Pedras no caminho

Jornais discutem enigma do seu futuro em Congresso

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2 de setembro de 2006, 20h43

A imprensa, que se mete na vida de todo mundo, dedicou três dias desta semana para se olhar no espelho e examinar seus próprios dramas. Representantes dos principais jornais impressos do país foram escalados pelo seu sindicato — a Associação Nacional dos Jornais — para discutir a relação das empresas com seus patrocinadores, leitores, com a justiça e com seu futuro.

No principal painel, os comandantes de cinco dos principais jornais brasileiros — Estadão, Folha, Zero Hora, Correio Braziliense e Estado de Minas — com a mediação do antropólogo Roberto DaMatta tentaram responder à proposição do debate: “Para onde vai o Brasil? Qual é o papel dos jornais nessa trajetória”. O palco foi o 6º Congresso Brasileiro de Jornais, em São Paulo.

Otavio Frias Filho, da Folha, começou por destacar as proezas do Brasil que vive o mais consistente período democrático de sua história e que, finalmente, conseguiu estabilizar sua moeda — mas que enfrenta problemas gigantescos no campo da igualdade: “Somos um dos países mais desiguais do mundo e não há indícios de que vá melhorar”. Citando os índices de crescimento dos últimos governos, Otavio concluiu que o mérito do jornais, nesse quadro “é o de sobreviver”.

Sandro Vaia, do Estadão, elegeu a degradação moral como o grande drama do país — moléstia que antecede todas as demais de ordem prática, no campo político e econômico. A tentativa de justificar crimes de estado em nome de circunstâncias injustificáveis irritam o diretor do jornal: “Nas últimas semanas ouviram-se e debateram-se incríveis conceitos, expressos publicamente por membros de uma suposta elite intelectual, tentando relativizar alguns princípios sobre os quais não deveria caber nenhum tipo de discussão”. E condenou o que batizou de ‘wagnertização’ ou a ‘paulobettização’ da ética (Leia a palestra completa de Sandro ao final deste texto).

Liberdade sim, igualdade não.

O cientista social DaMatta explorou o desconforto de quem tem de fazer a ponte entre as “duas comunidades” — a virtual e a real — que coabitam o país; e a complexidade de unificá-las em uma só. “Queremos ao mesmo tempo um Brasil igualitário, mas queremos também manter os privilégios de elite”, afirmou, para arrematar que “a liberdade sempre interessou à elite, mas a igualdade não”. Mais adiante, contudo, o próprio concedeu que “a igualdade é um mito”.

Aliviando um pouco o cientificismo da análise, o sociólogo fez um paralelo da situação do jornalismo com o filme americano “O homem que matou o facínora”, onde o principal protagonista, em momento de megalomania afirma ser “a consciência de Deus”. O jornalista, disse, “como todo bom jornalista, vive embriagado”, esclarecendo: “embriagado com a liberdade, com a notícia, com o prazer da revelação”.

O diretor dos jornais Correio Braziliense e O Estado de Minas, Josemar Gimenez analisou o abismo da “assimetria informacional”, obstáculo para a imprensa e para a democracia, que é a má distribuição da informação. Esse drama, que Hélio Jaguaribe tangenciou ao cunhar a expressão “contemporaneidade dos coetâneos, é o que impede a imprensa de falar, ao mesmo tempo, com quem vive na idade da pedra e com quem vive na era do silício. “O papel crucial dos jornais, na democracia, é reduzir essa assimetria”, disse o jornalista.

Exibindo o resultado de pesquisa feita em Brasília, Josemar revelou que 72% do universo consultado acha “muito importante” o papel da imprensa para o futuro do país. Outros 17% acham “mais ou menos importante”. Um contingente de 70% acredita que a imprensa ajuda no combate à corrupção.

Outros números, úteis para análise do quadro, foram trazidos pelo diretor da Zero Hora, Marcelo Rech. Segundo ele, enquanto no Japão, a relação entre a tiragem de jornais e a população é de 633 exemplares por mil habitantes. No Brasil é de apenas 45,3 jornais por mil habitantes.

