Atraso social

Corrupção ameaça democracia e crescimento econômico

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30 de outubro de 2006, 20h11

Procuradores da República de todo o Brasil reúnem-se em Pernambuco, em seu XXIII Encontro Nacional, em torno do atual e relevante tema do combate à corrupção. A expressão “corrupção” tem significado multidimensional. Está presente em espaços públicos e privados, configurando uma ameaça à democracia e ao crescimento econômico. A corrupção também potencializa o ceticismo em relação ao funcionamento das instituições. É fator de atraso social.

Não há povos intrinsecamente corruptos. O DNA da corrupção não está presente nos genes de pessoas, ao contrário do que supõem alguns incautos. A afirmação de que a corrupção é um traço cultural contém forte carga ideológica, destinando-se, em verdade, a ocultar e justificar um mal, perpetuando históricos processos de desmandos, de patrimonialização do Estado e de dominação social, política e econômica.

A Convenção Interamericana contra a corrupção, da OEA — Organização dos Estados Americanos, estabeleceu importantes premissas em relação à problemática da corrupção:

a) a corrupção compromete a legitimidade das instituições públicas e atenta contra o desenvolvimento integral dos povos;

b) a corrupção é um dos instrumentos de que o crime organizado se vale para realizar seus fins;

c) a democracia é condição para a estabilidade das relações sociais e o desenvolvimento, exigindo o combate efetivo à corrupção;

d) a formação de uma consciência em relação à gravidade do problema da corrupção e da necessidade de reforçar a participação da sociedade civil na prevenção e na luta contra esse mal é uma importante estratégia a ser implementada pelos Estados;

e) a corrupção se reveste de transcendência internacional, exigindo por parte dos Estados uma ação coordenada para seu combate eficaz;

f) a repressão à corrupção não pode prescindir da erradicação da impunidade.

São ingredientes indispensáveis nessa cruzada a garantia de acesso à informação, o fortalecimento dos mecanismos de investigação e a contenção das válvulas de impunidade. A transparência na gestão da coisa pública e o acesso à informação são relevantes ferramentas de prevenção e combate à corrupção. James Madison, em 1822, já assinalava que um Estado que não assegura acesso à informação e nem meios de adquiri-la nada mais é que o prólogo de uma farsa ou de uma tragédia, ou talvez ambos.

O reforço à investigação não dispensa o aprimoramento do sistema processual penal, a completa revisão do instrumento do inquérito policial — obsoleto, burocrático e lento — e a explicitação do papel ativo do Ministério Público como agente co-responsável pela função investigativa e controlador da atividade das polícias.

Mas vale prevenir que, o combate à corrupção não passa pelo caminho tortuoso recentemente aberto em proposta de emenda apresentada no Senado da República que pretende atribuir “superpoderes” à Polícia Federal, conferindo-lhe autonomia jamais vista em nenhum Estado democrático de direito. Uma instituição armada, funcional e hierarquicamente independente, detentora de exclusividade da investigação no Estado será uma garantia ou uma ameaça à democracia substantiva?

Ora, é própria da democracia a existência de mecanismos de controle, de freios e de contrapesos. A tarefa investigativa — indispensável, sem dúvida, ao eficaz combate à corrupção — não é um fim em si mesmo, não podendo ser monopólio de nenhuma instituição. É atividade que deve ser compartilhada com outros órgãos de controle e fiscalização do Estado. A PEC 37, de 2006, na contramão da lógica e do bom senso, acaba por estimular o distanciamento entre as instâncias oficiais, propugnando a formação de uma “ilha”, num momento em que a palavra de ordem deve ser “integração”.

Imprescindível também é a ampliação dos quadros de auditoria pública, para que seja permanentemente fiscalizada a aplicação dos recursos destinados à realização das políticas públicas ligadas à erradicação da miséria e ao desenvolvimento social e econômico. A auditoria é um importante mecanismo de prevenção da corrupção e não pode ser desprezada pelos governos.

Finalmente, o combate à corrupção exige que se fechem as “janelas de impunidade”. Alguns exemplos podem ser lembrados em nosso sistema normativo: a prescrição retroativa, que torna inócua, com sua peculiar forma de contagem de lapsos prescricionais, a atividade de persecução penal, notadamente em se tratando de “crimes do colarinho branco”; o foro privilegiado para ex-titulares de cargos ou funções públicas, que a PEC 358 pretende ressuscitar, e a tentativa anti-republicana de subtrair os agentes políticos do alcance da ação de improbidade, conforme julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal.

Estas e tantas outras questões precisam ser urgente e definitivamente resolvidas, o que exigirá disposição e coragem do Parlamento na nova legislatura que se avizinha. Tal empreitada também reclamará atenção redobrada da sociedade civil e das entidades representativas das classes do Ministério Público e do Judiciário. Não são poucos, como visto, os desafios no combate à corrupção.

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