Carta aos missionários

Anistia Internacional cobra segurança de candidatos à Presidência

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5 de setembro de 2006, 13h25

Em um vídeo divulgado nesta quarta-feira (5/9) em Londres, a Anistia Internacional, maior entidade de direitos humanos do planeta, chama a atenção dos candidatos à Presidência da República do Brasil e aos governos estaduais para o “sofrimento e o medo dos brasileiros mais necessitados”.

O vídeo, enviado aos candidatos, apresenta imagens e testemunhos sobre as condições de vida e as operações policiais nas áreas mais pobres do Brasil. Inclui também um pedido da secretária-geral, Irene Khan, para que os candidatos apresentem propostas para resolver a crise de segurança por que passa o país.

De modo especial, Irene Khan exorta os candidatos a desenvolverem políticas de segurança pública baseadas nos direitos humanos, a promoverem um Código de Conduta para as forças de segurança e a adotarem medidas mais rigorosas para regular o fluxo de armas de pequeno porte.

“A crise na segurança pública é a questão mais urgente a ser enfrentada pelo Brasil. Comunidades pobres e ricas estão mandando uma mensagem alta e clara: garantir a eficiência da segurança pública é a única maneira de se obter uma segurança verdadeira e humana que permita a todos os brasileiros viverem livres do medo e da carência”, declarou Irene.

“Isso é um alerta para os candidatos à Presidência e aos governos estaduais de todo o Brasil. A postura discriminatória adotada por consecutivos governos com relação às comunidades mais vulneráveis tem historicamente criminalizado a pobreza, atualmente pondo em risco centenas de milhares de vidas. Está na hora de se perguntar por que há tanto tempo as coisas dão errado.”

Segundo informações do Ministério da Saúde, relata a Anistia Internacional, 36 mil pessoas foram mortas no Brasil em 2004. A maioria delas vivia em áreas carentes com reduzida presença da Polícia. “A pobreza, a violência e a proliferação de armas de pequeno porte, realidade diária de milhões de brasileiros, criam e sustentam as condições em que surgem os abusos dos direitos humanos.”

Há décadas, a Anistia Internacional tem registrado como sucessivos governos brasileiros recorrem às forças de segurança pública para lidar com os sintomas da negligência do Estado. O resultado dessas políticas públicas é que as comunidades mais carentes do país estão cada vez mais afundadas em violência e os policiais acabam se tornando tanto causadores quanto vítimas da violência.

“A violência e a exclusão social são dois lados da mesma moeda. A política de contenção da violência aplicada dentro das favelas brasileiras não é apenas flagrantemente injusta, como também é evidente que não está funcionando. Uma segurança genuína não será alcançada enquanto os direitos de alguns forem defendidos à custa dos direitos de outros”, disse Irene Khan.

De acordo com a Anistia Internacional, o Brasil “enfrenta graves problemas institucionais que permeiam todo o sistema de justiça criminal. O sistema prisional, superlotado e sem recursos, está reforçando a cultura de gangues com sua política de exigir que os internos escolham uma facção ao entrar. A corrupção na polícia e na política cria um ambiente sem lei onde o crime organizado floresce”.

Conheça a carta e o roteiro do vídeo

CARTA ABERTA DA ANISTIA INTERNACIONAL AOS CANDIDATOS À PRESIDENCIA E A GOVERNADOR

No momento em que se aproximam as eleições de outubro de 2006, a Anistia Internacional se dirige a Vossas Excelências, candidatos à Presidência e aos governos estaduais, com o objetivo de reforçar a tradição de manter uma comunicação aberta e, ao mesmo tempo, entabular um diálogo positivo com os futuros governos. Aproveitamos ainda esta oportunidade para, juntamente com esta carta, apresentar-lhes um breve DVD com a mensagem da organização aos candidatos a cargos executivos nestas eleições.

A Anistia Internacional sempre conferiu um grande valor ao diálogo construtivo que mantém com os governos federal e estaduais do Brasil. A oportunidade de apresentar preocupações, casos e recomendações e de receber, ao mesmo tempo, propostas, posições e a visão do governo a respeito da situação dos direitos humanos é de imensa importância para a organização.

Durante as três últimas décadas, a Anistia Internacional – organização de ampla base social com cerca de 2 milhões de membros – tem acompanhado de perto a situação dos direitos humanos no Brasil. No passado, a organização concentrou-se sobre casos específicos de violações dos direitos humanos, tais como a tortura e as execuções extrajudiciais, bem como em campanhas pela libertação de prisioneiros de consciência. Hoje, a Anistia Internacional começa a mirar as causas dessas violações, analisando, por exemplo, como a pobreza, a discriminação e a negligência do Estado criam ambientes em que os abusos de direitos humanos tornam-se banais.


