Dupla personalidade

Advocacia da União decide se defende Serra ou o PT

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4 de setembro de 2006, 9h24

Nos próximos dias, a Advocacia-Geral da União decide se vai se juntar ao PT contra o governo ou se defende o candidato tucano ao governo paulista, José Serra. A ironia vem de uma Ação Popular ajuizada em abril de 2002, quando o PSDB estava no poder.

A pedido do então ministro da Saúde, Serra, o Instituto Vox Populi empreendeu uma pesquisa sob o pretexto de produzir uma radiografia dos serviços públicos de saúde. O questionário, porém, incluiu perguntas estranhas a esse objetivo. E perguntava à população se o tucano era competente, sério, honesto, inteligente, se tinha coragem de enfrentar grupos poderosos e se reunia “todas as condições para ser um bom presidente”.

O truque foi descoberto pela jornalista Mônica Bergamo que o noticiou no jornal Folha de S.Paulo. A direção do PT paulista entrou com a ação que tem, ao lado de Serra, a União como litisconsorte. A AGU tem que definir se ficará no pólo ativo ou no passivo. Ou seja: contra ou a favor do PT.

O palco da disputa é a 25ª Vara Cível Federal de São Paulo. O juiz é Ênio Laércio Chappuis. Além de Serra, respondem a ação o ex-secretário de Comunicação do governo, João Roberto Vieira da Costa, a Fazenda Nacional e Marcos Coimbra, dono do Vox Populi.

Da parte do staff de Serra há um argumento a se considerar. Os institutos de pesquisa costumam aproveitar pesquisas para acrescentar questões que não sejam propriamente objeto da encomenda para potencializar a empreitada. Um artifício que pode baratear o levantamento e matar mais de um coelho com o mesmo golpe. Segundo a assessoria de Serra, o Vox Populi, por sua conta e risco, tomou a iniciativa sem consultar o Ministério. A pesquisa foi encomendada e paga pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa).

O argumento se enfraquece, uma vez que favoreceu exatamente o mesmo cliente — como pessoa física. E foi contraditado por Paulo Frateschi, o dirigente do PT que assinou a Ação Popular. Nos autos, o impetrante não admite que o questionário encomendado fosse ignorado pelos interessados, muito menos que a sua divulgação não fosse previamente aprovada por eles. Se isso ocorreu, argumentou o dirigente do PT, “novo ato de improbidade administrativa, qual seja, o de omitir-se quando a ação era esperada e necessária, já que o erário público poderia ser levianamente utilizado”. Faz sentido.

Assinada pelos advogados Hélio Freitas da Silveira e por Mariana Toledo Piza, a ação pede a condenação do requeridos para ressarcir aos cofres públicos os gastos com a pesquisa.

O caso, que se arrasta há mais de quatro anos, teve diversos pedidos de vista da Advocacia da União. Também teve parecer favorável do Ministério Público, com manifestação do procurador Luiz Francisco e enfrentou, no ano passado, contestação do escritório Malheiros, Penteado, Toledo e Almeida Prado pelo fato de a União não ter sido citada três anos depois da proposição da Ação.

Processo: Ação Popular 2002.61.00.006642-2

Leia a notícia que gerou a ação

Saúde financiou pesquisa eleitoral

MÔNICA BERGAMO

O Instituto Vox Populi fez, em 1999, uma pesquisa para avaliar as possibilidades de o então ministro José Serra chegar à Presidência da República.

Segundo o Vox Populi , o trabalho foi pago com dinheiro público, da Funasa (Fundação Nacional de Saúde), entidade ligada ao Ministério da Saúde. Na época, o ministério era ocupado por Serra , que afirmava não estar interessado em disputar a Presidência.

A pesquisa foi encomendada, oficialmente, para fazer uma radiografia dos serviços públicos de saúde no país. No meio de perguntas sobre horários de atendimento, consultas médicas, tratamentos preventivos e problemas como poluição do ar, o Vox Populi colocou a 68ª questão:

“Para cada qualidade ou defeito que eu citar, por favor, diga-me se acha que o ministro da Saúde, José Serra , tem ou não tem essa qualidade ou defeito”.

Entre 20 itens apresentados, alguns davam conotação claramente eleitoral:

“Quer mostrar serviço na Saúde para poder ter chances de se eleger presidente”, “É um administrador competente”, “É ambicioso”, “É sério”, “É honesto”, “É inteligente”, “Não tem medo de enfrentar grupos poderosos como a indústria farmacêutica e as empresas de planos e seguros de saúde”, “Tem sido leal ao presidente Fernando Henrique Cardoso”, “Discute demais com os outros ministros”, “É uma pessoa simpática”, “Tem todas as condições para ser um bom presidente”.

O uso de dinheiro público para o pagamento de pesquisas eleitorais “é um ato ilegal, de improbidade administrativa. Os recursos públicos não podem ser usados para servir as pretensões eleitoreiras de ninguém”, segundo o procurador Luiz Francisco de Souza.

Na época da pesquisa, o assessor de comunicação de Serra no na Saúde era João Roberto Vieira da Costa, atual secretário de Comunicação do governo. Ele diz que o Ministério não pode ser responsabilizado pelas perguntas eleitorais sobre Serra . “O que costuma acontecer é que, quando um instituto vai a campo, coloca nos questionários das pesquisas, por iniciativa própria, perguntas de interesse deles”, diz Costa.

“A parte da pesquisa relacionada ao sistema de saúde foi paga pela Funasa. A outra parte é de responsabilidade do Vox Populi .”

O dono do Vox Populi , Marcos Coimbra, assume a responsabilidade. “A decisão de colocar as perguntas sobre a imagem de Serra foi nossa. É comum e legítimo colocar perguntas de ‘carona’ em pesquisas. Já fiz isso em várias oportunidades, inclusive a pedido de jornalistas”, afirmou.

A parte eleitoral do trabalho, segundo Coimbra, atendeu apenas à sua curiosidade pessoal sobre a imagem eleitoral de Serra naquele momento. O ministro, teoricamente o maior interessado no assunto, nem sequer teria tomado conhecimento dos resultados.

“Naquela época, eu não tinha contato algum com o Serra “, diz.

Procurado na noite de sexta-feira para falar da pesquisa, Serra estaria num jantar e não poderia se pronunciar. Ontem, a reportagem tentou novamente ouvir o senador, mas o localizou.

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