Quinto inconstitucional

STF anula lista do quinto constitucional feita pelo TJ paulista

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6 de setembro de 2006, 19h27

Os tribunais não podem interferir na composição das listas enviadas a eles pela OAB para a escolha dos advogados indicados ao quinto constitucional. O entendimento foi firmado pelo Supremo Tribunal Federal nesta quarta-feira (6/9). Com base no voto do ministro Sepúlveda Pertence, o Plenário do STF julgou ilegal o ato do Tribunal de Justiça de São Paulo, que ignorou uma lista sêxtupla enviada pela OAB e a reconstruiu com outros nomes.

O resultado, contudo, ainda não sela o fim troca de golpes que começou há quase um ano entre a advocacia e a magistratura. Na ocasião, os desembargadores decidiram não votar a primeira de cinco listas sêxtuplas elaboradas pela Ordem e fazer uma nova, com os nomes remanescentes das outras quatro. Com a decisão do Supremo, o TJ terá de votar a lista da OAB ou justificar objetivamente porque os nomes apresentados não servem para a magistratura.

O ministro Pertence declarou nula a lista do tribunal e afirmou que o TJ paulista pode até devolver à Ordem a lista, desde que a devolução seja “fundada em razões objetivas de carência por um ou mais, dos indicados dos requisitos constitucionais” para a vaga de desembargador. Há dez meses, o ministro Sepúlveda Pertence havia concedido liminar para suspender o envio da lista refeita pelos desembargadores ao governo paulista.

Nesta quarta, a sustentação oral em defesa do Mandado de Segurança ajuizado pela OAB-SP foi feita pelo advogado Ives Gandra da Silva Martins (leia a sustentação abaixo). De acordo com Ives, chancelar o ato do TJ paulista seria permitir uma inovação que violenta “a uniformidade pretendida pela norma constitucional e a igualdade essencial entre os advogados que se encontram nas condições previstas na Constituição Federal”. O argumento foi acolhido.

Lista da discórdia

A lista que provocou o atrito entre advocacia e magistratura paulistas foi a primeira analisada pelos desembargadores na sessão de 19 de outubro de 2005. Dos 25 votos do Órgão Especial, o mais votado, Orlando Bortolai Junior, obteve apenas sete. Houve 12 votos em branco e dois nulos. Em vez de indicar nomes que sequer conseguiram superar os votos anulados, o TJ preferiu reunir os mais votados de outras listas.

Os outros advogados da primeira lista eram Acácio Vaz de Lima Filho, Luís Fernando Lobão Morais, Mauro Otávio Nacif, Paulo Adib Casseb e Roque Theophilo Junior. Já a lista da discórdia feita pelos desembargadores tinha os nomes de Spencer Almeida Ferreira (17 votos), Alcedo Ferreira Mendes (13) e Martha Ochsenhofer (13).

Ao formar nova lista, o Tribunal de Justiça de São Paulo sustentou que quis prestigiar os mais bem cotados, já que o mais votado na primeira lista não passou nem perto daqueles que ficaram em quarto lugar nas demais. O Órgão Especial do TJ teria se recusado a votar a lista por entender que ela foi feita para beneficiar preferidos de dirigentes da OAB. Um dos nomes teria sido reprovado nove vezes em concurso para a magistratura.

Mas, para a OAB paulista, a Constituição Federal não dá margem para que o tribunal refaça uma lista. O texto constitucional determina que um quinto dos lugares dos tribunais deve ser composto por membros do Ministério Público e da advocacia, “indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes”. E completa que, depois de recebidas as indicações, “o tribunal formará lista tríplice, enviando-a ao Poder Executivo, que, nos vinte dias subseqüentes, escolherá um de seus integrantes para nomeação”.

Para o presidente da seccional paulista da OAB, Luiz Flávio Borges D’Urso, o julgamento do STF é uma vitória “esperada pela advocacia paulista porque a OAB-SP agiu dentro do que determina a lei”. De acordo com D’Urso, “a vontade da advocacia paulista foi traduzida pelo conselho da seccional, que de forma secreta escolheu os integrantes a lista sêxtupla do quinto constitucional, cumprindo rigorosamente o que estabelece a Constituição Federal. Encaminhada essa lista ao Tribunal de Justiça, caberia ao mesmo escolher três nomes e não criar uma lista própria”. Na opinião do advogado Sérgio Niemeyer, “o STF consagrou a importância da advocacia na administração da Justiça brasileira”.

