Autonomia do governo

Blumenau (SC) não terá delegacia da Polícia Federal

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7 de setembro de 2006, 10h45

A Justiça negou o pedido do Ministério Público Federal que queria instalar uma delegacia da Polícia Federal em Blumenau (SC). A sentença é do juiz substituto da 1ª Vara Federal do município, Leandro Paulo Cypriani, e foi publicada na quarta-feira (6/9).

O juiz entendeu que cabe exclusivamente ao Poder Executivo decidir sobre a conveniência e oportunidade da medida. “Ao Poder Judiciário é vedado, sob o pretexto de estar protegendo direitos coletivos, ordenar a prática desse ato, pena de flagrante violação ao princípio da separação dos poderes”, considerou Cypriani.

Na mesma sentença, a Ação Civil Pública foi extinta sem julgamento de mérito com relação ao pedido do MPF para que fosse determinada ao presidente da República a elaboração de projeto de lei criador dos cargos necessários.

O juiz considerou, ainda, que a realização de fatos concretos pela Administração está vinculada a dotações orçamentárias prévias e a programas de prioridades estabelecidas pelo governo, “aos quais não pode o Judiciário substituir, mesmo que estas se revistam de cunho social mais elevado”.

Cypriani afirmou que “seria bom que cada delegacia da Polícia Federal fosse bem estruturada, e, muito bom, se em cada sede da Justiça Federal existisse, também, uma delegacia da Polícia Federal nessas condições”. Entretanto, “melhor ainda se, em cada cidade, tivéssemos escolas primárias, secundárias e universidades devidamente aparelhadas e estruturadas, aí, talvez, muitas das delegacias não fossem, nem mesmo, necessárias”, ponderou o juiz.

Para o juiz, embora seja preciso tentar superar as “mazelas” do Poder Público, “isso não se consegue de um dia para ou outro, na crença de que tudo se resolve na base da ‘canetada’, como se essa, como que um cajado de Moisés, conseguisse produzir milagres”, concluiu.

Segue a íntegra da sentença:

PRIMEIRA VARA FEDERAL DE BLUMENAU

PROCESSO N.º: 2005.72.05.005087-8

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RÉU: UNIÃO FEDERAL

SENTENÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público Federal, através do seu Representante que a inicial subscreveu, ajuizou esta Ação Civil Pública, com pedido de liminar, contra a União Federal, onde almeja a criação e a instalação de uma Delegacia da Polícia Federal neste Município, com o preenchimento dos respectivos cargos, tudo sob cominação de multa diária no valor R$ 200,00 por dia de atraso.