Na visão de Rech, a chave para abrir, simultaneamente, as portas do futuro da sociedade e do mercado para a imprensa está no aumento da circulação dos jornais. Para isso, diz, é preciso reorientar a agenda editorial dos veículos de comunicação. Na expressão adjetiva do diretor, a imprensa noticia muito crimes, mas oferece pouca informação na área da segurança — no campo do diagnóstico e de mecanismos operacionais, práticos, para sua preservação. “Não temos comentaristas de segurança em nossas páginas”, reclamou. No mesmo caminho, Rech propõe que se dê mais espaço para o acompanhamento e análise das denúncias; mais contexto para os desvios e menos espaço para os desvios em si; mais espaço para valores do que para anti-valores. Em linhas gerais, defendeu a despolitização de acusações quando o combustível das denúncias como objeto de interesses específicos.


Decifra-me ou devoro-te.

Naturalmente, todos foram favoráveis à expansão do público leitor. A variação em torno do tema ficou por conta do prognóstico. Otavio Frias defendeu melhoras na qualidade, aumentando a legibilidade dos jornais. “Muitos se resignam com um público pequeno com poder aquisitivo e alto nível, embora reduzido. Eu discordo”, afirmou pregando a busca de um público maior.

Otavio rebateu a tese de que a preferência da maior parte da população pelo engodo demagógico — ingrediente nuclear do processo de imbecilização nacional — exigiria a banalização do conteúdo. E defendeu que é possível ganhar público sem perder qualidade. Para respaldar sua noção, o diretor de redação informou que, na última década, a Índia registrou um crescimento de 33% no índice de leitura de jornais e na China a elevação foi de 18%, enquanto países como a Noruega e Holanda tiveram progressos mínimos nesse campo.

“Thomas Jefferson disse que o preço da liberdade é a existência de péssimos jornais”, comentou, acrescentando que sempre haverá jornalismo de baixa qualidade. “Veja que mesmo em países altamente civilizados como a Grã Bretanha vicejam jornais como os semanários dedicados ao sensacionalismo”, disse, reafirmando que “não é preciso renunciar ao bom jornalismo para crescer”.

Vantagens competitivas

O jornalista, que pilotou a grande virada da Folha, a partir de 1984, com 26 anos de idade, expôs as demandas contraditórias do público heterogêneo que se quer alcançar. “Uns querem jornais mais simples, menos cifrados; outros querem mais profundidade. Há quem queira o jornal mais leve e divertido; outros o querem mais sério. Há quem diga que a pressa da vida moderna pede um formato para leitura mais veloz, mais compacto. Outros que o registro factual sintético é para a TV e a internet, e que os jornais devem se voltar para a análise”.

As opções, diz, são antagônicas, mas não necessariamente contraditórias. “Para entender essas demandas é preciso descer da torre de marfim, entender o que acontece e se abrir para as novas necessidades do leitor. Mas sem perder a qualidade”. É uma questão de explorar a vantagem competitiva do meio, insiste, contabilizando a credibilidade, a capacidade de investigação do jornal impresso, “apesar das falhas”, ressalvou, admitindo que ainda há espaço para explorar o entretenimento, sem abrir mão do compromisso com a controvérsia de idéias.

Apesar de o debate editorial ter tomado a maior parte do painel, a visível preocupação da platéia de editores e dirigentes de empresas jornalísticas era mesmo com o aspecto empresarial do negócio.

O jornalismo como negócio

Segundo o presidente da ANJ, Nelson Sirotsky, reeleito com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na abertura do 6º Congresso Brasileiro de Jornais da ANJ, o evento se fez “num momento promissor para a indústria jornalística brasileira”. Segundo o empresário-jornalista, o setor começou “a recuperar bons números na circulação”, o que estaria assegurando “forte participação nos investimentos publicitários”. Clique aqui para ler o relatório das boas notícias da ANJ.

Nos últimos anos, o mundo jornalístico foi desidratado pela magreza da economia como todos os setores, mas com um agravante. Avultou-se um processo de “desintermediação” entre anunciantes e público consumidor. No varejo e no atacado, as grandes empresas que tradicionalmente se utilizam dos veículos de comunicação para se comunicar com o público criaram seus próprios canais. Da mala-direta ao telemarketing; com seus próprios espaços na Internet, e outros meios — do panfleto e placas nas esquinas à utilização maciça da mídia eletrônica — o fornecedor-vendedor deixou de ter na imprensa uma via obrigatória para atingir seus alvos.

O surgimento da Internet, até agora, não abençoou a imprensa escrita — mesmo transpondo para a rede o seu conteúdo. Otavio Frias revelou no evento que a Folha Online, versão eletrônica da Folha, já tem o mesmo número de leitores que o jornal impresso (considerando três leitores por jornal). No entanto, informa, não se tem a mesma correspondência em termos de faturamento. Esse fenômeno é universal. A única exceção de que se tem conhecimento é o jornal americano de finanças, economia e negócios The Wall Street Journal.