Veja a sustentação de Ives Gandra

Havia, no TJ/SP, cinco vagas destinadas ao quinto constitucional. A OAB apresentou as cinco listas sêxtuplas. O TJ/SP reduziu quatro dessas listas sêxtuplas. Ignorou a primeira lista sêxtupla e compôs uma “lista tríplice substitutiva”, no lugar de encaminhar ao Executivo uma lista tríplice decorrente da redução daquela lista sêxtupla. Essa “lista tríplice substitutiva” foi composta, pelo TJ/SP, por dois nomes indicados pela OAB para integrar a quinta vaga e por um nome indicado para integrar a terceira vaga, sob o argumento de que, embora não escolhidos para integrar as suas respectivas listas tríplices, foram bem votados.

A justificativa do TJ/SP é de que os integrantes da primeira lista sêxtupla não foram bem votados – o que recebeu mais votos obteve apenas 7, sendo que o Órgão Especial é composto de 25 membros – e, ainda, que um advogado integrante da lista teria, por 10 vezes, se submetido ao concurso da magistratura, sem sucesso.

Em resposta, a OAB aduz que a proporção não seria de 7/25 e sim, de 7/11, uma vez que o art. 117 do RITJ/SP prevê: “Salvo disposição legal em contrário, o órgão especial deliberará sobre questão administrativa e exercerá sua função jurisdicional por maioria simples, constituída, pelo menos, de onze votos”. E, quanto à alegação de que um dos indicados na lista sêxtupla teria sido, por 10 vezes, reprovado no exame da magistratura, aduzem que Frederico Marques foi reprovado, no mesmo exame, por 8 vezes e, ninguém ignora o seu notável saber jurídico.

O art. 94 da Constituição Federal:

“Art. 94. Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros, do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes.

Parágrafo único. Recebidas as indicações, o tribunal formará lista tríplice, enviando-a ao Poder Executivo, que, nos vinte dias subseqüentes, escolherá um de seus integrantes para nomeação”.

Previu um ato complexo, cabendo ao Poder Judiciário o exercício de um ato vinculado. O Tribunal de Justiça, ao receber a lista elaborada pela OAB – que é o órgão competente, segundo a CF para selecionar os advogados que irão concorrer ao quinto – não pode deixar de reduzir a lista sêxtupla e, muito menos, pode criar lista tríplice a partir de outros nomes que não daqueles constantes da lista que lhe foi apresentada.

Daí a manifestação do Ministério Público nesses autos que, ao opinar pela concessão da segurança, afirmou:

“…, uma vez escolhidos pela entidade de classe, no caso a OAB, candidatos que não reúnam os requisitos do notório saber jurídico e da reputação ilibada, não cumpriria ao tribunal empreender nova escolha, como se deu na espécie, situação em que estaria usurpando direito alheio”.

Desde 1934 as Constituições brasileiras sempre trouxeram previsão de idêntico conteúdo à do art. 94. E, esse dispositivo da Constituição Federal de 1988, para além de ser auto-aplicável, não permite qualquer restrição além das que veicula. Os únicos requisitos para o preenchimento das vagas destinadas ao quinto constitucional são aqueles previstos em seu próprio texto. E quais são eles? (a) que a OAB – órgão de classe dos advogados – remeta lista sêxtupla ao TJ, (c) que essa lista sêxtupla contenha nome de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de 10 anos de efetiva atividade profissional, (d) que essa mesma lista, e não outra, seja reduzida pelo Tribunal a uma lista tríplice – o que já confere ao Judiciário grande liberdade, pois os critérios para a redução são subjetivos – e (e) que a nomeação se dê, a partir da lista tríplice, pelo Chefe do Poder Executivo.

A Constituição Federal é taxativa – como decidiu esse Tribunal a respeito do art. 144 IV da Constituição anterior, ao reconhecer a ilegalidade de lei estadual que pretendeu criar limitações de idade à investidura de advogados em Tribunal Estadual (Representação 1202/MG) – não permite outras exigências, como, por exemplo, que os nomes indicados na lista sêxtupla recebam calorosa votação no Tribunal e, muito menos, que tais advogados nunca tenham sido reprovados em exame da magistratura. O ato coator agride o art. 94 CF, porque impõe condição que extravasa o conteúdo do texto constitucional.