Em 2003, estando à frente de uma delegação da Anistia Internacional que visitou o Brasil, conversei com representantes políticos federais e estaduais, vítimas de abusos de direitos humanos e policiais que sofreram ataques criminosos. A mensagem foi alta e clara. Todos os brasileiros – dos bairros afluentes e das favelas – estão vivendo com medo, sem contar com a proteção que deveria advir do processo democrático.

Nas áreas de classe média, porém, além de haver maior presença da polícia, os condomínios são cercados por grades fortificadas e protegidos 24 horas por seguranças particulares. Em contraste, as comunidades carentes, abandonadas pelo Estado e sem dispor de recursos próprios, estão presas em um ciclo de violência. As periferias urbanas, marginalizadas e abandonadas, tornaram-se territórios sem lei controlados por grupos criminosos. A polícia, mal remunerada, mal treinada e mal equipada, é enviada a estes locais para lidar com os sintomas da negligência do Estado. Os policiais, em conseqüência, acabam sendo tanto causadores quanto vítimas da violência.

Políticos de todos os partidos e níveis de governo me garantiram que a segurança pública era uma questão prioritária e que eles fariam o possível para implementar estratégias de longo prazo voltadas a coibir a violência praticada tanto pelos criminosos quanto pela polícia.

Desde então, uma série de acontecimentos de grande publicidade veio enfatizar o fracasso no cumprimento dessas promessas. Em março de 2005, 29 pessoas foram mortas a tiros na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, por policiais militares fora de serviço, no que foi o maior massacre ocorrido na cidade até hoje. Um ano depois, a segurança pública voltava a ser destaque nos meios de comunicação quando o Exército saiu às ruas do Rio de Janeiro para realizar uma tarefa para a qual não estava nem preparado nem autorizado legalmente – uma medida reativa de curto prazo que há anos vem caracterizando as políticas de segurança pública. Em maio de 2006, os ataques do grupo conhecido como Primeiro Comando da Capital (PCC) paralisaram São Paulo, causando a morte de um grande número de brasileiros: agentes responsáveis pelo cumprimento da lei, supostos integrantes de gangues criminosas e outros cidadãos. Novos ataques continuam a atingir São Paulo, fazendo com que seus moradores vivam num estado de medo constante.

Como é do conhecimento de Vossas Excelências, apesar desses acontecimentos serem chocantes, a violência criminal e policial não é um fenômeno novo nas cidades brasileiras. O número total de mortes violentas tem subido a cada ano desde a década de 80, ultrapassando os 40 mil em 2004. O número de pessoas mortas pela polícia em situações registradas oficialmente como “resistência seguida de morte” permanece elevado em todo o Brasil, principalmente nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Fora destes estados, uma delegação da Anistia Internacional que recentemente visitou o país foi informada do ressurgimento de atividade de grupos de extermínio na Bahia, em Sergipe e Pernambuco.

Em um relatório sobre segurança pública lançado em São Paulo, em dezembro de 2005, e em campanhas posteriores sobre este tema, a Anistia Internacional enfatizou que a violência e a exclusão social são dois lados da mesma moeda. A política de contenção da violência aplicada dentro das favelas brasileiras não é apenas flagrantemente injusta, como também é evidente que não está funcionando. Uma segurança verdadeira e efetiva não será alcançada enquanto os direitos de alguns forem defendidos à custa dos direitos de outros.

A Anistia Internacional reconhece a complexidade e a dimensão das dificuldades sociais e econômicas que o Brasil vem enfrentando nos últimos anos, especialmente com relação ao aumento dos crimes violentos. Além disso, a organização também está ciente da posição extremamente difícil que se encontra a polícia, tendo de lidar com a crescente violência criminal em lugares nos quais, muitas vezes, são os únicos representantes do Estado. Durante os recentes episódios de violência provocados pelo PCC em São Paulo, a Anistia Internacional condenou publicamente os ataques dirigidos à polícia, instando, ao mesmo tempo, os policiais a reagirem estritamente dentro da lei.

Porém, a Anistia Internacional tem também enfatizado repetidamente que o Brasil enfrenta graves problemas institucionais mais amplos que permeiam todo o sistema de justiça criminal. O sistema prisional, superlotado e sem recursos, está reforçando a cultura de gangues com sua política de exigir que os internos tenham de escolher uma facção ao entrar. A corrupção na polícia e na política cria um ambiente sem lei onde o crime organizado floresce. Acima de tudo, porém, a postura discriminatória do Estado brasileiro frente às suas comunidades mais vulneráveis acaba por criminalizar a pobreza.


Está na hora de todas as esferas de governo do Brasil – federal, estadual e municipal – enfrentarem as causas dos problemas crônicos de segurança pública que tem o país. É somente através de ações coordenadas que comecem a tratar da falta de serviços básicos nas comunidades carentes, seja de saúde, educação, saneamento ou habitação, que o Estado começará a recuperar estas áreas. Só então uma força policial reformada estará em condições de garantir a segurança de todos os cidadãos brasileiros, sejam eles ricos ou pobres.

