Golpe na internet

Acusado de crime virtual tem pedido de HC negado por juíza

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11 de setembro de 2006, 15h53

A propagação e popularização da internet, apesar de trazer benefícios, também resultou na exposição de seus usuários a inúmeros golpes. Esta nova realidade não pode passar desapercebida pelos poderes públicos tampouco pelo Poder Judiciário.

Com essa consideração, a juíza convocada ao Tribunal de Justiça do Paraná, Lílian Romero, negou o pedido de Habeas Corpus ajuizado pela defesa de Rodrigo Crisóstomo Cardoso, preso preventivamente há quatro meses por golpes praticados pela internet.

De acordo com o processo, Rodrigo Cardoso foi descoberto depois de um dos colegas sacar R$ 25 mil de uma conta do Banco do Brasil, aberta com documentos falsos.

O dinheiro era depositado por usuários da internet, que comprovam produtos de um site criado pelo acusado. Os clientes eram orientados a primeiro depositar o dinheiro para depois a mercadoria ser entregue. A promessa não era cumprida.

Foi decretada a prisão preventiva do acusado, com fundamento na garantia da ordem pública e na conveniência da instrução criminal. A defesa entrou com o pedido de Habeas Corpus. Alegou que ele tem residência fixa, bons antecedentes, além de ser réu primário.

A relatora do caso no Tribunal de Justiça não acolheu os argumentos. “Vale observar que o paciente e o co-representado, segundo a denúncia, teriam praticado os golpes reiteradas vezes, o que evidencia que, uma vez em liberdade, tornem a voltar a cometê-los”, entendeu. “Caracterizada está, portanto, a motivação invocada pelo juiz singular, qual seja, a necessidade de se garantir a ordem pública, tendo em vista o meio e a reiteração na prática dos delitos imputados ao paciente.”

“Uma vez que o decreto da prisão preventiva está devidamente motivado e calcado em fatos concretos, a justificar a custódia cautelar, resultou prejudicado, efetivamente, o pedido de liberdade provisória formulado pelo paciente. Afasta-se, assim, a alegação de negativa de prestação jurisdicional”, concluiu.

Leia a decisão

Habeas Corpus 348.951-2, da Vara de Inquéritos Policiais do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba.

Impetrante: LUIS CARLOS SIMIONATO JUNIOR (Advogado)

Paciente: ODRIGO CRISÓSTOMO CARDOSO

Impetrado: JUIZ DE DIREITO DA VARA DE INQUÉRITOS POLICIAIS DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA

Relatora: juíza Convocada LILIAN ROMERO

HABEAS CORPUS. PACIENTE DENUNCIADO POR FORMAÇÃO DE QUADRILHA, RECEPTAÇÃO, ESTELIONATO, FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PARTICULAR E USO DE DOCUMENTO FALSO. COMETIMENTO REITERADO DE DELITOS VIA INTERNET. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA COM FUNDAMENTO NA NECESSIDADE DE GARANTIR A ORDEM PÚBLICA. CARACTERIZAÇÃO, ANTE O POTENCIAL LESIVO DA CONDUTA. ALEGADA NÃO APRECIAÇÃO DO PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. BENESSE CUJA CONCESSÃO RESTOU PREJUDICADA COM A DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA E RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE MOTIVO PARA A CUSTÓDIA CAUTELAR. ALEGADA NEGATIVA DE JURISDIÇÃO NÃO CARACTERIZADA. NÃO COMPROVAÇÃO, OUTROSSIM, DE CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. EXCESSO DE PRAZO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. FEITO DE RELATIVA COMPLEXIDADE. INVESTIGAÇÕES QUE DEMANDARAM A QUEBRA DOS SIGILOS BANCÁRIO E TELEFÔNICO DOS ACUSADOS. DENÚNCIA JÁ OFERECIDA E RECEBIDA, ESTANDO O FEITO NA FASE DE INSTRUÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. ORDEM DENEGADA.

