Mal amado

Época é condenada por citar Edmundo como exemplo de rejeição

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6 de setembro de 2006, 10h45

A Editora Globo não conseguiu reverter a decisão que determinou o pagamento de indenização por danos morais ao jogador Edmundo, citado na revista Época como um exemplo de rejeição. A ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, negou recurso da editora contra decisão de segunda instância que condenou a editora a indenizar o jogador por danos morais em R$ 35 mil. E mais: publicar a íntegra da decisão que reconheceu o direito de Edmundo à indenização.

O processo foi movido pelo jogador de futebol por conta de uma nota publicada na edição da revista Época, de 13 de maio de 2002. Ao comentar a estratégia de campanha do PSDB, a nota apontava Edmundo “como exemplo de rejeição”. A revista afirmava que a campanha tucana usaria a imagem do jogador, conhecido como “Animal”, para fazer um paralelo à suposta mudança de imagem do candiato Lula. “De repente, em um jogo, [Edmundo]comete falta e aceita a expulsão em clima de paz. Ao final da propaganda, aparece a pergunta: Você acredita que Edmundo mudou?”

Decisões

A primeira instância reconheceu o direito do jogador e condenou a editora a pagar R$ 35 mil por danos. Ambos, editora e jogador, recorreram. A editora alegou não haver motivos para o dano moral. O jogador tentou acréscimo da indenização.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manteve o entendimento de primeiro grau. O TJ-RJ rejeitou a alegação da Editora Globo. Acolheu apenas parte do pedido de Edmundo para que a editora, além de pagar o dano moral, também publicasse a íntegra da decisão que reconheceu o direito à indenização.

De acordo com o TJ-RJ, a nota teve cunho ofensivo, pois citou “o nome do jogador de futebol como exemplo de rejeição. O autor é citado como exemplo de pessoa temperamental e incapaz de mudar de comportamento, associando sua personalidade à do então candidato à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, deixando transparecer um sentimento de rejeição ao seu nome, em razão de fatos ocorridos na sua vida profissional e pessoal”.

Para a segunda instância, é “inegável a tentativa de achincalhar a imagem do autor, induzindo o leitor ao raciocínio de que o seu nome significa uma espécie de catástrofe nacional, ligado a tudo de ruim que possa vir a acontecer no país”.

A determinação da publicação da sentença no mesmo veículo que divulgou a nota ofensiva foi embasada no artigo 75 da Lei 5.250/67.

Palavra do STJ

A Editora Globo tentou modificar a decisão e entrou com Recurso Especial no STJ. A Corte confirmou o dever da empresa de indenizar o jogador. Assim, a defesa da editora entrou com outro recurso. Desta vez, um Agravo de Instrumento.

A empresa reafirmou a ausência de dano moral e de ato ilícito na questão. Também contestou a ordem de publicação da sentença e afirmou ser exagerado o valor da indenização.

A ministra Nancy Andrighi rejeitou todos os argumentos. Para a relatora, a decisão do TJ-RJ está devidamente fundamentada. A ministra entendeu ser correto o valor arbitrado. Ela ressaltou que o STJ apenas modifica decisões que determinam pagamento de indenizações quando o valor estipulado é considerado irrisório ou exagerado.

“Se o arbitramento do valor da compensação por danos morais foi realizado com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível sócio-econômico da Editora Globo e, ainda, ao porte econômico jogador, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, fazendo uso de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, o STJ tem por coerente a prestação jurisdicional fornecida”, ressaltou a relatora.

A ministra destacou questão técnica de que ainda caberia recurso ao TJ-RJ sobre a publicação da sentença antes de a defesa da empresa ter partido para o Recurso Especial ao STJ. Por esse motivo, “não houve o exaurimento das instâncias ordinárias, imprescindível ao conhecimento do recurso especial”.

Recurso pronto

José Eduardo Fontes Maya, do escritório Osório Maya Ferreira Advogados, que representa a revista Época, afirmou que vai recorrer da decisão para a Turma do STJ. Segundo ele, a revista não emitiu nenhum juízo de valor em relação ao jogador. “Edmundo já era conhecido por animal por conta de seu temperamento, não foi a revista quem o classificou dessa forma.”