É um cenário complicado. A Internet tornou-se uma ameaça com a super-oferta de informação barata, oferecendo incertezas para a sobrevivência do conteúdo impresso — que passou a ter um concorrente predatório. E ainda que ofereça aos jornais a possibilidade de baratear o custo da produção de seu conteúdo, não traz — pelo menos até agora — a necessária contrapartida para seu financiamento. “Qual modelo vai vigorar?”, perguntou Otavio ao concluir sua palestra. A sua resposta, certamente a mesma da platéia: “Não sei!”.


Leia a íntegra da palestra de Sandro Vaia, diretor de redação de O Estado de S.Paulo no 6º Congresso Brasileiro de Jornais

‘Um bom jornal, imagino, é uma nação conversando consigo mesma.’

Por coincidência, a revista britânica Economist, com esta frase do dramaturgo Arthur Miller, forneceu esta semana a epígrafe para esta discussão em boa hora proposta pela ANJ.

No editorial que apresenta a matéria de capa em que discute o futuro do jornal impresso, a Economist afirma:

‘A utilidade da imprensa é muito mais ampla que investigar abusos ou mesmo disseminar notícias gerais; ela está em cobrar responsabilidade dos governos — julgando-os no tribunal da opinião pública.’

O desafio da proposta de pauta da ANJ não é a de cobrar responsabilidade dos governos, coisa que fazemos todos os dias, mas colocar em discussão, numa perspectiva mais ampla, os caminhos que este país tem que seguir para a realização plena de seu potencial, um objetivo sempre perseguido e sempre adiado.

Talvez a primeira das questões, que antecede as demais de ordem prática, de ordem econômica, de ordem política, seja a do resgate da ética. Nas últimas semanas ouviram-se e debateram-se incríveis conceitos, expressos publicamente por membros de uma suposta elite intelectual, tentando relativizar alguns princípios sobre os quais não deveria caber nenhum tipo de discussão.

Nos jornais e nas consciências está a discussão escandalizada sobre a ‘wagnertização’ ou a ‘paulobettização’ da ética. Ou seja: ela é um conceito que só tem uso prático como moeda de troca no jogo eleitoral. Nada daquela indignação que o professor João Paulo dos Reis Velloso manifestava em seu documento ‘Mensagem aos Brasileiros de Boa Fé’ com a qual ele abriu o seu último Fórum Nacional; em sua mensagem, ele pedia para ‘não tolerar o intolerável’ e proclamava que ‘é preciso tornar claro que a sociedade brasileira perdeu a paciência, o espírito acomodatício’.

Quando fala em não tolerar o intolerável, Reis Velloso conclama a maioria silenciosa à luta em quatro frentes: na política, para eliminar os anões do orçamento, os mensaleiros, os sanguessugas; na frente de segurança pública, para eliminar a barbárie e a proliferação do crime sem castigo; na área social, para eliminar o excesso de pobreza, o desemprego e a informalidade; e na área econômica, onde precisamos eliminar os obstáculos que entravam o desenvolvimento e o alto crescimento de que o país precisa para eliminar as suas mazelas sociais.

Mas toda a sociedade perdeu mesmo a paciência e o espírito acomodatício?

Vejamos o que diz o professor de filosofia da USP, Franklin Leopoldo e Silva, antes de participar do seminário ‘O Esquecimento da Política’, em entrevista à Folha de S. Paulo:

“Quando os indivíduos e a sociedade não conseguem dar o devido peso aos critérios de apreciação das condutas, tudo se torna igualmente natural e indeferenciado. As pessoas já não são capazes de se admirar diante da retidão nem de indignar-se diante da podridão. Tudo se torna trivial, e a vida passa a ser regida pela banalidade, que é a indiferença diante das coisas e diante do bem e do mal’.

Há um claro embate, então, entre a banalidade da ética ignorada e desprezada e a indignação que começa silenciosa, se torna latente e pode terminar numa expressão ruidosa.

A torrente de protestos que encheu as páginas dos jornais contra os maus tratos que a ética sofreu por parte dos artistas desavisados, as informais redes internáuticas que a sociedade vem formando para denunciar os políticos de folha corrida suspeita que estão à procura de novos mandatos, a indignação latente das ruas, tudo isso parece estar aí para nos fazer crer que nem tudo está perdido.