Para tanto, asseverou, em suma, que em 02/06/2004 foi instaurado procedimento administrativo a fim de apurar deficiência da Polícia Federal na realização de diligências. Juntados diversos documentos, v erificou-se a existência daquela. Os fatos apurados são graves, especialmente no cumprimento de ordens judiciais. Relatou atrasos no cumprimento de diligências, o que continua a ocorrer. A inexistência de Delegacia de Polícia Federal, em Blumenau, faz com que ordens judiciais sejam constantemente descumpridas, sob alegação de falta de verbas, indisponibilidade de efetivo, etc., o que faz com que o Poder Executivo acabe por controlar a efetividade das ações do Poder Judiciário (art. 85, CF), interferindo na independência dos poderes (art. 2º, CF). Pelos mesmos motivos, a investigação criminal torna-se lenta, pouco produtiva, de modo a interferir no livre exercício do Ministério Público (art. 85, II, CF). Acrescentou que a ausência da Delegacia da Polícia Federal, em Blumenau, afeta a segurança pública, por não permitir lavraturas imediatas de flagrante ou outras situações que relatou. Também geram insegurança no descumprimento ou cumprimento tardio de ordens judiciais e a dif iculdade do exercício das atividades do Ministério Público Federal. Razões orçamentárias não justificam a não instalação. Apontou as dificuldades da Delegacia da Polícia Federal de Itajaí, que atende, também, esta Cidade. Além disso, há recursos destinados a despesas emergenciais da Polícia Federal, a teor do que dispõe a LC nº 89/97 e do Decreto 2.381/97. A região de Blumenau possui considerável índice de criminalidade, sendo que a prática da prorrogação de prazo à conclusão das investigações policiais tem sido constante, segundo dados que apresentou. Instando a manifestar-se, o Ministro da Justiça quedou-se silente, limitando-se a encaminhar as indagações à Polícia Federal, que respondeu. Registrou que a Polícia Federal instaurou, aqui, posto de fornecimento de passaportes. Concernente à alegada falta de pessoal, já houve a criação de inúmeros cargos (Lei nº. 10.682/03), inclusive com a realização de concurso público, aberto pelo edital de 15/07/04, sendo que nem todos os candidatos foram chamados. Com relação à falta de função de Delegado Chefe, óbice também oposto à instalação, transcreveu declaração do Delegado Chefe da DPF de Itajaí, onde mencionou que ato administrativo permitiria o remanejamento de gratificações. Ainda, asseverou que o Decreto nº. 4.411, de 07/10/02, dispõe sobre a atuação da Forças Armadas e da Polícia Federal nas unidades de conservação, sendo que na área abrangida pela Circunscrição Judiciária Federal de Blumenau se encontra o Parque Nacional da Serra do Itajaí, unidade de conservação, criado pelo Decreto de 04.06.04. Salientou, outrossim, que a ausência da pretendida unidade policial fere o direito fundamental à segurança, não havendo necessidade de lei para instalação da mesma, cujo ato, se determinado pelo Judiciário, este estará apenas resguardando sua autonomia e independência.


Enfatizou que o inquérito civil público que deu origem a esta teve início por provocação de órgão do Poder Judiciário Federal. Postulou a concessão da liminar e, sob alegação de atentado, neste postulou a determinação das medidas que alinhou.

Instada, a União Federal manifestou-se em conformidade com o art. 2º da Lei nº. 8.437/92 (fls. 249-59).

A liminar foi inferida nos termos da decisão das fls. 267-71.

Da decisão indeferitória da liminar o Ministério Público Federal interpôs Agravo de Instrumento (fls. 274-83).

A União, citada, a tempo e modo contestou (fls. 297-312). Em síntese, prefacialmente, sustentou a inadequação da via processual, ante o não cabimento, em casos tais, do manejo da ação civil pública; bem assim, a ilegitimidade ativa e a incompetência absoluta deste Juízo, eis que é inadmissível a utilização de ação civil pública como sucedânea da ação direta de inconstitucionalidade quando há usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, como ocorre no presente caso, sendo este, pois, o órgão competente para o apreço da questão. No mérito, aduziu que, independe ntemente da análise da possibilidade material da instalação da Delegacia da Polícia Federal, em Blumenau, e da averiguação da alegada omissão do Presidente da República em elaborar projeto de lei criando os cargos necessários, não cabe ao Poder Judiciário, sob pena de violação ao princípio constitucional da repartição de Poderes, determinar ao Executivo como e onde devem ser realizados atos típicos de gestão (administração). As normas em que o autor fundamenta sua pretensão são de conteúdo programático e as providências que deseja só poderiam ser exigidas via judicial se existisse ato normativo determinando, expressamente, a criação da Delegacia nesta cidade, inclusive com previsão dos meios de concretização do implemento.

Além do que, toda e qualquer atividade custeada pelo Estado exige prévia dotação orçamentária, conforme as normas de direito financeiro. Destacou trecho da resposta oferecida pela Polícia Federal à indagação Ministerial, a discricionariedade da Administraç ão e a pretensão de declaração de inconstitucionalidade por omissão pretendida pelo demandante, realçando que a iniciativa de projeto de lei, na hipótese, não se compreende nas atribuições de natureza administrativa do Chefe do Poder Executivo, descabendo a fixação de prazo para tal mister. Ainda, referiu que a procedência da ação prejudicaria o funcionamento de outras unidades da Polícia Federal, já instaladas, ante a existência de limitações estruturais e orçamentárias, existindo idênticas dificuldades quanto à transformação de um posto de fornecimento de passaportes numa Delegacia de Polícia Judiciária. Por fim, insurgiu-se contra a honorária pleiteada.