AG 781.474

Leia integra da decisão

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 781.474 – RJ (2006/0098057-7)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

AGRAVANTE: EDITORA GLOBO S/A

ADVOGADO: JOSÉ EDUARDO FONTES MAYA FERREIRA E OUTROS

AGRAVADO: EDMUNDO ALVES DE SOUZA NETO

ADVOGADO: LUIZ ROBERTO LEVEN SIANO E OUTROS

EMENTA

Civil e processo civil. Agravo de instrumento. Recurso especial. Negativa de prestação jurisdicional. Falta de exaurimento de instância. Reexame fático-probatório. Inadmissibilidade. – O recurso especial é inadmissível quando couber, perante o Tribunal de origem, recurso contra a decisão impugnada.


—Rejeitam-se os embargos de declaração quando ausente omissão, contradição ou obscuridade a ser sanada.

— Não se admite o reexame fático-probatório dos autos em sede de recurso especial

— A modificação do quantum fixado a título de compensação por danos morais só deve ser feita em recurso especial quando aquele seja irrisório ou exagerado. Precedentes. Agravo de instrumento não provido.

DECISÃO

Agravo de instrumento interposto por EDITORA GLOBO S/A contra decisão que negou seguimento a recurso especial interposto com arrimo nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional.

Ação: de indenização, proposta por EDMUNDO ALVES DE SOUZA NETO em desfavor do ora agravante, objetivando a compensação pelos danos morais em virtude de publicação de matéria jornalística.

Sentença: julgou procedente o pedido para condenar o ora agravante ao pagamento da quantia de R$ 35.000,00 como compensação pelo danos morais.Acórdão: negou provimento à apelação do ora agravante e deu provimento a apelação do ora agravado, nos termos da seguinte ementa: “Dano moral. Direito de imagem. Matéria jornalística de cunho ofensivo. Citação do nome de jogador de futebol como exemplo de rejeição.

O autor é citado como exemplo de pessoa temperamental e incapaz de mudar de comportamento, associando sua personalidade à do então candidato à Documento: 2553686 – Despacho / Decisão – Site certificado – DJ: 05/09/2006 Página 1 de 5 Superior Tribunal de Justiça

Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva, deixando transparecer um sentimento de rejeição ao seu nome, em razão de fatos ocorridos na sua vida profissional e pessoal.

É inegável a tentativa de achincalhar a imagem do autor, induzindo o leitor ao raciocínio de que o seu nome significa uma espécie de catástrofe nacional, ligado a tudo de ruim que possa vir a acontecer no país. O dever de indenizar decorre do nexo causal entre o ato ilicíto praticado por parte da ré, fora do âmbito do direito de informação, e a sua repercussão na esfera moral do autor.

Encontra amparo no art. 75, da Lei n. 5.250/67, o pleito de publicação da íntegra da sentença às expensas da parte vencida e na mesma seção em que apareceu o escrito, uma vez que foi expressamente requerido na inicial. Afasta-se a sucumbência recíproca em ação de indenização por danos morais, tendo em vista que o “quantum” postulado na inicial é meramente estimativo. Precedentes. REsp 692629/RJ, REsp 327397/PR, REsp 291625/SP, REsp 488536/MT e REsp 494867/AM.

Desprovimento do primeiro e provimento parcial do segundo apelo.” (fls. 229)

Embargos de declaração: rejeitados.

Recurso especial: alega violação aos arts. 165, 468, II, 535, II, do CPC, 186, 188, I, 927, do CC/02; 49, da Lei 5.250/67; além de dissídio jurisprudencial, aduzindo, em síntese, nulidade do acórdão por não apreciação de todas as matérias suscitadas, ausência de dano moral e ausência de ato ilícito. Contesta, ainda, a condenação da publicação da sentença em meio jornalístico e que o valor da condenação seria exacerbado.

Decisão agravada: negou seguimento ao recurso especial por ausência de violação ao art. 535 do CPC, por incidência da Súmula 284, do STF e da Súmula 7, do STJ. Por último, aduziu que o acórdão paradigma trouxe o mesmo fundamento do acórdão recorrido,

corroborando assim o entendimento exarado.

Relatado o processo, decido.

– Do exaurimento das vias recursais

O inciso III do art. 105 da Magna Carta admite a interposição de recurso especial contra as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais, pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, nos casos insculpidos em suas Documento: 2553686 – Despacho / Decisão – Site certificado – DJ: 05/09/2006 Página 2 de 5 Superior Tribunal de Justiça alíneas.

