Dívida tributária

Faturamento só pode ser penhorado em caso excepcional

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11 de setembro de 2006, 11h09

Faturamento de empresa somente pode ser penhorado em caso excepcional e em valor que não inviabilize os negócios. O entendimento foi reafirmado pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

A Turma não autorizou o estado do Rio de Janeiro a penhorar o faturamento da empresa LR Produtos de Higiene e Toucador para cobrir a execução de uma dívida pelo não recolhimento do ICMS. A decisão acompanhou o voto do relator, ministro Teori Albino Zavascki.

A Fazenda Pública do Rio de Janeiro entrou com ação de execução de dívida contra a empresa. A LR ofereceu um prédio de sua propriedade para ser penhorado. A Fazenda se negou a receber o imóvel, afirmando que ele já estava penhorado em um processo anterior. O estado pediu, então, a penhora do faturamento da empresa. A 11ª Vara de Fazenda Pública do Rio de Janeiro acolheu o pedido e determinou a penhora de 5% do faturamento.

A empresa LR recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Questionou a exigibilidade do crédito tributário. Também argumentou que não foi respeitado o prazo de 30 dias antes de embargos legais previsto no artigo 16 da Lei 6.830/80, que cuida da cobrança de dívida ativa pela Fazenda Pública.

O TJ fluminense reformou a decisão da penhora dos 5% e determinou que o imóvel deveria ser aceito como garantia. A Fazenda entrou com recurso no STJ. O ministro Teori Albino Zavascki esclareceu que a penhora do faturamento só pode ser feita em caso excepcional. “Nesse sentido é a orientação predominante na 1ª Seção desta Corte”, destacou.

REsp 692.090

Leia a decisão

RECURSO ESPECIAL Nº 692.090 – RJ (2004⁄0132660-0)

RECORRENTE: ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PROCURADOR: MARIA LUIZA GARCIA DE SOUZA E OUTROS

RECORRIDO : LR CIA BRASILEIRA DE PRODUTOS DE HIGIENE E TOUCADOR

ADVOGADO: ALFREDO SEVERINO CAREGNATO E OUTROS

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI:

Trata-se de recurso especial interposto com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, em execução fiscal, deu provimento ao agravo de instrumento e reformou a decisão que determinara a penhora de 5% do faturamento bruto da ora recorrida, decidindo, em síntese, que a penhora deve incidir sobre imóvel de propriedade da executada anteriormente oferecido e recusado, uma vez que livre, desembaraçado e de valor superior ao da dívida, considerando-se, ainda, a necessidade de excussão menos penosa ao contribuinte na conjuntura econômica atual pouco favorável ao setor produtivo. Os embargos de declaração opostos foram rejeitados.

No recurso especial (fls. 123-160), o recorrente aponta, além de divergência jurisprudencial, ofensa aos seguintes dispositivos legais: (a) arts. 655, I, e 656, I, do CPC e 11, I, da LEF, aduzindo, em síntese, que a execução deve se feita no interesse do credor e obedecendo à gradação legal de penhora, na qual o dinheiro aparece em primeiro lugar, mesmo porque se trata de imposto indireto (ICMS), já pago pelo consumidor mas não repassado pelo contribuinte de direito ao Estado; (b) art. 535, II, do CPC, porque o acórdão recorrido é omisso na análise de questão posta.

Em contra-razões (fls. 163-193), a recorrida alega, essencialmente, que (a) inexiste o prequestionamento dos dispositivos legais tidos por violados e (b) a fundamentação do recurso é deficiente, incidindo a Súmula 284⁄STF. No mérito, aduz que “a penhora de renda da empresa é admissível somente em caráter excepcional e depois de esgotadas todas as possibilidades de recair a penhora em outros bens”, porque ” o faturamento da empresa não é sinônimo de dinheiro” (fl. 188), pelo que requer a manutenção do acórdão recorrido.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 692.090 – RJ (2004⁄0132660-0)

EMENTA

TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. PENHORA SOBRE O FATURAMENTO DA EMPRESA. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 07⁄STJ. PROCESSUAL CIVIL.

1. Não viola o art. 535 do CPC, nem importa negativa de prestação jurisdicional, o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adotou, entretanto, fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia posta.

