Prazo para arrepender

Consumidor tem sete dias para reclamar de mercadoria

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11 de setembro de 2006, 14h37

Depois de recebido o produto ou testado o serviço, o comprador tem sete dias para desistir do negócio. O entendimento é da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Os desembargadores negaram o recurso de um consumidor que pretendia ter seu dinheiro de volta por ter ficado insatisfeito com a mercadoria comprada depois de decorrido o prazo previsto no Código de Defesa do Consumidor. Cabe recurso.

De acordo com o processo, o cliente comprou de um representante do Pronade — Projeto Nacional de Divulgação Educacional um livro infantil. O vendedor garantiu que o produto seria de grande utilidade para a filha do comprador. Meses depois, o cliente percebeu que as obras não tinham utilidade. Ele tentou receber o dinheiro de volta, mas o pedido foi negado. Por isso, ingressou a ação judicial.

A primeira instância negou o pedido. O consumidor recorreu. O relator do caso no TJ gaúcho, desembargador Odoné Sanguiné, esclareceu que a lei dá oportunidade para que o consumidor possa desistir da aquisição feita. No entanto, o direito de arrependimento é de sete dias.

Acompanharam o voto do relator os desembargadores Tasso Caubi Soares Delabary e Marilene Bonzanini Bernardi.

Processo 70015343429

Leia a decisão

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. DIREITO DE ARREPENDIMENTO. INTELIGÊNCIA DO ART. 49 DO CDC. OFERTA E CONTRATAÇÃO REALIZADAS FORA DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL. DESISTÊNCIA EXTEMPORÂNEA, À LUZ DO PRAZO LEGAL DE REFLEXÃO. REQUISITOS NORMATIVOS INSATISFEITOS. Ressaem da dicção legal do art. 49 do CDC, como pressupostos fáticos para a validez da desistência, o interregno temporal de sete dias a contar-se do recebimento do produto ou serviço, e a circunstância de a contratação enfeixar-se fora do estabelecimento comercial. No caso, não houve manifestação no prazo legal, já que, após a compra realizada em 29/03/2003, o autor entrou em contato telefônico com a demandada somente em 08/05/2003, manifestando a sua insatisfação com a mercadoria. A comunicação do arrependimento ocorreu, portanto, fora do prazo de sete dias previsto no Código de Defesa do Consumidor. APELAÇÃO IMPROVIDA UNÂNIME.

APELAÇÃO CÍVEL: NONA CÂMARA CÍVEL

Nº 70015343429: COMARCA DE CONSTANTINA

NELSON DOMINGOS LAZZARETTI: APELANTE

PRONADE – PROJETO NACIONAL DE DIVULGACAO EDUCACIONAL LTDA: APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em improver o recurso de apelação. Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DESA. MARILENE BONZANINI BERNARDI (PRESIDENTE) E DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY.

Porto Alegre, 23 de agosto de 2006.

DES. ODONE SANGUINÉ,

Relator.

RELATÓRIO

DES. ODONE SANGUINÉ (RELATOR)

1. Trata-se de recurso de apelação interposto por NELSON DOMINGOS LAZZARETTI contra sentença que julgou improcedente pedido formulado nos autos da Ação Declaratória de nulidade de negócio jurídico, c/c pedido de sustação de protesto que ajuizou em face de PRONADE – PROJETO NACIONAL DE DIVULGACAO EDUCACIONAL LTDA, condenando o autor ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios do patrono da parte ré, estes arbitrados em R$700,00 (fls. 57/62).

2. Em razões recursais (fl. 65), o autor narra que comprou uma coleção de livros da ré, com pagamento mediante cinco cheques pós-datados, mas se arrependeu da compra, já que os livros se revelaram imprestáveis para o consumo intentado. Diz que estabeleceu contato telefônico com a demandada para comunicar a sua insatisfação com o produto adquirido, alguns meses após a sua aquisição. Diz que o aviso constante no certificado de propriedade dos livros no sentido de que “devoluções estritamente de acordo com o art. 49 Lei nº 8078/90” demonstra a má-fé da demandada em prestar as devidas informações ao consumidor. Argumenta a sua condição humilde, de homem do campo, de forma a não lhe ser exigível a ciência do prazo de sete dias para arrependimento. Requer o provimento do apelo para que sejam julgados procedentes os pedidos da exordial, com a inversão dos ônus sucumbenciais.

3. Transcorreu in albis o prazo para apresentação de contra-razões (fl. 73v).

Subiram os autos, e distribuídos, vieram conclusos.

É o relatório.

VOTOS

DES. ODONE SANGUINÉ (RELATOR)

Eminentes colegas:

4. O autor afirma, na petição inicial, que o preposto da demandada, vendedor, compareceu em sua residência, para vender uma coleção de livros, sob o argumento de que seriam de enorme utilidade para os estudos de sua filha menor. Diz que adquiriu a mercadoria em 29/03/2003, mediante pagamento realizado com cinco cheques, cada um no valor de R$191,40, para desconto em 30 de maio de 2003 a 30 de setembro de 2003. Porém, tempos depois, percebeu que os livros não tinham a qualidade esperada e pretendeu o desfazimento do negócio, com a sustação do protesto realizado sob um dos cheques emitidos para pagamento, intentando a ação originária em 19/08/2003.

5. A questão jurídica é singela e o material probatório, escasso, pelo que, de pronto, anuncio o voto no sentido de desprover a apelação.

Examine-se.