Houve réplica (fls. 372-4).

A União, em autos apartados, impugnou o valor dado à causa (certidão – fl. 375), acolhida, em parte (cópia da decisão – fls. 382-3).

Sem dilação probatória, os autos foram anotados para sentença.

FUNDAMENTAÇÃO

A inadequação da via processual. Disse a União, em sua peça de redargüição, que a ação civil pública não serve para determinar “ao Executivo a implementação de atos concretos de administração”. Sucede, porém, que se a lesividade ou a ilegalidade que justificaram à sua utilização têm reflexos no que diz respeito a interesses qualificados como difusos ou coletivos – no caso, a segurança pública – ajusta-se a sua previsão no inciso IV do art. 1º da Lei nº. 7.347, de 24 de julho de 1985. Ademais, a restrição imposta pelo art. 1º, no caput, não mais subsiste frente ao disposto no inciso III do art. 129 da CR/88, que incluiu dentre as funções institucionais do Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção de “outros interesses difusos e coletivos.”

A respeito:

“CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. NULIDADE DE PORTARIA DE EFEITOS CONCRETOS. CARGO PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE E ILEGALIDADE. VIA PROCESSUAL ADEQUADA. SENTENÇA ANULADA.

1. É cabível o manejo de ação civil pública em defesa de direitos e interesses difusos ou coletivos, no caso, a nulidade de ato administrativo que prejudica interesse indisponível não só da categoria, haja vista que, indubitavelmente, o preenchimento de cargos públicos é matéria de relevância, pertencente à coletividade e assentado nos princípios norteadores da Administração Pública.

Precedentes da Corte e do STJ: (cf. TRF1, AC 1997.01.00.029023-3/MG, Rel. Desembargador Federal Lindoval Marques de Brito, 1ª Turma, DJ de 11.03.99, p. 19; TRF1, EIAC 2001.01.00.048500-4/MG, Rel. Desembargador Federal Eustáquio Silveira, 1ª Seção, DJ de 19.09.2003, p. 83; STJ, RESP 180350/SP, Rel. Ministro Garcia Vieira, 1ª Turma, DJ de 09/11/987, p. 55).


2. Apelação a que se dá provimento para anular a sentença, determinando o retorno dos autos à Vara de origem.” (Destaquei) (TRF – 1ª R., AC – 9601463232, Fonte DJ DATA: 7/4/2005 PAGINA: 120, Relator(a) JUIZ FEDERAL MARK YSH IDA BRANDÃO).

Rechaça-se, pois, a preliminar.

A ilegitimidade ativa. A incompetência absoluta. Sustentou a União, em proemial, que o Ministério Público Federal, ao propugnar que seja “determinado ao Presidente da República que elabore o projeto de lei criador dos cargos necessários”, não observou o comando dos arts. 102, I, ‘a’ e 103, I a IX, da CR/88.

A alegação, como se vê, restringe-se ao pedido relativo à inconstitucionalidade por omissão.

Tem-se que é possível, em sede de ação coletiva, dentre as quais, a ação civil pública, a declaração de inconstitucionalidade, incidenter tantum, de lei ou ato normativo federal ou local.’ (RE 227159/GO, Min. Néri da Silveira). No entanto, isso somente é permitido desde que a controvérsia constitucional não figure como pedido, mas sim como causa de pedir, fundamento ou simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal, em torno da tutela do interesse público. (STJ, REsp n. 403355 /DF, Min. Eliana Calmon).

A respeito:

“TRIBUTÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO UNITÁRIO. INOCORRÊNCIA. INÉPCIA DA INCIIAL POR AUSÊNCIA DE CAUSA DE PEDIR. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE E INADEQUAÇÃO DA VIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. MÉRITO ADMINISTRATIVO. ALCANCE DOS EFEITOS DA DECISÃO. LIMITES DA COMPETÊNCIA. EXTENSÃO DA COISA JULGADA. ARTIGOS 16 DA LEI 9494/97 E 103 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA LEI POSTERIOR. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. REEXAME NECESSÁRIO. ARTIGO 475, II DO CPC. INAPLICABILIDADE. COBRANÇA DE VALORES MÍNIMOS DE ENERGIA ELÉTRICA. IMPOSSIBILIDADE. DIVISÃO DAS TARIFAS DA CATEGORIA ‘BAIXA RENDA’ EM FAIXAS.

