Ou tudo ou nada

Penhora parcial de imóvel é proibida por TRT gaúcho

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9 de setembro de 2006, 7h00

A parte de cima de um sobrado não pode ser penhorada para garantir pagamento de dívida trabalhista. Ou penhora-se todo o imóvel ou a constrição tem de recair sobre outro bem. O entendimento, da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul), serviu para livrar da penhora a parte de cima do sobrado de um casal, que mora e trabalha no local. Cabe recurso.

De acordo com os juízes, se o bem é indivisível a penhora tem de recair sobre a totalidade. “A personalidade jurídica da sociedade por ações deve ser afastada sempre que a separação entre a sociedade e a pessoa dos sócios conduza a resultados injustos e contrários ao Direito”, consideraram.

“Sendo o bem penhorado indivisível, vez que seus dois pavimentos integram a mesma matrícula, revela-se inviável a constrição que sobre ele recaiu, da forma como procedida (de apenas parte do imóvel). Tratando-se de bem indivisível, a penhora deveria ter recaído sobre a sua totalidade e não, como procedido na origem, apenas sobre o pavimento inferior”, entendeu a 8ª Turma.

Processo 01019-2004-731-04-00-9 AP

Leia a íntegra da decisão

EMENTA: AGRAVO DE PETIÇÃO DOS TERCEIROS EMBARGANTES. PENHORA. MEAÇÃO. Legítima a excussão dos bens da recorrente Zely, ex-integrante da sociedade executada, forte na teoria da desconsideração da personalidade jurídica, desde que resguardada a meação do recorrente Luiz, na medida em que, apesar de casado com Zely pelo regime da comunhão universal de bens, jamais integrou o quadro societário da demandada na execução que deu ensejo à constrição judicial realizada. Tratando-se, contudo, de bem indivisível, a penhora deveria ter recaído sobre a sua totalidade e não, como procedido na origem, apenas sobre o pavimento inferior. Recurso provido em parte.

VISTOS e relatados estes autos de AGRAVO DE PETIÇÃO interposto de decisão do Exmo. Juiz da 1ª Vara do Trabalho de Santa Cruz do Sul, sendo agravantes LUIZ FLORY PRITSCH E ZELY NADER PRITSCH e agravada ZARIFA SIMÕES NADER.

Agravam de petição Luiz Flory Pritsch e Zely Nader Pritsch, inconformados com a decisão a quo que julgou improcedentes os embargos de terceiro por eles apresentados (fls. 40-44). Pretendem a reforma do julgado no tocante ao indeferimento da pretensão de ser liberada a constrição judicial realizada sobre imóvel da sua propriedade. Insurgem-se, outrossim, contra a advertência nele contida, no sentido de serem-lhes aplicadas as penalidades cabíveis, caso utilizados expedientes que prejudiquem a celeridade na efetivação da prestação jurisdicional, em desrespeito à boa-fé que deve nortear os atos das partes.

Não há contraminuta.

É o relatório.

ISTO POSTO:

AGRAVO DE PETIÇÃO DOS TERCEIROS EMBARGANTES

PENHORA. MEAÇÃO

Os recorrentes pretendem a reforma da decisão de origem no tocante ao indeferimento da pretensão de ser liberada a constrição judicial realizada sobre imóvel da sua propriedade. Renovam a alegação de serem partes legítimas para figurar no pólo ativo dos presentes embargos de terceiro. Aduzem que o bem constrito possui dois pavimentos, um destinado ao comércio e outro à sua residência, sendo impenhorável por força de lei. Referem que sua aquisição deu-se em data anterior à execução que deu ensejo à penhora que sobre ele recaiu, bem como que a recorrente Zely deixou de integrar o quadro societário da executada antes do ajuizamento da demanda movida pela terceira embargada. Entendem, ainda, ter havido excesso de penhora e, mantida a constrição, requerem seja resguardada a meação do recorrente Luiz.

Com razão em parte.

Trata-se, na espécie, de penhora realizada em imóvel de propriedade dos terceiros embargantes, efetivada em razão da recorrente Zely, casada pelo regime da comunhão universal de bens com o recorrente Luiz, ter integrado o quadro societário da executada na demanda que lhe deu ensejo (Pritsch & Cia Ltda.).

Pela dicção literal do artigo 10 do Decreto n. 3.708, de 10 de janeiro de 1919, somente responderá, pessoalmente, pelas obrigações assumidas em nome da sociedade por quotas, o sócio-gerente ou aqueles que tenham dado nome à firma, nas hipóteses de excesso do mandato, violação do contrato ou de norma legal.

Todavia, conforme leciona Arion Sayão Romita, em estudo intitulado Responsabilidade Solidária dos Sócios ou Administradores pelas Dívidas Trabalhistas da Sociedade, publicado na Revista Trabalho & Doutrina, nº 16, São Paulo, nº 16, Ed. Saraiva, março de 1998, pp. 9-12, a personalidade jurídica de que gozam os entes coletivos constitui-se em um expediente necessário ao preenchimento de certas necessidades do mundo jurídico, tais como, existência da sociedade distinta da dos sócios, patrimônios separados etc. Serve ao direito e ao mundo dos negócios, devendo existir na medida em que exigências jurídicas e econômicas a imponham, sem, jamais, se opor a elas.

Nessa linha de raciocínio, ensina o autor, desenvolveu-se a teoria chamada “disregard of legal entity”, segundo a qual, a personalidade jurídica da sociedade por ações deve ser afastada sempre que a separação entre a sociedade e a pessoa dos sócios conduza a resultados injustos e contrários ao direito. Cabe ao juiz, em tais situações, levantar o véu da pessoa jurídica para poder examinar as autênticas forças que atrás dele se ocultam.

