com material infecto-contagioso, nem de contato permanente com esgotos (galerias e tanques).

Nesse contexto, ao invés de ferir as disposições do referido artigo, deu-lhe plena aplicação. Com efeito, as atividades de monitora de creche, ainda que entre elas esteja incluída a troca de fraldas, não se equiparam ao contato com pacientes, animais ou material infecto-contagioso em estabelecimentos destinados aos cuidados da saúde humana, como estabelece o Anexo 14 da NR 15 da Portaria. É sabido que a monitora da creche, via de regra, trabalha em contato com crianças saudáveis, sem moléstia alguma, ainda mais infecto-contagiosa. E, se porventura a criança adoece, normalmente o que ocorre é o afastamento da criança da creche, para que outras crianças não sejam contaminadas.

Ressalte-se ainda que, nos termos do artigo 436 do Código de Processo Civil, o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção a partir de outros elementos ou fatos provados nos autos. O fato de a lei exigir o exame pericial para a caracterização da insalubridade não implica reconhecer caráter vinculante ao laudo respectivo.

O paradigma colacionado às fls. 132/134 não se presta ao fim colimado porque oriundo do mesmo Tribunal Regional prolator da decisão recorrida. Os julgados transcritos à fl. 129 e o último às fls. 131/132 trazem tese no sentido de que a reclamante, no cargo de monitora, mantinha contato permanente com crianças portadoras de patologias diversas e com material infecto-contagioso sem a utilização de EPIs o que não é o caso dos autos, em que o perito apenas entendeu que as fezes e urinas das crianças possuem idêntica composição daquelas encontradas no meio hospitalar.

Os modelos colacionados às fls. 130 e 131 (primeiro) abordam tese genérica no sentido de que, comprovado o trabalho em ambiente insalubre, mediante laudo pericial, é devido adicional de insalubridade, não enfrentando os fundamentos da decisão recorrida, consoante se pode verificar da transcrição do acórdão. Incidência do óbice contido na Súmula nº 296 do TST.

Com esses fundamentos, não conheço do recurso de revista.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, não conhecer do recurso de revista.

Brasília, 9 de agosto de 2006.

LELIO BENTES CORRÊA

Relator

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