(…)

4. A ação civil pública não é via adequada a substituir a ação direta de inconstitucionalidade, sob pena de adentrar em competência afeta ao Supremo Tribunal Federal. No entanto, se a questão da inconstitucionalidade apenas se apresenta como prejudicial à análise da questão de fundo, não há o impedimento de que seja apreciada na ação civil pública. Precedentes desta Corte e do STF.” (TRF – 4ª R., AC Processo: 200071070031040, UF: RS, Fonte DJU DATA:27/10/2004, PÁGINA: 595, Relator(a) DIRCEU DE ALMEIDA SOARES).

No caso sob exame, verifica-se que o demandante formulou pedido de declaração de inconstitucionalidade por omissão, que, no entanto, não se mostra indispensável à solução da controvérsia principal. Trata-se de pedido autônomo, circunstância que ele próprio reconheceu, ao registrar que “há pedidos concretos e um pedido incidental condicional”. Condicionalidade que, no entanto, não condiz com a apreciação do pedido principal – a instalação de uma Delegacia da Polícia Federal, em Blumenau – mas com relação ao preenchimento dos respectivos cargos, se os candidatos do último concurso já tiverem sido todos chamados.

De tal sorte, não sendo o exame da inconstitucionalidade por omissão caminho neces sário ao deslinde da controvérsia (principal) estabelecida, mas pedido autônomo, transveste-se a ação civil pública em verdadeira ação direta de inconstitucionalidade, relativamente ao pedido de decreto de inconstitucionalidade por omissão. Daí porque, não só a via não se mostra adequada, mas, sobretudo, não detém o Ministério Público Federal legitimidade para deflagrá-la, a teor do art. 103, como, outrossim, falece a este Juízo competência para processá-la, em conformidade com o art. 102, I, ‘a’, da CR/88. Impondo-se, assim e no ponto, a extinção do feito, sem o exame do mérito.

O mérito. Estabelece a CR/88 que são de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que disponham sobre criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem assim, a criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI. É o que se infere do art. 61, § 1º, II, a, b e e, da CR/88.

De sua vez, o art. 84, VI, preceitua ser da competência privativa do Presidente da República dispor, mediante decreto, sobre a organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos, a extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos, e, ainda, prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei.

Da interpretação conjugada das aludidas disposições extrai-se, com clareza, ser da competência exclusiva do Presidente da República (por decreto, se não há aumento de despesa, criação ou extinção de órgãos públicos; por lei de sua iniciativa, se houver) dispor sobre a organização e funcionamento da administração federal.


A disposição traduzida no art. 1º do Decreto nº. 4.411, de 07/10/2002, aventado pelo Ministério Público Federal, além de não ter o condão de sobrepairar sobre as disposições de estatura constitucional, não obriga, nem vincula à instalação e manutenção de Delega cia da Polícia Federal onde há unidade de conservação; mas, apenas, estipula que essas ações estão compreendidas dentre as atribuições constitucionais e legais das Forças Armadas e da Polícia Federal.

Assim, não resta qualquer dúvida que a instalação de uma unidade da Delegacia da Polícia Federal, em Blumenau, como se pretende, insere-se no âmbito do ato discricionário que pertence, única e exclusivamente, à Administração, a quem compete, seguindo os critérios de conveniência e oportunidade decidir acerca dessa implantação. Ao Poder Judiciário é vedado, sob o pretexto de estar protegendo direitos coletivos, ordenar a prática desse ato, pena de flagrante violação ao princípio da separação dos poderes agasalhado no art. 2º da CR/88.