2. Em observância ao consagrado princípio favor debitoris (art. 620 do CPC), tem-se admitido apenas excepcionalmente a penhora sobre o faturamento, desde que presentes, no caso, requisitos específicos que justifiquem a medida, quais sejam, (a) inexistência de bens passíveis de constrições, suficientes a garantir a execução, ou, caso existentes, sejam de difícil alienação; (b) nomeação de administrador (arts. 678 e 719, caput, do CPC), ao qual incumbirá a apresentação da forma de administração e do esquema de pagamento; (c) fixação de percentual que não inviabilize o próprio funcionamento da empresa. Precedentes: AGA 593006⁄PR, 1ª Turma, Min. Luiz Fux, DJ de 30.05.2005; REsp 723038 ⁄ SP, 2ª Turma, Min. Castro Meira, DJ de 20.06.2005.

3. Averiguar se a aplicação do princípio, em cada caso, se fez adequadamente ou não, e se a relativização da ordem da penhora era justificável ou não em face daquele princípio, são investigações que exigem o exame da situação de fato, incabível no âmbito do recurso especial. (Súmula 07⁄STJ).

4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI (Relator):

1.Não assiste razão à recorrida quando acena para a aplicação das Súmulas 282 e 284⁄STF, uma vez que a questão federal posta está suficientemente prequestionada e a fundamentação do recurso não é deficiente.

2.Não viola o art. 535 do CPC, nem importa negativa de prestação jurisdicional, o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adotou, entretanto, fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia posta (RESP 172.329⁄SP, 1ª S., Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 09⁄12⁄2003; AGA 512.437⁄RJ, 1ª T., Min José Delgado, DJ de 15⁄12⁄2003; AGA 476.561⁄RJ, 2ª T., Min. João Otávio de Noronha, DJ de 17⁄11⁄2003; RESP 250.748⁄RJ; 6ª T., Min. Fernando Gonçalves, DJ de 23⁄04⁄2001). No caso, o acórdão recorrido emitiu juízo acerca das questões que eram necessárias para o deslinde da causa, de modo que a alegação de omissão do acórdão reflete mero inconformismo com os termos da decisão, não restando caracterizado o vício apontado.

3.Em observância ao consagrado princípio favor debitoris (art. 620 do CPC), tem-se admitido apenas excepcionalmente a penhora sobre o faturamento, desde que presentes, no caso, requisitos específicos que justifiquem a medida, quais sejam, (a) inexistência de bens passíveis de constrição, suficientes a garantir a execução, ou, caso existentes, sejam de difícil alienação; (b) nomeação de administrador (arts. 678 e 719, caput, do CPC), ao qual incumbirá a apresentação da forma de administração e do esquema de pagamento; (c) fixação de percentual que não inviabilize o próprio funcionamento da empresa. Neste sentido é a orientação predominante na 1ª Seção desta Corte, consoante se infere dos julgados cujas ementas abaixo se transcrevem:

“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. A PENHORA EM DINHEIRO PRESSUPÕE NUMERÁRIO EXISTENTE, CERTO, DETERMINADO E DISPONÍVEL NO PATRIMÔNIO DO EXECUTADO. PENHORA SOBRE O MOVIMENTO DE CAIXA DA EMPRESA-EXECUTADA: SÓ EM ÚLTIMO CASO. PRECEDENTES. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA RECEBIDOS.

I – A penhora em dinheiro (art. 11,I, da Lei 6.830⁄80 e art. 655, I, CPC) pressupõe numerário existente, certo, determinado e disponível no patrimônio do executado.

II – A penhora sobre percentual do movimento de caixa da empresa- executada configura penhora do próprio estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, hipótese só admitida excepcionalmente (par. 1. do art. 11 da lei 6.830⁄80), ou seja, após ter sido infrutífera a tentativa de constrição sobre os outros bens arrolados nos incisos do art. 11 da lei de execução fiscal.

III – Inteligência dos arts. 10 e 11 da lei 6.830⁄80 e dos arts. 655, 677 e 678 do CPC.

IV – Precedentes das Turmas de Direito Público do STJ: REsp 35.838⁄ SP e REsp 37.027⁄SP.

