Contravenção penal

Decisão que permitiu bingos no Paraná é suspensa pelo STF

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8 de setembro de 2006, 17h16

Está suspensa a decisão que autorizou o estado do Paraná a explorar jogos de bingo. A decisão é da ministra Ellen Gracie, presidente do Supremo Tribunal Federal. O recurso foi ajuizado pelo governo paranaense contra decisão de segunda instância.

O governo estadual afirmou que a liminar, ao autorizar o funcionamento de bingo, provocou lesão de grave e difícil reparação à ordem e segurança pública, já que as empresas envolvidas pretendem desenvolver atividade clandestina e ilegal, proibida pelo Decreto-lei 3.688/41.

Alegou, ainda, que se decisão fosse realmente executada, “centenas de apostadores perderiam dinheiro, sem que, depois, pudessem ser ressarcidos do valor perdido em decorrência da atividade ilegal”.

A ministra Ellen Gracie acolheu as alegações. “A exploração do jogo de bingo, no estado do Paraná, conforme autorizada pelas decisões, viola a ordem jurídica”, entendeu. Segundo ela, a “exploração de jogos de azar e loterias continuam sendo qualificadas como contravenção penal”.

STA 72

Leia a decisão

SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA 72-4 PARANÁ

RELATORA: MINISTRA PRESIDENTE

REQUERENTE(S): ESTADO DO PARANÁ

ADVOGADO(A/S): PGE-PR – CÉSAR AUGUSTO BINDER

REQUERIDO(A/S): TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

(AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2005.02.01.006406-5 NA AÇÃO ORDINÁRIA Nº 2005.50.01.005508-8)

REQUERIDO(A/S): RELATOR DA AÇÃO CAUTELAR Nº 2006.02.01.006073-8 DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

INTERESSADO(A/S): UNIÃO

ADVOGADO(A/S): ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

INTERESSADO(A/S): CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF

ADVOGADO(A/S): LUIZ ANTÔNIO AZAMOR RODRIGUES E OUTRO(A/S)

INTERESSADO(A/S) : D.W. BRASIL ADMINISTRAÇÃO E COMÉRCIO LTDA E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S) : KLEBER MAIA LAMOUNIER DE CARVALHO E OUTRO(A/S)

1. O Estado do Paraná, com fundamento no art. 4º da Lei 8.437/92, c/c os arts. 1º da Lei 9.494/97 e 4º da Lei 4.348/64, propõe a presente suspensão da execução da liminar (fl. 172) deferida pelo Relator nos autos da Ação Cautelar 2006.02.01.006073-8, em trâmite no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, e do acórdão (fls. 236-245 e 261-263) proferido pela 7ª Turma do TRF da 2ª Região, no Agravo de Instrumento 2005.02.01.006405-5.

Informa o requerente que a primeira decisão determinou sua inclusão no pólo passivo da lide e autorizou a exploração do jogo de bingo no Estado do Paraná por DW Brasil Administração e Comércio Ltda e outros, enquanto que a segunda decisão deu provimento ao agravo de instrumento interposto pelas mencionadas empresas da decisão que indeferiu pedido de tutela antecipada, nos autos da Ação Ordinária 2005.50.01.005508-8, para também autorizar a exploração do jogo de bingo na forma requerida.

2. O requerente sustenta, em síntese, o seguinte:

a) competência da Presidência do Supremo Tribunal Federal, tendo em vista que o principal argumento trazido pelas empresas diz respeito ao princípio da livre iniciativa previsto no art. 170 da Constituição Federal;

b) grave e irreparável lesão à ordem e à segurança públicas, uma vez que as empresas pretendem desenvolver atividade clandestina e ilegal, porque proibida pelo Decreto-lei 3.688/41, nos seus arts. 50 e 51, além de permitir que “milhares de pessoas sejam iludidas com a promessa de ganhos fáceis” (fl. 07). Ademais, ocorre violação à ordem administrativa na medida em que impede o exercício do poder de polícia estatal destinado a coibir a prática de contravenção penal, bem como infringe os arts. 6º e 8º da Lei 8.078/90, porquanto sujeita o consumidor a risco de diversas ordens: à saúde, pela possibilidade de vício; à economia popular, pela possibilidade de fraude no jogo, etc;


c) desaparecimento do ordenamento jurídico da exceção à norma geral do art. 50 da Lei de Contravenções Penais, por força do art. 2º da Lei 9.981/2000. Assim, a atividade contemplada pela norma permissiva voltou a ser proibida e tipificada como contravenção penal;

d) ocorrência de risco de dano inverso a ser suportado pelo Estado e pela coletividade (periculum in mora), dado que, “concedida a tutela, centenas de apostadores perderão dinheiro, sem que, depois, se indeferida a pretensão da autora ao final, possam ser ressarcidos do valor perdido em decorrência da atividade ilegal” (fl. 15);

e) violação à ordem pública, porque a decisão do relator da medida cautelar é ofensiva ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, tendo em vista que o Estado do Paraná não fez parte da relação processual originária.

