Risco à ordem

Marcola deve ficar em regime diferenciado mais 240 dias

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11 de setembro de 2006, 14h01

Marco Willians Camacho, o Marcola, apontado como líder da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), deve permanecer por mais 240 dias no Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). A decisão foi tomada, na quarta-feira (6/9), pela juíza auxiliar do Departamento de Execuções Criminais (Decrim), Ariane de Fátima Alves Dias.

Marcola terá de cumprir mais 360 dias no regime, descontados os 120 de internação provisória já cumpridos. A juíza entendeu que o prazo “é suficiente para os objetivos do regime diferenciado”.

A prorrogação da internação venceu no último domingo (10/9). O Ministério Público pediu a manutenção do preso no RDD pelo período de um sexto de sua pena, o que totalizaria cerca de 3 anos e meio.

Para justificar o pedido, o MP alegou que Marcola é o líder da facção criminosa que age em São Paulo e que teria se envolvido em uma tentativa de resgate de presos na Penitenciária de Presidente Bernardes, no interior paulista, em janeiro deste ano.

De acordo com a determinação, o preso permanecerá isolado por apresentar “alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade” e porque há “fundadas suspeitas de envolvimento ou participação dele, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando”.

Leia a íntegra da determinação:

Vistos.

Trata-se de pedido de formulado pelos representantes do Ministério Público para inclusão de MARCO WILLIANS HERBAS CAMACHO, vulgo “Marcola, no regime disciplinar diferenciado – RDD, aduzindo que houve tentativa de resgate de presos recolhidos na Penitenciária de Presidente Bernardes, estabelecimento localizado próximo ao Centro de Readaptação Penitenciária, daquela Comarca, por agentes munidos de armamento pesado, entre os dias 07 e 09/01/2006. A liminar foi indeferida, conforme decisão de fls. 326/330.

Às fls. 341/343 o Ministério Público renova o pedido de concessão da liminar, e internação cautelar do sentenciado no Regime Disciplinar Diferenciado, mas nada inovando quanto ao pedido já apreciado.

O Sr. Secretário de Administração Penitenciária, no dia 20/01/2006 também formulou pedido de inclusão do apenado em RDD.

A decisão de fls. 409/412 determinou a juntada de documentos, para melhor análise do pedido.

O Ministério Público reiterou o pedido de inclusão do sentenciado no RDD (fls. 419/420 e documentos), no dia 17 de maio de 2006, em razão das rebeliões e atentados ocorridos nos dias 12 e 16 de maio de 2006.

Concedida internação cautelar pela decisão datada de 18 de maio de 2006, pelo prazo de 90 dias (fls. 432/433), prorrogada por mais 30 dias, conforme decisão de fls. 459.

O Ministério Público requereu a inclusão definitiva da sentenciada no RDD pelo prazo máximo permitido em lei, no caso, 1/6 da pena aplicada (fls. 462/464).

A defensora se manifestou às fls. 468/523 e juntou os documentos de fls. 524/536, e requereu o indeferimento do pedido, alegando não haver prova concreta das alegações. As interceptações telefônicas não fazem menção ao nome do sentenciado e nem mesmo àqueles que atiraram contra a muralha mencionaram o nome do sentenciado. Em relação ao evento das grades serradas, dos 66 presos, que estavam na sete celas que tinham grades serradas, apenas houve pedido de inclusão em RDD de cinco deles. O sentenciado não fez menção em sair da cela. Não há provas concretas e nem indícios da participação do sentenciado no referido evento do dia 09 de janeiro de 2006. É necessário investimento do Governo do Estado na recuperação dos sentenciados.

Notícia veiculada através de periódicos não serve como prova. A decisão cautelar que incluiu o sentenciado no RDD é objeto de outro procedimento (nº 127/06). O pedido do Ministério Público de inclusão pelo período de 1/6 da pena, fere a legislação vigente. Em 31 de maio de 2006 foi determinada a instauração de sindicância contra os 66 sentenciados que estavam nas celas serradas. O sentenciado não causou subversão à ordem e disciplina internas, não oferece alto risco. A aplicação de sanção disciplinar está condicionada ao procedimento previsto no artigo 54, parágrafos 1º e 2º da LEP, o que não ocorreu no presente caso. A Portaria instaurada que visava apurar os fatos foi instaurada em 31 de março de 2006 e concluída em 19 de maio de 2006, sendo que deveria ter sido instaurada no prazo de cinco dias contados do evento (Regimento Interno Padrão dos Estabelecimentos Prisionais do Estado de São Paulo, artigo 59). Assim, está prescrita. Aponta que o RDD é pena cruel e inconstitucional. O prazo previsto em lei, para a internação é de 360 dias. Os demais detentos, que estavam na mesma cela com o sentenciado tiveram o pedido de RDD indeferido. O acórdão proferido no HC no procedimento de nº 127/06, refere-se também a este procedimento, devendo o sentenciado ser desinternado do RDD, com retorno a uma das unidades prisionais.