6. O art. 49 do Código de Defesa do Consumidor assim dispõe, verbis:

“O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.”

No ponto, ensina Cláudia Lima Marques (Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 2ª ed, Ed. RT, p. 69/70):

“Para proteger a declaração de vontade do consumidor, para que essa possa ser decidida e refletida com calma, protegida das técnicas agressivas de vendas a domicílio, o art. 49 do CDC inova o ordenamento jurídico nacional e institui um prazo de reflexão obrigatório e um direito de arrependimento.

“Qualquer fornecedor que pratique a chamada técnica de venda a domicílio, na residência dos consumidores, no seu local de trabalho […], para propor aos consumidores a conclusão de contratos de compra e venda, […] ou para oferecer a prestação de seus serviços, passa a estar submetido ao regime especial instituído pelo art. 49 do CDC, visando assegurar a boa-fé, a lealdade nas relações contratuais entre consumidor e fornecedor.”

Em seus comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Luiz Antônio Rizzatto Nunes, debruçando-se sobre o telos do art. 49, averba:

“De qualquer maneira, o consumidor está garantido sempre que a compra se der fora do estabelecimento comercial, nos vários sistemas de vendas existentes.

Nesse tipo de aquisição o pressuposto é que o consumidor está ainda mais desprevenido e despreparado para comprar do que quando decide pela compra e, ao tomar a iniciativa de fazê-la, vai até o estabelecimento.

Claro que, com o fenômeno da oferta, especialmente por meio da publicidade, o fornecedor está o tempo todo chamando o consumidor para adquirir o produto ou serviço. Mas, ainda assim, quando a compra é feita no estabelecimento comercial o pressuposto é o de que partiu do consumidor a iniciativa de procurar o fornecedor para fazer a compra” (São Paulo: Saraiva, 2000, págs. 555/556).

Mais adiante, dissertando sobre o prazo de reflexão ou arrependimento, consigna o mesmo autor:

Fala-se em prazo de ‘reflexão’ porque se pressupõe que, como a aquisição não partiu de uma decisão ativa, plena, do consumidor, e também como este ainda não ‘tocou’ concretamente o produto ou testou o serviço, pode querer desistir do negócio depois que o avaliou melhor. Ou, em outros termos, a lei dá oportunidade para que o consumidor, uma vez tendo recebido o produto ou testado o serviço, possa, no prazo de 7 dias, desistir da aquisição feita.

(…)

Ressalte-se que a norma não exige qualquer justificativa por parte do consumidor: basta a manifestação objetiva da desistência, pura e simplesmente. No íntimo, o consumidor terá suas razões para desistir, mas elas não contam e não precisam ser anunciadas (…)” (Ob. cit. págs. 556/557).

7. Como se vê, ressaem da dicção legal, como pressupostos fáticos para a validez da desistência, o interregno temporal de sete dias a contar-se do recebimento do produto ou serviço, e a circunstância de a contratação enfeixar-se fora do estabelecimento comercial.

8. No caso, conforme bem observou o Juízo a quo, não houve manifestação no prazo legal, já que, conforme documento de fl. 39, o autor entrou em contato telefônico com a demandada somente em 08/05/2003, manifestando a sua insatisfação com a mercadoria. A comunicação do arrependimento ocorreu, portanto, fora do prazo de sete dias previsto no Código de Defesa do Consumidor.

9. De fato, pode parecer que o procedimento levado a efeito pela ora recorrente, a venda ostensiva, de porta em porta, representa uma tática de certo modo agressiva de venda. Esta, aliás, pode ter-se induzido pelo acervo de informações sobre propaganda que se lhe passaram e, enfim, aceitado impulsivamente o negócio. Ocorre que, após esse impulso inicial, o direito de arrependimento se lhe abriu, inclusive para refletir se o produto estava além ou aquém de suas expectativas, comparar-lhe a qualidade com o preço reclamado, proceder a uma relação custo-benefício, etc.

10. Noutro quadrante, o direito de arrependimento deve contar-se, preferencialmente, da apresentação do produto, ocasião em que o consumidor, ao vê-lo, adquire dados mais concretos sobre sua procedência, que lhe viabilizam melhor ponderar o acerto da contratação. No caso, conforme relatado na petição inicial, o vendedor teceu considerações sobre os livros, disponibilizou-os ao consumidor, ora autor, de forma a oportunizar o exame completo da mercadoria e a conclusão de sua valia na aquisição. No entanto, o direito de arrependimento excedeu em muito dos lindes do prazo legal de 7 dias, não contribuindo para a tese autoral a falta de precisão do exato prazo legal que dispunha o consumidor para arrependimento. Trata-se de prazo objetivo, em favor do consumidor, não podendo ser relativizado por motivos de índole subjetiva. Aliás, no ponto, comum é nada constar sobre o direito de arrependimento ou ainda vedá-lo, o que, em tese, afigura-se nulo de pelo direito.

11. Assim, à luz do art. 49 do Código do Consumidor, não avultam satisfeitos os pressupostos para a valência da desistência, mantendo-se o veredicto de improcedência do pleito veiculado na exordial.

12. Com essas considerações, voto no sentido de negar provimento ao recurso principal.

DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY (REVISOR) – De acordo.

DESA. MARILENE BONZANINI BERNARDI (PRESIDENTE) – De acordo.

DESA. MARILENE BONZANINI BERNARDI – Presidente – Apelação Cível nº 70015343429, Comarca de Constantina: “NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: LUCIANA BELEDELI

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