3. A Procuradoria-Geral da República opina pelo deferimento do pedido (fls. 272-280).

4. Inicialmente, reconheço que a controvérsia instaurada na ação cautelar (fls. 68 e 74) e no agravo de instrumento em apreço (fls. 236- 245) evidencia a existência de matéria constitucional: interpretação a respeito do art. 170, c/c o art. 22, I e XX, da Constituição Federal. Dessa forma, cumpre ter presente que a Presidência do Supremo Tribunal Federal dispõe de competência para examinar questão cujo fundamento jurídico é de natureza constitucional (art. 297 do RISTF, c/c art. 25 da Lei 8.038/90), conforme firme jurisprudência desta Corte, destacando-se os seguintes julgados: Rcl 475/DF, rel. Ministro Octavio Gallotti, Plenário, DJ 22.4.1994; Rcl 497-AgR/RS, rel. Ministro Carlos Velloso, Plenário, DJ 06.4.2001; SS 2.187- AgR/SC, rel. Ministro Maurício Corrêa, DJ 21.10.2003; e SS 2.465/SC, rel. Ministro Nelson Jobim, DJ 20.10.2004.

5. Passo ao exame do mérito do pedido de suspensão da execução da liminar e do acórdão em tela. Conforme autoriza a jurisprudência pacificada do Supremo Tribunal Federal, quando da análise do pedido de suspensão de decisão (SS 846-AgR/DF, rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 29.5.96; SS 1.272-AgR, rel. Ministro Carlos Velloso, DJ 18.5.2001, dentre outros), em um juízo mínimo de delibação, assevero que, consoante afirmou o Procurador-Geral da República em seu Parecer à fl. 275, “instado a se manifestar sobre a constitucionalidade de normas estaduais que autorizavam o funcionamento de bingos e a instalação e operação de máquinas eletrônicas, este Supremo Tribunal Federal não hesitou em reconhecer a inconstitucionalidade de ambas” (ADI 2.948/MT, rel. Ministro Eros Grau, Plenário, DJ 13.5.2005 e ADI 2.847/DF, rel. Ministro Carlos Velloso, Plenário, DJ 26.11.2004). No âmbito da Presidência desta Corte menciono, ainda: SS 1.814/MG, rel. Ministro Carlos Velloso, DJ 17.10.2000; SL 24/PR, rel. Ministro Maurício Corrêa, DJ 19.12.2003 e SS 2.262/PR, rel. Ministro Maurício Corrêa, DJ

10.9.2003.

Ademais, a Lei 8.437/92, em seu art. 4º, autoriza o deferimento do pedido de suspensão da execução de liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas.

No presente caso, encontram-se demonstradas graves lesões à ordem e à segurança públicas pelos seguintes motivos:

a) a exploração do jogo de bingo, no Estado do Paraná, conforme autorizada pelas decisões em apreço, viola a ordem jurídica, porquanto, em um juízo prefacial e necessário para apreciação deste pedido de suspensão, considero que a exploração de jogos de azar e loterias continua sendo qualificada como contravenção penal, nos termos dos arts. 50 a 58 do Decreto-lei 3.688/41, o que atrairia, também, o disposto no art. 22, I e XX, da Constituição Federal;

b) as decisões mencionadas, ao impedirem o legítimo exercício do poder de polícia, o qual, no caso, se destina à prevenção e repressão da prática de contravenção penal, configuram ofensa à ordem pública, aqui entendida em termos de ordem administrativa. 6. Finalmente, destaco do Parecer do Procurador-Geral da República:


“7. No Brasil existe uma tradição de não permitir a exploração comercial dos chamados jogos de azar. Como salientou o Ministro CARLOS VELLOSO, a jogatina desenfreada “não presta obséquio à sociedade brasileira e serve apenas para enriquecer grupos de pessoas”. (ADIN n° 1.169/DF, Relator Ministro ILMAR GALVÃO, DJ 29.06.2001).

Com efeito, a exploração de jogos de azar e loterias continua sendo qualificada como contravenção penal (Lei de Contravenções Penais, Decreto-Lei n° 3.688, de 03.10.41, arts. 50-58)

8. Portanto, para ser legítima, a exploração de loterias e outros jogos de azar deverá realizar-se com a permissão ou participação do Estado, seja pela exploração direta levada a efeito por órgãos ou entidades públicas, seja pela delegação a particulares. A legislação sobre loterias e jogos de azar, assim, configurasse como derrogação excepcional das normas de direito

penal.”

(…)

“13. Destarte, pode-se concluir que razão assiste aos requerentes. A ofensa à ordem pública suscitada, em suas acepções jurídico-administrativa e jurídicoconstitucional, encontra-se devidamente evidenciada no descompasso entre as decisões proferidas pela Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região e os dispositivos constitucionais destacados. Não poderia aquele órgão, ao arrepio da legislação pertinente, deferir medida liminar de sorte a viabilizar o prosseguimento da exploração de jogos de bingo ou loterias.”

7. Ante o exposto, com fundamento no art. 4º da Lei 8.437/92, defiro o pedido para suspender a execução da liminar (fl. 172), deferida pelo Relator nos autos da Ação Cautelar 2006.02.01.006073-8, em trâmite no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, e do acórdão (fls. 236-245 e 261-263) proferido pela 7ª Turma do TRF da 2ª Região no Agravo de Instrumento 2005.02.01.006405-5.

Comunique-se.

Publique-se.

Brasília, 06 de setembro de 2006.

Ministra Ellen Gracie

Presidente

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