É o relatório.

Fundamento e DECIDO.

A pretensão merece acolhida.

A internação no regime disciplinar diferenciado impõe restrições ao preso, que se justificam em razão da prática de crime doloso que acarrete subversão da ordem ou disciplina interna no estabelecimento prisional, alto risco para a ordem e segurança do estabelecimento penal ou da sociedade ou fundadas suspeitas de envolvimento ou participação e organizações criminosas, quadrilha ou bando.

Os direitos e garantias fundamentais não são absolutos, e devem ser considerados, observando-se o caso concreto, de modo a não sacrificar outros direitos fundamentais, dentre eles, à proteção da ordem pública. Trata-se de medida proporcional, visando à manutenção da ordem pública e proteção da sociedade.

A alegação de que o regime disciplinar diferenciado constitui pena cruel também não pode ser acolhida. Isso porque o objetivo desse regime é restringir o contato do preso com outras pessoas, impedindo a prática de atos atentatórios à ordem e segurança do estabelecimento penal ou da sociedade, observado os limites legais e os direitos individuais do preso. No mérito, a responsabilidade do sentenciado restou demonstrada.

A materialidade está comprovada, pois é de conhecimento público as rebeliões deflagradas nos dias 12 e 16 de maio de 2006, bem como as suas conseqüências (destruição de patrimônio público e privado, ataques às bases da Polícia Militar, assassinato de policiais e civis, causando desordem pública), conforme documentação juntada nos autos, bem como a autoria, que apontam o envolvimento do sentenciado com o crime organizado, quadrilha ou bando, havendo, inclusive indícios contundentes de que é líder da organização criminosa, denominada Primeiro Comando da Capital – PCC.

Todavia, é plausível o envolvimento do sentenciado com o crime organizado, inclusive, recentemente, foi ouvido na CPI do Narcotráfico e tráfico de armas.

No mais, há que se recordar do episódio ocorrido em 09 de janeiro de 2006, quando foram disparadas rajadas de metralhadora contra a muralha lateral esquerda do Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes, que culminou com a prisão de seis envolvidos e apreensão de armamento pesado. Além disso, a cela onde o sentenciado se encontrava, estava com as grades serradas. Os fatos noticiados são de extrema gravidade.

Cabe ressaltar que o regime disciplinar diferenciado foi concebido para atender às necessidades de maior segurança nos estabelecimentos penais e de defesa da ordem pública contra criminosos, que por serem líderes ou integrantes de facções criminosas, são responsáveis por constantes rebeliões e fugas ou permanecem, mesmo encarcerados, comandando ou participando ativamente de quadrilhas ou organizações criminosas atuantes no interior do sistema prisional e no meio social. Esta é a hipótese do sentenciado, pois está devidamente demonstrado que o mesmo representa “alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade” (parágrafo 1º, do artigo 52, da LEP) e há “fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando” (parágrafo 2º, do artigo 52 da LEP).

Destarte, com o surgimento de organizações criminosas, como no caso da Máfia italiana, tem-se admitido a existência do isolamento mais rigoroso ao criminoso, para atender ao interesse público, mas observando sempre os direitos e garantias fundamentais, previstos na Constituição Federal.

Mormente, o isolamento de presos, em celas individuais, já era previsto na LEP, bem antes das alterações introduzidas pela Lei nº 10.792/03.

Denota-se que ao sentenciado está sendo garantido o direito às visitas e de entrevistar-se com sua advogada, preservando-se os direitos e garantias constitucionalmente previstos, levando-se em conta a sua condição de preso.

Rechaço a alegada prescrição da sindicância pela i. defesa. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça vêm se posicionando no sentido de que a falta disciplinar tipificada como crime prescreve-se juntamente com este: RTJ 103/800; 84/773 e RT 654/186.