V – Embargos de divergência recebidos para ‘restabelecer’ o acórdão proferido pelo TJSP.” (ERESP 48.959⁄SP, 1ª Seção, Min. Adhemar Maciel, DJ de 20.04.1998)

“PROCESSUAL CIVIL. PENHORA SOBRE FATURAMENTO. SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. PRECEDENTES. NULIDADE DO ACÓRDÃO.

(…)

3. A Primeira Seção deste Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que é possível a penhora sobre percentual do faturamento ou rendimento de empresas, desde que em caráter excepcional, ou seja, após não ter tido resultado a tentativa de constrição sobre outros bens arrolados nos incisos do art. 11 da Lei de Execução Fiscal, e ainda, que haja nomeação de administrador, com apresentação da forma de administração e esquema de pagamento, consoante o disposto nos artigos 677 e 678 do CPC.

4. Recurso especial conhecido e provido em parte.” (REsp 723038 ⁄ SP, 2ª Turma, Min. Castro Meira, DJ de 20.06.2005)

“AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA SOBRE O FATURAMENTO DA EMPRESA. COMPROVAÇÃO DE QUE NÃO EXISTEM OUTROS BENS PASSÍVEIS DE GARANTIR A SATISFAÇÃO DO CRÉDITO. PRECEDENTES.

1. A penhora sobre o faturamento da empresa não é sinônimo de penhora sobre dinheiro, razão porque o STJ tem entendido que referida constrição exige sejam tomadas cautelas específicas discriminadas em lei. Isto porque o artigo 620 do CPC consagra favor debitoris e tem aplicação quando, dentre dois ou mais atos executivos a serem praticados em desfavor do executado, o juiz deve sempre optar pelo ato menos gravoso ao devedor.

2. Admite-se como sendo possível proceder-se a penhora sobre faturamento da empresa, desde que: a) comprovada a inexistência de outros bens passíveis de garantir a execução, ou, sejam os indicados de difícil alienação; b) nomeação de administrador (arts. 678 e 719, caput do CPC), ao qual incumbirá a presentação das formas de administração e pagamento; c) fixação de percentual que não inviabilize a atividade econômica da empresa.

3. In casu, há nos autos informações sobre a tentativa de penhora de outros bens da empresa, restando caracterizada a situação excepcionalíssima que legitima a penhora sobre o faturamento da empresa.

4. O patrimônio de uma sociedade é servil a suas obrigações, notadamente a tributária, que é ex lege, e destinada à receita pública, cuja função é satisfazer as necessidades coletivas, por isso que a penhora sobre o faturamento é uma modalidade útil ao processo de execução.

5. Ausência de motivos suficientes para a modificação do julgado. Manutenção da decisão agravada.

6. Agravo regimental desprovido.” (AGA 593006⁄PR, 1ª Turma, Min. Luiz Fux, DJ de 30.05.2005)

No caso dos autos, o Tribunal de origem asseverou, como razão para substituir a penhora realizada sobre o faturamento da empresa, a existência de bem passível de penhora, consignando que “(…) a empresa oferece um imóvel livre e desembaraçado, bem localizado, aparentando avaliação bem superior à do débito” (fl. 101). Assenta, ainda, que “sobre a estimativa da garantia, não está o credor impedido a qualquer tempo de requerer a avaliação do imóvel e, ficando evidenciada a sua insuficiência, terá ele a faculdade de exigir o reforço, mais podendo no final chegar a obter a medida que o Relator substituiu, se caracterizada a fraqueza da oferta ou das demais medidas adotadas” (fl. 102).

Assim, considerando que a penhora do faturamento da empresa não é sinônimo de penhora sobre dinheiro, averiguar se a aplicação do princípio da menor onerosidade (art. 620 do CPC) se fez adequadamente ou não, e se a relativização da ordem da penhora era justificável ou não em face daquele princípio, de modo a concluir de forma contrária ao acórdão recorrido, são investigações que exigem o exame da situação de fato, incabíveis no âmbito do recurso especial (súmula 7⁄STJ).

4.Diante do exposto, conheço parcialmente do recurso especial e, nesta parte, nego-lhe provimento. É o voto.

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