Em consonância com essa orientação do direito regulador das relações entre empregados e empregadores, deve ser interpretada a regra contida no artigo 596, caput, do CPC, oportunizando-se, entretanto, ao executado indicar bens da sociedade, contanto que livres e desembargados, o quanto bastem para pagar a dívida, em defesa de seu direito ao benefício de ordem.

Os documentos colacionados demonstram que a recorrente Zely integrou o quadro social da empresa executada até 10.03.1997 (fls. 17-19).

O contrato de trabalho que ensejou a execução em curso vigeu até, pelo menos, 10.06.1997, consoante expressamente reconhecido na fl. 07 da petição inicial de embargos de terceiro. Ao tempo, portanto, em que a recorrente Zely integrava o quadro social da executada.

Assim, ao contrário do que pretendem fazer crer os recorrentes, os elementos carreados aos autos autorizam a desconsideração da personalidade jurídica com o direcionamento da execução contra os bens particulares da ex-sócia Zely, sem que isso implique violação ao direito líquido e certo à ampla defesa, por não ter figurado no pólo passivo do processo de conhecimento, porquanto este direito foi exercido, em toda sua plenitude, pela sociedade da qual participava. Pelos mesmos fundamentos, é patente a legitimidade ativa dos recorrentes para o manejo dos presentes embargos de terceiro.

Não bastasse tal circunstância, resulta inequívoco, como bem sinalado na origem, que a empresa executada não possui bens suficientes para a satisfação do crédito deferido à exeqüente (fl. 41), em razão do que nenhuma ilegalidade advém do redirecionamento da execução para a pessoa da sócia Zely que, à toda evidência, beneficiou-se dos serviços prestados pela primeira.

Impõe-se, contudo, resguardar a meação do recorrente Luiz, na medida em que, apesar de casado com Zely pelo regime da comunhão universal de bens, jamais integrou o quadro societário da demandada na execução. Tem incidência, na espécie, por aplicação analógica, em razão das disposições do artigo 5º, I, da Constituição Federal, o artigo 3º da Lei 4121/62, que adoto como razões de decidir, in verbis: “Pelos títulos de dívida de qualquer natureza, firmados por um só dos cônjuges, ainda que casados pelo regime de comunhão universal, somente responderão os bens particulares do signatário e os comuns até o limite de sua meação”.

Aos mesmos fundamentos e sendo o bem penhorado indivisível, vez que seus dois pavimentos integram a mesma matrícula, revela-se inviável a constrição que sobre ele recaiu, da forma como procedida (de apenas parte do imóvel). Tratando-se de bem indivisível, a penhora deveria ter recaído sobre a sua totalidade e não, como procedido na origem, apenas sobre o pavimento inferior.

Acerca do tema, comungo com o entendimento de Theotônio Negrão e José Roberto Gouvêa que, ao comentarem as disposições do artigo 702 e parágrafo único do CPC, assim prelecionam, in verbis: “Em execução contra pessoa casada, a penhora de bem indivisível pertencente a ambos os cônjuges: deve recair sobre a totalidade do bem, efetuando-se, mais tarde, o depósito da metade do preço em favor do cônjuge do devedor: ‘Os bens indivisíveis, de propriedade comum decorrente do regime de casamento, na execução podem ser levados a hasta pública por inteiro, reservando-se à esposa a metade do preço alcançado” (in Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, Ed. Saraiva, 37ª Ed., pág. 787, sem os grifos no original).

Registro, por relevante, que não há prova, nestes autos, do bem constrito tratar-se de bem de família. Irrelevante, ao deslinde da controvérsia, o documento da fl. 22, dele inferindo-se, apenas, que o imóvel nele identificado é utilizado para fins comerciais.

Fulminada pela preclusão, por derradeiro, a alegação de ter o Juízo de origem incorrido em excesso de penhora. Silente, neste aspecto, a decisão de origem, aos recorrentes competia a apresentação de embargos de declaração, expediente processual hábil para sanar a omissão ocorrida. Assim não tendo procedido, nada mais há para ser apreciado por este Regional, quanto ao particular.

Dou provimento parcial para desconstituir a penhora realizada à fl. 20, por inviável.

ADVERTÊNCIA CONTIDA NA DECISÃO RECORRIDA

Os recorrente insurgem-se contra a advertência contida no julgado, no sentido de serem-lhes aplicadas as penalidades cabíveis, caso utilizados expedientes que prejudiquem a celeridade na efetivação da prestação jurisdicional, em desrespeito à boa-fé que deve nortear os atos das partes.

Sem razão.

A advertência contida na decisão recorrida não acarreta nenhum prejuízo aos recorrentes. Seu conteúdo, por sua vez, não se caracteriza com abusivo ou arbitrário, de forma a ensejar qualquer ato deste Tribunal, visando a sua desconstituição.

Trata-se, apenas, de alerta exarado pelo Juízo de origem, de conteúdo inequivocamente pedagógico, visando assegurar o resultado útil do processo de forma célere e eficaz, notadamente porque nenhuma penalidade foi imputada aos recorrentes, na decisão recorrida.

Nego provimento.

Ante o exposto,

ACORDAM os Juízes da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento parcial ao agravo de petição dos terceiros embargantes para desconstituir a penhora realizada à fl. 20, por inviável.

Intimem-se.

Porto Alegre, 8 de junho de 2006 (quinta-feira).

CARLOS ALBERTO ROBINSON – JUIZ-RELATOR

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