Os tribunais eleitorais estão chamando para si a responsabilidade de encarnar, de alguma forma, essa indignação moral da sociedade, ao dificultar o registro de candidatos de vida pregressa notoriamente suspeita. Ainda que sob o perigo de arranhar as normas constitucionais de presunção de inocência, ao barrar suspeitos cujos desmandos ainda não transitaram em julgado, esses tribunais estão dando um respaldo moral a essa indignação. Se as instâncias superiores manterão ou não essas impugnações, é outra discussão. A letra da lei deverá se impor, mas a marca de um mal estar moral ficará impregnada como um estigma contra a impunidade.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Marco Aurélio Mello, deixou claro no programa Roda Viva desta semana, que a lei foi construída de um jeito que acaba contribuindo para a manutenção da impunidade. Quem faz as leis são os seus próprios beneficiários. A responsabilidade da escolha ética, portanto, em última instância cabe aos partidos que indicam os candidatos e aos eleitores que os elegem.


A banalidade ainda não ganhou e isso quer dizer que o Brasil tem jeito.

Para chegar lá, é preciso traçar um mapa do caminho que seja consensual, um programa mínimo acima das diferenças políticas. A premissa básica é esta: todos queremos um país mais justo, todos queremos um país menos desigual, todos queremos a divisão eqüitativa da riqueza nacional e a divisão eqüitativa e justa das oportunidades, todos queremos a inserção soberana do país no ambiente globalizado. A primeira condicionante para o desenho desse mapa, é aquilo que o ex-embaixador Marcílio Marques Moreira, em seu documento ‘O Brasil na Encruzilhada’, preparado especialmente para esta reunião, chama de ‘o indispensável resgate da ética como fio condutor do convívio em sociedade’.

A isso eu chamaria de processo civilizatório.

O ex-embaixador nos apresenta uma espécie de decálogo , aquilo que pode ser apontado como uma plataforma mínima para que o país avance em seu processo de desenvolvimento. São conceitos que poderiam, sem susto, estar na plataforma de qualquer partido político. Ninguém pode ser contra o fim da complacência com a mediocridade ou o fim do descompasso com a modernidade. Uma moeda confiável e estável e a melhoria das infra-estruturas física e social agora são conceitos que sobrevivem sob qualquer bandeira política. As reformas políticas, do Estado, da Previdência, e a consolidação de marcos regulatórios claros e firmes que se imponham como base sólida para a garantia dos contratos, podem ser consenso em qualquer programa de governo, e será em torno de seus detalhes e de seus matizes que um debate político sólido e responsável poderá prosperar nos próximos anos e nas próximas batalhas eleitorais.

Um mapa do caminho pode nascer daí. E onde entra a imprensa?

A imprensa que grita, que esbraveja, que denuncia, que aponta os malfeitos e maldiz a impunidade, é uma imprensa que também atravessa uma crise de identidade provocada pelas transformações tecnológicas e pelas mudanças comportamentais da sociedade.

Há uma revolução em andamento e dela estão saindo, e sairão cada vez mais, formas novas de distribuição da informação. Os jornais de papel estão precisando mudar a sua natureza e estão se adaptando aos novos tempos.

Pouco importará, em termos históricos, que tipo de plataforma de distribuição de informação acabará se impondo. Triunfará, com certeza, a forma que for mais conveniente à sociedade como um todo. A coleta, o processamento e a distribuição da informação poderão sofrer mudanças de forma, de acordo com as variantes que o avanço tecnológico vai disponibilizando para o uso humano. Mas se o conteúdo delas não continuar tendo como objetivo a melhora constante das relações humanas e da sociedade em que vivemos, de nada servirá o avanço tecnológico. Ou nos servimos dele para tentar melhorar o mundo em que vivemos ou podemos desprezá-lo por inútil.

O tema deste seminário é ‘Para onde vai o Brasil e qual é o papel dos jornais nesta trajetória’.

Não pode haver muitas dúvidas em torno desta questão. Ou o Brasil vai em busca de seu destino de nação justa e desenvolvida ou fracassa no meio do caminho. E o papel dos jornais nesta trajetória é o de ajudar a iluminar o caminho do processo civilizatório. É fazer que através deles a nação converse consigo mesma.

Clique aqui para saber dos planos e projetos da ANJ.

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