Compulsando os autos, verifica-se que a agravante interpôs recurso especial contra decisão que por maioria reformou a decisão de primeiro grau de jurisdição. Contra a referida decisão, caberia, ainda, a interposição de embargos infringentes quanto a publicação da sentença, a ser julgado pelo Tribunal de origem. Portanto, não houve o exaurimento das instâncias ordinárias, imprescindível ao conhecimento do recurso especial.

Dessarte, não tendo sido a publicação da sentença decidida em última instância, incide, na espécie, o entendimento consubstanciado na Súmula 281/STF, que se aplica a recurso especial, consoante pacífica jurisprudência do STJ.

— Da violação ao art. 535 do CPC e da negativa de prestação jurisdicional.

O Tribunal de origem apreciou devidamente as questões relevantes para a resolução da controvérsia, embora com conclusão diversa da pretendida pela agravante, circunstância que não ampara a interposição de embargos de declaração.


O acórdão recorrido encontra-se devidamente fundamentado, tendo apreciado suficientemente as questões de fato e de direito relativas ao processo. Uma vez devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito e fundamentado o v. aresto recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em omissão, contradição ou obscuridade e nem em ausência de fundamentação na decisão recorrida.

— Do reexame de provas

Afirma o agravante que não houve o dano moral alegado.

Da moldura fática delineada no acórdão guerreado depreende-se que:

“O autor é citado como exemplo de pessoa temperamental e

incapaz de mudar de comportamento, associando sua personalidade à do então candidato à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, Documento: 2553686 – Despacho / Decisão – Site certificado – DJ: 05/09/2006 Página 3 de 5

Superior Tribunal de Justiça

deixando transparecer um sentimento de rejeição ao seu nome, em razão de fatos ocorridos na sua vida profissional e pessoal. É inegável a tentativa de achincalhar a imagem do autor, induzindo o leitor ao raciocínio de que o seu nome significa uma espécie de catástrofe nacional, ligado a tudo de ruim que possa vir a acontecer no país.”

(fls. 232)

Assim, uma suposta modificação do julgado, tal como pretendido pelo agravante, demandaria a incursão no campo fático-probatório, o que não é possível na via especial, nos termos da Súmula 7 do STJ, não se olvidando que compete a este Tribunal, em sede de recurso

especial, tomar os fatos tais como delineados no acórdão hostilizado.

Insurge-se também contra o valor fixado no acórdão recorrido quanto aos danos morais, uma vez que o valor fixado é exorbitante.

Neste caso, cabe ressaltar, que nas hipóteses em que as razões do recurso especial dirigem-se à irresignação dos recorrentes com o valor arbitrado a título de indenização por dano moral, o STJ tem afastado o óbice da Súmula nº 7 apenas quando o valor fixado destoa daqueles adotados em outros julgados ou revela-se irrisório ou exagerado, de modo a não atender ao espírito que norteou o legislador na redação do referido dispositivo legal – assegurar ao lesado a justa reparação pelos danos sofridos, sem, no entanto, incorrer em seu enriquecimento sem causa.

Conforme afirmado pelo i. Min. Ruy Rosado de Aguiar em Voto-vogal no Resp 269.407/RJ, “(…) a intervenção do Superior Tribunal de Justiça há de se dar quando há o abuso, o absurdo: indenizações de um milhão, de dois milhões, de cinco milhões, como temos visto; não é o caso. Aqui, ficaríamos entre quinhentos, trezentos e cinqüenta”,

duzentos, duzentos e cinqüenta, cem reais a mais, cem salários a menos. Não é, portanto, um caso de abuso na fixação, é uma discrepância na avaliação.

Temos que ponderar até que ponto o Superior Tribunal de Justiça deve interferir na fixação de um valor de danomoral, que é matéria de fato, para fazer uma composição mais ou menos adequada. Não sendo abusiva ou iníqua a opção do tribunal local, não se justificaria a intervenção deste

Tribunal.

Assim, se o arbitramento do valor da compensação por danos morais foi realizado

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Superior Tribunal de Justiça

com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível sócio-econômico do recorrente e,ainda, ao porte econômico do recorrido, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, fazendo uso de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, o STJ tem por coerente a prestação jurisdicional fornecida (RESP 259816/RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 27/11/2000).

Forte em tais razões, NEGO PROVIMENTO ao agravo de instrumento.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília (DF), 14 de agosto de 2006.

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

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