A “discricionariedade” – registrou Helly Lopes Meirelles “é liberdade de ação administrativa, dentro dos limites permitidos em lei (..). Essa liberdade funda-se na consideração de que só o administrador, em contato com a realidade, e sta em condições de bem apreciar os motivos ocorrentes de oportunidade e conveniência da prática de certos atos (…). só os órgãos executivos é que estão, em muitos casos, em condições de sentir e decidir administrativamente o que convém e o que não convém ao interesse coletivo. (…) O que o judiciário não pode é, no ato discricionário, substituir o discricionarismo do administrador pelo do juiz. Mas pode sempre proclamar as nulidades e coibir os abusos da Administração.” (In Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 114/116).

Nessa trilha a jurisprudência:

“RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. AUDITOR FISCAL DO TESOURO NACIONAL. EDITAL ESAF Nº 16/91. CONVOCAÇÃO PARA A SEGUNDA ETAPA DO CONCURSO. ARTIGO 56 DA LEI 8.541/92. ATO DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRETERIÇÃO. INOCORRÊNCIA.

(…)

3. Não há como pretender que o Poder Judiciário substitua o Poder Executivo no exercício de competências que lhes são p róprias, instaurando-se a confusão de poderes, de modo a comprometer irreversivelmente o Estado de Direito que tem, na separação das funções soberanas do Estado, um dos seus mais importantes pilares.” (STJ, REsp 310361, Relator(a) Ministro HAMILTON CARVALHIDO, DJ 15.04.2002, p. 269).

“ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA

1.O Poder Judiciário, no exercício da função jurisdicional, deve observância aos princípios constitucionais, inclusive ao da independência e harmonia entre poderes (art. 2º, CF).

2.A observância das normas constitucionais delimita a interpretação e o âmbito de aplicação da legislação infraconstitucional.

3. Não compete ao Judiciário, no seu mister, editar normas genéricas e abstratas de conduta, nem fixar prioridades no desenvolvimento de atividades de administração.

4. Ao Poder Executivo compete analisar a conveniência e oportunidade da adoção de medidas administrativas.

5.Agravo desprovido.” (STJ, AgRg no REsp 261144, Re lator(a) Ministro PAULO MEDINA, DJ 10.03.2003, p. 143).

Ademais, a atividade de realizações de fatos concretos pela Administração está sempre vinculada a dotações orçamentárias prévias e a programas de prioridades que devem ser estabelecidas pelos governos, aos quais não pode o Judiciário substituir na escolha destas prioridades, mesmo que estas se revistam de cunho social mais elevado.

Segundo de Eduardo Marcial Ferreira Jardim:

“(…) despesa pública seria aquela prevista e autorizada no orçamento.”

“(…) a realização da despesa pública se condiciona à sua inclusão na lei orçamentária, cabendo assinalar que sua gestão é cometida ao Executivo. Por conseguinte, a efetivação da despesa pública se desenvolve sob a égide da função administrativa, daí o seu caráter infralegal. (…) a despesa pública se subordina ao princípio da legalidade, sendo que a inobservância do aludido postulado rende margem à configuração de crime de responsabilidade por parte d os agentes políticos (…)”

“Uma vez cumprido o ciclo procedimental de criação de leis, o diploma orçamentário ganha vigência e eficácia, pelo que as entidades públicas assumem o dever jurídico de observar os ditames contidos na lei orçamentária.” (In Manual de Direito Financeiro e Tributário. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 40, 44, 45 e 75).

Não se olvide, outrossim, segundo a doutrina, que “em face dos textos constitucionais, nenhuma despesa pode ser realizada sem previsão orçamentária (…) ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento constitui ato de improbidade administrativa, segundo o art. 10, inciso IX, da Lei nº 8.429, de 2.7.1992, punível na forma do art. 12 e inciso II da mesma Lei.” (HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 45-46).