A propagação e popularização da Internet junto à população, a par dos seus inúmeros e inegáveis benefícios, também resultou na exposição de seus usuários a inúmeros golpes perpetrados através dela. Esta nova realidade não pode passar desapercebida pelos poderes públicos nem tampouco pelo Poder Judiciário. O risco potencial oferecido por agentes que atuam nesta rede de comunicação não pode ser ignorado e deve ser considerado na proporção de sua amplitude (quanto ao número de vítimas potenciais) e facilidade de execução (tendo em vista a popularização e facilidade de acesso dos computadores, inclusive aos próprios agentes).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus nº 348.951-2, da Vara de Inquéritos Policiais do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, em que figura como impetrante o advogado Luiz Carlos Simionato Junior, sendo paciente Rodrigo Crisóstomo Cardoso, e impetrado o MM. Juiz de Direito da mesma Vara e Comarca.

O presente habeas corpus foi impetrado em favor do paciente acima nominado, sob a alegação de que estaria sofrendo coação ilegal perpetrada pelo DD. Juiz de Direito da Vara de Inquéritos Policiais do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, consistente na decretação da sua prisão preventiva, acusado que foi da prática, em tese, dos crimes previstos nos artigos 288, caput, 180, caput (2x), 171, caput (3x), 298 e 304, todos do Código Penal.

Em síntese, aduz o impetrante que: (a) o paciente foi preso em flagrante delito em 03 de abril de 2006; (b) o pedido de liberdade provisória não foi apreciado, havendo negativa de prestação jurisdicional; (c) no dia 07 de abril do corrente ano o DD. Juiz de Direito da Vara de Inquéritos Policiais do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba decretou a prisão preventiva do paciente para garantia da ordem pública e conveniência da instrução processual, porém o paciente é primário, possui residência fixa e ocupação lícita; (d) além disso, o ilícito praticado é de pouca gravidade e o acusado não possui personalidade voltada para o crime; (e) inexistem os motivos ensejadores da prisão preventiva; e, (f) passados mais de 40 (quarenta dias) da prisão em flagrante o inquérito policial não foi concluído e tampouco houve oferecimento de denúncia.

Pleiteou a concessão de liminar, que foi indeferida (fs. 466/467).

A autoridade coatora informou que: (a) em 02 de junho de 2006 houve o recebimento da denúncia (ação penal nº 2006.4401-7), sendo que o feito tramita regularmente; (b) o paciente foi preso em flagrante em 03 de abril de 2006, tendo havido autorização de quebra de sigilo bancário e decreto de prisão preventiva; (c) o interrogatório dos denunciados estava designado para o dia 13 de julho próximo passado (f. 385).

A douta Procuradoria de Justiça, no parecer de fs. 479/488, opinou pelo conhecimento deste writ e pela denegação da ordem, pois: (a) não merece guarida a alegação de não apreciação do pedido de liberdade provisória, pois restou prejudicado face à subseqüente decretação da prisão preventiva do paciente; (b) ainda assim, o MM. Juiz impetrado fundamentou a necessidade da manutenção do cárcere preventivo, com base na garantia da ordem pública e da aplicação da lei penal; (c) resta inconteste a gravidade da ação delituosa, ante a possibilidade do abalo à credibilidade negocial, mostrando-se o paciente pessoa extremamente ousada e inteligente, utilizando, ademais, meios eletrônicos modernos para ludibriar as suas vítimas; (d) estão presentes, portanto, os requisitos ensejadores da manutenção da prisão preventiva, para a garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal; (e) ademais, encontra-se superada a alegação de excesso de prazo, pois a denúncia já foi devidamente oferecida e recebida (fs. 385 e seguintes), estando justificado o atraso (fs. 487/488).

Em recente contato telefônico com funcionário da Vara de origem, foi obtida a informação de que os autos originários estão no aguardo de realização de audiência de oitiva das testemunhas de acusação, designada para o próximo dia 17 de agosto.

É o relatório.

O paciente foi preso em flagrante no dia 03 de abril de 2006, juntamente como Rafael Zaveruka Ceve, que sacara R$ 25.000,00 de uma conta do Banco do Brasil, agência Bacacheri, aberta com documentos com indícios de falsidade.

Em decorrência de representação formulada pela autoridade policial, o Juiz singular decretou a prisão preventiva do paciente e de Rafael Ceve em 7 de abril de 2006, fundamentado especialmente na garantia da ordem pública e na conveniência da instrução criminal, “tendo em vista que os mesmos praticaram reiteradas vezes os crimes pela internet devido à facilidade de acesso a dinheiro fácil, podendo assim reincidir no crime se estiverem em liberdade e por conveniência da instrução criminal, já que uma vez em liberdade, seria dificultado o acesso a informações que poderiam até ser destruídas” (fs. 100/101/TJ).