A Anistia Internacional pede a Vossas Excelências, na condição de candidatos e potenciais detentores de cargos, que apresentem uma política de segurança pública de longo prazo, estruturada e financiada adequadamente. Mais especificamente, a Anistia Internacional pede que o próximo governo crie e implemente um abrangente Plano de Ação Nacional para reduzir a violência, que inclua três elementos básicos:

A introdução de um policiamento baseado nos direitos humanos, assegurando que os policiais possam realizar seu trabalho de modo eficiente e seguro; introduzindo um Código de Ética estatutário, com base nas normas internacionais e aplicável a todas as forças policiais; e investindo em um policiamento baseado em direitos humanos.

Um programa para reduzir radicalmente os homicídios policiais, oferecendo à polícia novas oportunidades de treinamento para o uso legítimo da força; promovendo o Código de Conduta da ONU para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei; e introduzindo mecanismos de supervisão e investigação externos.

Reforço do compromisso de controlar as armas, apoiando os esforços para a criação de um Tratado sobre o Comércio de Armas (TCA); intensificando o combate ao tráfico de armas; e recolhendo e destruindo as armas ilegais e excedentes que poderiam contribuir para violações dos direitos humanos internacionais.

A Anistia Internacional exorta ainda Vossas Excelências a incentivarem um debate transparente sobre a questão da segurança pública, em todos os níveis de governo e com a sociedade civil, visando a adoção de medidas concretas para reduzir os níveis de violência nas cidades brasileiras.

Por fim, a Anistia Internacional espera que todos os candidatos e os futuros governos se disponham a aceitar o convite para se engajar com a Anistia Internacional, bem como outras organizações de direitos humanos, em um diálogo aberto que permita prosseguir com o debate acerca dessas questões da maior urgência e importância.

Atenciosamente,

Irene Khan

Secretária-Geral

Anistia Internacional

Veja o roteiro do vídeo

Brasil: DVD para os candidatos às eleições

[PART 1]

O Brasil está preso em um ciclo de violência e todos os Brasileiros vivem com medo, e os mais pobres continuam a ser os menos protegidos.

“Tem tiroteio todos os dias. Eu me escondo embaixo da cama.”

Menina, 14 anos, periferia, Recife.

Milhares de jovens estão crescendo sem oportunidades e com poucas experiências além da violência.

“Não posso mandar o meu filho a escola com todo essa violência.”

O Estado oferece poucas soluções além de repressão. O sistema de justiça criminal está à beira de um colapso.

“Quando a polícia chega, eles entram atirando.”

Menino, 10 anos, favela, Rio de Janeiro

Os policiais que trabalham na linha de frente foram abandonados, ficando cada vez mais vulneráveis a ataques, alimentando a violência.

“Trabalho 24 horas sem comer e arrisco minha vida”

Policia Militar, São Paulo

Sem ter outra saída os mais pobres são os que mais sofrem e suas vozes não são ouvidas.

“Vamos dormir sem saber se estaremos aqui amanhã.”

Menino de 16 anos, Rocinha, Rio de Janeiro

[PART 2]

Em 2003, a secretária-geral da Anistia Internacional, Irene Khan, visitou o Brasil.

“[IRENE KHAN] O que eu vi em Sapopemba e no Borel foram comunidades que vivem com medo, que são marginalizadas e estigmatizadas. E comunidades duplamente vitimadas – são vítimas do próprio crime e da brutalidade policial.”

Irene Khan conversou também com policiais que foram vítimas de ataques criminosos e se reuniu com autoridades federais e estaduais. Em todas as ocasiões a mensagem foi clara: algo urgente precisava ser feito para acabar com a violência. As autoridades prometeram que isso seria prioridade.

[IRENE KHAN] “A experiência da Anistia Internacional em outras partes do mundo mostra que só há segurança pública quando o Estado de Direito é respeitado e quando a justiça está à disposição de todos. Não se pode criar segurança para um grupo de pessoas à custa dos direitos de outro grupo de pessoas.”

Em 2006, porém, está claro que o povo brasileiro foi traído mais uma vez. A negligência que há tanto tempo vem sendo demonstrada pelos que estão no poder só fez com que a violência aumentasse, levando à adoção de medidas cada vez mais desesperadas.

As mortes causadas por armas de fogo passam de 40 mil por ano, mas as autoridades se negam a enfrentar o problema e fazem politicagem com a vida de todos os brasileiros.

[TEXTO FINAL]

Está na hora de:

Acabar com o policiamento repressivo das comunidades carentes

Impedir o fluxo de armas

Oferecer segurança humana para todos

O Poder esta em suas mãos

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