A CF, por outro lado, previu critérios uniformes para o preenchimento dos cargos em toda a Federação. Chancelar o ato coator seria permitir ao Estado de São Paulo inovar nesse procedimento, violentando a uniformidade pretendida pela norma constitucional e a igualdade essencial entre os advogados que se encontram nas condições previstas na Constituição Federal. A esse respeito vale lembrar a lição deixada pelo Min. Sydney Sanches, quando esse Eg. Tribunal declarou a inconstitucionalidade de lei de Minas Gerais que criou o mencionado requisito relativo aos limites mínimo e máximo de idade para nomeação de advogado a cargo de magistrado estadual:

“Esses objetivos de uniformidade e de unidade decorrem do próprio caráter nacional das Justiças estaduais. Como acentua Castro Nunes, invocando João Mendes, ao decidirem conflitos que têm seu fundamento no direito federal, sob a égide da Constituição Federal, as Justiças dos Estados são órgãos da soberania nacional. Observa o mesmo autor que, não tendo vingado a idéia de uma Justiça única, prevaleceu a solução medida, de manter na competência dos Estados a organização e a divisão judiciárias e, por outro lado, de estabelecer na Lei Fundamental os preceitos dentro dos quais tem de mover-se o legislador estadual, a bem do resguardo da independência da magistratura.

Se fosse possível a cada um dos Estados estabelecer condições outras para a investidura de advogados … nos Tribunais estaduais, certamente estariam ameaçados de rompimento esses objetivos emergentes da Lei Fundamental”.

O ato coator impugnado já causou graves danos morais a todos os envolvidos e grande inquietação àqueles que aguardam a redução da lista sêxtupla originária encaminhada pela OAB. Consumiu páginas dos jornais locais, uma sessão desse Tribunal para decidir questão de ordem quanto à competência jurisdicional e o tempo do E. Min. Relator que se debruçou sobre os autos para conceder a liminar e suspender os seus efeitos. Todo esse desgaste para a magistratura nacional me faz lembrar do voto do E. Min. Rezek – agora meu companheiro de angústia na sofrida vida de advogado – , proferido quando este Eg. Tribunal teve a oportunidade de analisar os critérios de preenchimento do quinto constitucional nos Estados que contavam com Tribunais de Alçada – tese que também tive a honra de subir a essa Tribuna para sustentar – :

“… A conta desse episódio, que já consumiu sessões diversas do Supremo, exaurimos a nossa plenária de ontem; e à conta dele vamos consumindo a plenária de hoje. O que vejo como alarmante é o elevado percentual do tempo de trabalho judiciário que se consome para resolver os problemas criados pela própria máquina. A instituição custeada pela cidadania, pelo povo de um país heterogêneo e, no essencial, ainda pobre, a instituição da qual se espera idealmente que resolva problemas e litígios criados na sociedade leiga, vem-se esgotando em resolver os seus próprios. De nós espera a sociedade que falemos, pelo menos nós, a comunidade jurídica, que reúne juízes, advogados e procuradores, uma mesma linguagem; que pelo menos para nós o direito se aproxime de parecer unívoco.

… Nas conseqüências que sobre a imagem da comunidade jurídica podem recair, neste momento em que a consciência crítica da nacionalidade emerge, é desalentador pensar.

O Século XXI bate à nossa porta, os feitos desabam a cada dia sobre nossas cabeças, nossa agenda padece de um crônica superlotação, e o tempo que consumimos para resolver problemas gerados dentro do nosso próprio seio é algo que beira a monstruosidade.…” (grifamos) (Reclamação 500-3/PR, DJ 21.06.2002).

Por esses fundamentos a impetrante requer a concessão da segurança, com o reconhecimento da inconstitucionalidade do ato coator, determinado-se à d. autoridade coatora que reduza a primeira lista sêxtupla que lhe foi encaminhada e remeta a lista tríplice daí decorrente ao Poder Executivo, como lhe impõe o art. 94 CF.

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