Dos autos consta declarações do gerente de contas do Banco do Brasil, que constatou os indícios de falsidade na documentação utilizada na abertura da conta operada pelo paciente e pelo co-representado, noticiando que num período de apenas 10 dias teriam sido depositados aproximadamente R$ 88.700,00 na aludida conta, que decorreriam de golpes aplicados via Internet.

Para tanto, apossaram-se do CGC da empresa West Informática Ltda e registraram um site (www.infolap.com.br) onde ofereciam mercadorias à venda mediante pagamento por boleto bancário, com crédito na conta aberta no Banco do Brasil. Tais mercadorias nunca eram entregues.

A denúncia oferecida narra uma série de eventos e a movimentação havida na conta, no período acima descrita, demonstra a extensão e gravidade dos golpes aplicados.

Tais fatos demonstram que o paciente e o co-representado oferecem efetivo perigo à ordem pública e econômica. Embora o seu meio de atuação não envolva o emprego de violência ou grave ameaça a pessoa, não se pode olvidar que tem se mostrado extremamente eficaz e nefasto ante a sua imensa capacidade de atingir um sem número de vítimas incautas.

A propagação e popularização da Internet junto à população, a par dos inúmeros e inegáveis benefícios, também resultou na exposição de seus usuários a golpes como aqueles perpetrados pelo paciente e pelo co-representado. Esta nova realidade não pode passar desapercebida pelos poderes públicos nem tampouco pelo Poder Judiciário. O risco potencial oferecido por agentes que atuam nesta rede de comunicação não pode ser ignorado e deve ser considerado na proporção de sua amplitude (quanto ao número de vítimas potenciais) e facilidade de execução (tendo em vista a popularização dos computadores).

Vale observar que o paciente e o co-representado, segundo a denúncia, teriam praticado os golpes reiteradas vezes, o que evidencia que, uma vez em liberdade, tornem a voltar a cometê-los.

Caracterizada está, portanto, a motivação invocada pelo juiz singular, qual seja, a necessidade de se garantir a ordem pública, tendo em vista o meio e a reiteração na prática dos delitos imputados ao paciente.

Uma vez que o decreto da prisão preventiva está devidamente motivado e calcado em fatos concretos, a justificar a custódia cautelar, resultou prejudicado, efetivamente, o pedido de liberdade provisória formulado pelo paciente. Afasta-se, assim, a alegação de negativa de prestação jurisdicional.

Ademais, não poderia esta Corte deferir a liberdade provisória, face à não comprovação de que o paciente reúna condições pessoais favoráveis. Do exame dos documentos acostados nestes autos, depara-se com declarações prestadas pela própria mãe do paciente, dizendo que ele não trabalha nem estuda, mesmo assim adquire e troca veículos com constância. Há notícia, também, de vários acidentes de trânsito em que se envolveu o paciente, inclusive alcoolizado, o que depõe contra a sua conduta social e corrobora a assertiva de que, em liberdade, tornará à ação delituosa.

Por fim, não procede também a alegação de excesso de prazo. Conquanto o paciente esteja preso há exatos quatro meses e haja, efetivamente, excesso de prazo, não se mostra ele, ainda, incompatível com o princípio da razoabilidade. Isto porque o feito é dotado de certa complexidade: pluralidade de réus, várias condutas delituosas, necessidade na fase de investigatória de se quebrar o sigilo bancário e telefônico dos acusados, dentre outros. verifica-se a aplicabilidade, ao caso, do princípio da razoabilidade.

Evidentemente, tal aspecto poderá, novamente, vir a ser reapreciado, conforme o seguimento do processo-crime contra o ora paciente.

Por todo o acima exposto, voto no sentido de denegar a ordem impetrada.

Diante do exposto, ACORDAM os integrantes da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Juíza Relatora.

Votaram com a Relatora os Desembargadores Noeval de Quadros e Lidio José Rotoli de Macedo, em sessão de julgamento presidida pelo Desembargador Waldomiro Namur.

Curitiba, 03 de agosto de 2006.

LILIAN ROMERO

Juíza Relatora Convocada

Em substituição ao Desembargador Waldomiro Namur

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