A sindicância constitui procedimento administrativo. Assim sendo, deve ser adotado o prazo prescricional administrativo que é de cinco anos (Decreto nº 20.910/32 e Lei nº 8.112/90).

Portanto, não há que se falar em prescrição, como aduzido pela i. defensora.

Em relação aos demais presos que estavam nas celas serradas, observo que através da sindicância apuratória foi aplicada falta grave e em relação a alguns houve pedido de inclusão em RDD.

Quanto ao pedido de desinternação do sentenciado do RDD, em razão do HC interposto no procedimento 127/06, observo que a questão foi ali apreciada.

Por fim, não há que se falar em inconstitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado, pois conforme já decidiu o Colendo STJ ”considerando-se que os princípios fundamentais consagrados na Carta Magna não são ilimitados (princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas), vislumbra-se que o legislador, ao instituir o RDD, atendeu ao princípio da proporcionalidade (HC nº 40300/RJ, 5ª T. , Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJU 22/08/2005).”


Em recente decisão o Supremo Tribunal Federal entendeu que o RDD é constitucional:

“HABEAS CORPUS. REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO. ART. 52 DA LEP. CONSTITUCIONALIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. NULIDADE DO PROCEDIMENTO ESPECIAL. REEXAME DE PROVAS. IMPROPRIEDADE DO WRIT. NULIDADE DA SENTENÇA CONDENATÓRIA NÃO RECONHECIDA.

1.Considerando-se que os princípios fundamentais consagrados na Carta Magna não são ilimitados (princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas), vislumbra-se que o legislador, ao instituir o Regime Disciplinar Diferenciado, atendeu ao princípio da proporcionalidade.

2. Legitima a atuação estatal, tendo em vista que a Lei n.º 10.792/2003, que alterou a redação do art. 52 da LEP, busca dar efetividade à crescente necessidade de segurança nos estabelecimentos penais, bem como resguardar a ordem pública, que vem sendo ameaçada por criminosos que, mesmo encarcerados, continuam comandando ou integrando facções criminosas que atuam no interior do sistema prisional – liderando rebeliões que não raro culminam com fugas e mortes de reféns, agentes penitenciários e/ou outros detentos – e, também, no meio social.

3. Aferir a nulidade do procedimento especial, em razão dos vícios apontados, demandaria o revolvimento do conjunto fático-probatório apurado, o que, como cediço, é inviável na estreita via do hábeas corpus. Precedentes.

4. A sentença monocrática encontra-se devidamente fundamentada, visto que o magistrado, ainda que sucintamente, apreciou todas as teses da defesa, bem como motivou adequadamente, pelo exame percuciente das provas produzidas no procedimento disciplinar, a inclusão do paciente no Regime Disciplinar Diferenciado, atendendo, assim, ao comando do art. 54 da Lei de Execução Penal.

5. Ordem denegada. (HC 40300 / RJ ; HABEAS CORPUS 2004/0176564-4, v.u., Ministro Relator. Arnaldo Esteves Lima, 22/08/2005, RT 843/549)”

No mais, o Ministro Relator Celso de Mello, na Medida Cautelar em Habeas Corpus nº 88.508-0 RJ, em recente decisão mencionou que a “declaração de inconstitucionalidade da colenda Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – caso confirmada – não poderia emanar daquela Colenda Câmara Criminal, por ser órgão fracionário, não dispõe de competência para formular juízo de ilegitimidade constitucional, considerada a norma inscrita no artigo 97 da Constituição Federal da República.

Como se sabe, a inconstitucionalidade de qualquer ato estatal (ainda que se trate de mera resolução administrativa) só pode ser declarada pelo voto da maioria absoluta da totalidade dos membros do Tribunal, ou, onde houver, dos integrantes do respectivo órgão especial (como ocorre em São Paulo), sob pena de absoluta nulidade da decisão emanada do órgão fracionário (Turma, Câmara ou Seção).

