Confissão da dívida

Denúncia espontânea de débito não pode gerar multa

Autor

  • Júlio M de Oliveira

    é mestre e doutor em Direito Tributário pela PUC-SP. É também sócio do escritório Machado Associados e ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas.

5 de setembro de 2006, 16h39

Considerando que grande parte dos tributos são constituídos por atos de particulares, independentemente da formalização comissiva de agentes públicos (auto-lançamento), há um tema de grande relevo que toca a aplicabilidade do instituto da denúncia espontânea a esses tributos, nos casos em que o contribuinte ou o responsável constituiu o fato jurídico tributário (DCTF, GIA, Declarações, etc.) e recolheu o tributo fora do prazo, mas antes de qualquer providência do poder público para exigi-lo.

Sabemos da posição firmada pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça no sentido de manter a multa de mora, mesmo se caracterizada a denúncia espontânea, tendo em vista que, na visão pretoriana, é pressuposto essencial da denúncia espontânea o total desconhecimento do fisco quanto à existência do tributo denunciado (Código Tributário Nacional, artigo 138, parágrafo único) e, nos casos dos tributos “auto-lançados”, os créditos já foram constituídos pelo particular e são de conhecimento do erário.

Sustenta também o STJ que a apresentação, pelo contribuinte, de DCTF ou GIA, ou outra declaração dessa natureza, prevista em lei, é modo de formalizar a existência (igual a constituir) do crédito tributário, dispensada, para esse efeito, qualquer outra providência por parte do fisco. Desta forma, concluiu o tribunal que o pagamento a destempo do tributo “auto-lançado” acarreta: a) autorização da inscrição do crédito em dívida ativa; b) fixação do termo a quo do prazo de prescrição para sua cobrança; c) inibição da expedição de certidão negativa do débito e; d) afastamento da possibilidade de denúncia espontânea.

Ousamos discordar desta construção jurisprudencial. Entendemos que a multa (não importando o adjetivo que receba — compensatória, remuneratória, moratória, punitiva) sempre possui a natureza jurídica de sanção em decorrência de um ato ilícito, ou seja, a sua aplicação está condicionada ao descumprimento de um dever legal, quer seja o não recolhimento de tributo no prazo assinalado pela legislação, quer seja o inadimplemento de deveres instrumentais (entregas e preenchimentos de formulários ou livros fiscais, envio de dados por meio magnético, etc.). Assim, não há que se falar em inaplicabilidade dos benefícios do instituto da denúncia espontânea nos casos das denominadas multas moratórias incidentes nas infrações relacionadas a tributos auto-lançados.

De se destacar que o fato do particular constituir o tributo não implica necessariamente que o crédito tributário daí decorrente tenha sido solvido. Portanto, afastada estaria a decadência, mas ainda teria possibilidade de concretização da prescrição.

Consideremos a seguinte situação: o mesmo contribuinte que constituiu o fato tributário do IPI em DCTF não recolheu referido tributo e o fisco quedou inerte na cobrança por cinco anos. Nesta hipótese, haverá a caracterização da prescrição tributária e nada será devido ao Estado. Neste exemplo, a nosso ver, caso o IPI seja recolhido, antes de qualquer notificação ou procedimento de cobrança da Receita Federal, não se justifica que se exija o pagamento da multa, qualquer que seja ela. Afirmamos que a exigência de multa nesta situação contraria a dicção do artigo 138 do CTN1, nítido estímulo à boa-fé do contribuinte, que detectou uma infração e minimizou ou neutralizou os seus efeitos ao recolher a totalidade do crédito tributário devido.

Ademais, a interpretação do STJ acaba por premiar a conduta mais grave em detrimento dos contribuintes que cometeram infrações leves. No caso, o tribunal restringe a aplicação dos benefícios da denúncia espontânea apenas aos casos em que o sujeito passivo não tiver constituído o fato jurídico tributário (conduta mais grave, que pode caracterizar sonegação) e afasta a aplicação deste instituto aos casos de mero atraso no recolhimento de tributos, punindo mais severamente aqueles que, de boa-fé, declararam (constituíram) e recolheram os tributos devidos a destempo.

Concluímos que esta interpretação é uma restrição à aplicabilidade da exclusão da responsabilidade tributária, justamente nos casos em que o artigo 138 do CTN pretendeu afastar a aplicação de qualquer sanção como medida de estímulo aos bons contribuintes, que regularizaram infrações sem qualquer ato de coerção do poder público.

Notas de rodapé

1 – Artigo 138 — A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.

Parágrafo único — Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.

O autor foi eleito um dos advogados mais admirados em Direito Tributário em pesquisa feita pela revista Análise Advocacia. Os prêmios dos escolhidos serão entregues no dia 19 de setembro em São Paulo.

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