Já a asserção de que o princípio da segurança pública sofre agressão desmerece, também, guarida. A política de segurança pública, sob a ótica da Polícia Federal, obviamente, há de ser dimensionada nacionalmente. Não se pode pensar em segurança pública, nesse âmbito, com os olhos voltados nesta ou naquela cidade ou região, mas em todo o País. Se Blumenau dista 40 ou 47km de Itajaí, onde se encontra uma Delegacia da Polícia Federal, cidades ligadas por vias asfaltadas e isso traz conseqüências danosas ao bom andamento dos trabalhos policiais, como argumenta o Ministério Público Federal, certamente, naquelas regiões fronteiriças, donde não há Delegacias (e-ou) as mais próximas (se é que existem) distam, por vezes, milhares de quilômetros, o dano é muito maior. É por aí que entram as armas, as drogas, fluem clandestinamente as nossas riquezas naturais, sem o devido controle.

Diante dessa realidade, a pergunta que não quer calar: onde, então, o governo deve priorizar os investimentos em segurança pública? A resposta nos parece óbvia. Claro que seria bom que cada Delegacia da Polícia Federal fosse bem est ruturada, e, muito bom, se em cada sede da Justiça Federal existisse, também, uma Delegacia da Polícia Federal nessas condições. Melhor ainda se, em cada cidade, tivéssemos escolas primárias, secundárias e universidades devidamente aparelhadas e estruturadas, aí, talvez, muitas das delegacias não fossem, nem mesmo, necessárias. Mas é preciso conviver com as mazelas do Poder Público, embora tentando superá-las – é bem verdade – mas isso não se consegue de um dia para o outro, na crença de que tudo se resolve na base da “canetada”, como se essa, como que um cajado de Moisés, conseguisse produzir milagres.

Quanto à menção de que a inexistência de uma Delegacia aqui em Blumenau acarreta demora na tramitação dos Inquéritos Policiais, criando risco irreversível de prescrição nos processos criminais, bem assim, a demora no cumprimento de mandados de busca e apreensão gera a perda de provas no Inquérito Policial, não há nenhuma evidência de que isso provém da ausência de uma Delegacia aqui, mas, com maior probabilidade, do fato de que aquela que existe em Itajaí padece de gravíssimas deficiências estruturais e humanas (falta de funcionários, gasolina, etc.).

Porquanto, não há dúvidas de que se a Delegacia da Polícia Federal de Itajaí tivesse a formação logística completa, a eficiência seria decorrência inerente, logo, não teríamos problemas no cumprimento de diligências e na tramitação de inquéritos, enfim. Além do que, não existe nenhum elemento que enseje a convicção de que em sendo instalada uma unidade nesta cidade não padecerá ela de símiles condições precárias que se verifica em Itajaí e em todas (ou quase) Delegacias da Polícia Federal do País.

Já a asseveração de que “as constantes viagens de Policiais e servidores entre Itajaí e Blumenau geram despesas desnecessárias e risco de acidentes”, isso não pode ser utilizado como argumento relevante. Instalada Delegacia em qualquer lugar do País, teria que haver o deslocamento de Policiais, principalmente aqueles que desenvolvem trabalho de “campo”, por exemplo, os Policiais de Blumenau, caso aqui existisse uma Delegacia, teriam que se deslocar a Rio do Sul e, até mesmo, para o interior da própria cidade. Lá ou aqui haveria a necessidade de deslocamento.

Por estas razões e, à luz do princípio da separação dos poderes, que obsta a indevida intromissão do Judiciário em assuntos da competência estrita do Executivo, não há razão para que seja modificado o pensamento expressado quando do exame da liminar. E, por conseqüência, o inacolhimento do pleito inicial se mostra impositivo.

DISPOSITIVO

DIANTE DO EXPOSTO: (a) afasto a preliminar de inadequação da via eleita; (b) acolho as prefaciais de ilegitimidade ativa e incompetência absoluta e, por isso, extingo o feito, sem resolução do mérito, no que tange ao pedido de decreto de inconstitucionalidade por omissão formulado no item ‘e)’ da inicial; e, c) no mérito, julgo improcedentes os pedidos formulados na exordial.

Sem custas e honorários de advogado (art. 18, Lei nº. 7.437/85).

P. R. I.

Blumenau, SC, 05 de setembro de 06.

LEANDRO PAULO CYPRIANI

Juiz Federal substituto

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