É preciso ter presente, neste ponto, que o respeito postulado da reserva de Plenário – consagrada pelo art. 97 da Constituição (e introduzido, em nosso sistema de direito constitucional positivo, pela Carta Federal de 1934) – atua como verdadeira condição de eficácia jurídica da própria declaração jurisdicional de inconstitucionalidade dos atos do Poder Público, consoante adverte o magistério da doutrina (Lúcio Bittencourt, ”O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis”, p. 43/46, 2ª ed., 1968, Forense; Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 2/209, 1992, Saraiva; Alexandre de Moraes, “Constituição do Brasil Interpretada”, p. 1424/1440, 6ª ed., 2006, Atlas; José Afonso da Silva, “Curso de Direito Constitucional Positivo”, p.50/52, item nº 14, 27ª ed., 2006, Malheiros; Uadi Lammêgo Bulos, “Constituição Federal Anotada”, p.939/943, 5ª ed. 2003, Saraiva; Luis Roberto Barroso, “O Controle HC 88.508-MC/RJ 3 da Constitucionalidade no Direito Brasileiro”, p.77/81, itens ns. 3.2 e 3.3, 2004, Saraiva; Zeno Veloso, “Controle Jurisdicional de Constitucionalidade”, p.50/51, item 41, 1999, Cejup; Oswaldo Luiz Palu, “Controle de Constitucionalidade”, p.122/123 e 276/277, itens ns. 6.7.3 e 9.14.4, 2ª ed. , 2001, RT, v.g.).

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por sua vez, tem reiteradamente proclamado que a desconsideração do princípio em causa gera, como inevitável efeito consequencial, a nulidade absoluta da decisão judicial colegiada, que, emanado de órgão meramente fracionário, haja declarado a inconstitucionalidade de determinado ato estatal (RTJ 58/499 – RTJ 71/233- RTJ 110/226 – RTJ 117/265 – RTJ 135/297).

As razões subjacentes à formulação do postulado constitucional do “full bench”, excelentemente identificadas por Marcelo Caetano (“Direito Constitucional”, vol. 11/417, item n. 140, 1978, Forense), justificam a advertência dos Tribunais, cujos pronunciamentos – enfatizando os propósitos teleológicos visados pelo legislador constituinte – acentuam que “A inconstitucionalidade de lei ou ato do poder público só pode ser decretada pelo vota da maioria absoluta dos membros do Tribunal, em sessão plena“ (RF 193/131 – RTJ 95/859 – RTJ 96/1188 – RT 508/217).

Não se pode perder de perspectiva, por isso mesmo, o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte, cujas decisões assinalam a alta significação político-jurídica de que se reveste, em nosso ordenamento positivo, a exigência constitucional da reserva de plenário:

Nenhum órgão fracionário de qualquer Tribunal dispõe de competência, no sistema jurídico brasileiro, para declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos emanados do Poder Público. Essa magna prerrogativa jurisdicional foi atribuída, em grau de absoluta exclusividade, ao Plenário dos Tribunais ou, onde houver, ao respectivo Órgão Especial. Essa extraordinária competência dos Tribunais é regida pelo princípio da reserva de plenário inscrito no artigo 97 da Constituição da República.Suscitada a questão prejudicial de constitucionalidade perante órgão fracionário de Tribunal (Câmara,Grupos, Turmas ou Seções), a este competirá, em acolhendo a alegação, submeter a controvérsia jurídica ao Tribunal Pleno. (RTJ 150/223-224, Rel Min. Celso de Melo), HC 88.508-MC/RJ)”

Dessa forma, o sentenciado deve ser incluído no RDD em razão de representar “alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade” (parágrafo 1º do artigo 52, da LEP), e por haver “fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando” (parágrafo 2º do artigo 52, da LEP).

Considerando as graves conseqüências dos fatos acima mencionados, bem como o plausível envolvimento do sentenciado com o crime organizado, a quem tem sido imputado os ataques e as rebeliões deflagradas nos dias 12 e 16 de maio de 2006, fixo a internação pelo prazo de 360 dias, prazo que reputo suficiente para os objetivos do regime diferenciado.

Ante o exposto, DEFIRO o pedido de internação de MARCO WILLIANS HERBAS CAMACHO, vulgo “Marcola”, no regime disciplinar diferenciado pelo prazo de trezentos e sessenta dias, computando-se o período de internação provisória, nos termos do artigo 52, parágrafos 1º e 2º da Lei nº 7210/84, com redação dada pela Lei nº 10.792/03.

Comunique-se à Administração Penitenciária.

P.R.I.C.

São Paulo, 06 de setembro de 2006.

ARIANE DE FÁTIMA ALVES DIAS

Juíza de Direito

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