Linguagem popular

Paulo Henrique Amorim se livra de indenizar Celso Cipriani

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28 de outubro de 2006, 7h00

A Rede Record e o jornalista Paulo Henrique Amorim estão livres de pagar indenização para o ex-presidente da Transbrasil Antônio Celso Cipriani. Ele entrou com a ação de reparação por danos morais porque o jornalista disse que Cipriani “embolsou” uma quantia que teria de ser repassada à Previdência Social. O empresário inclusive já foi condenado em primeira instância pelo crime.

O pedido de reparação foi negado pelo juiz Sang Duk Kim, da 33ª Vara Cível de São Paulo. “Se o jornalista Paulo Henrique Amorim entrasse em pormenores técnicos, afugentaria a audiência, tornando o processo ainda mais distante da grande maioria da população”, considerou o juiz.

A expressão “embolsar” foi usada por Paulo Henrique Amorim quando ele noticiava que a Justiça Federal Criminal tinha condenado Cipriani por apropriação indébita. De acordo com o processo, o ex-presidente da Transbrasil descontava dos salários de seus funcionários o percentual relativo à Previdência Social, mas não repassava os valores à autarquia.

O juiz reconheceu que “o teor das palavras proferidas esteve em consonância com a realidade” e que “o Judiciário entendeu ter ocorrido a conduta típica de apropriar-se para si. O que, em linguagem mais popular, pode ser interpretado como ‘embolsar’”.

“A simplicidade da linguagem está ligada ao perfil do público que assiste ao programa, o que, certamente, não teria ocorrido se a matéria fosse divulgada em canais mais específicos, tais como TV Justiça ou outros canais de público restrito”, esclareceu Sang Duk Kim.

“Repita-se que a simplicidade da linguagem utilizada está mais ligada à cultura dos telespectadores do programa mencionado do que o animus deliberado de ofender a honra e a moral do autor. Assim, ausente a presença do ânimo de ofender, e sim somente informar, usando uma linguagem simples, acessível à população em geral, não há como se deferir a pretensão indenizatória.”, concluiu.

Cipriani também é acusado de ter utilizado doleiros para enviar US$ 35 milhões para o exterior. O jornalista Paulo Henrique Amorim foi representado pelo advogado José Rubens Machado de Campos, do Machado de Campos, Pizzo e Barreto Advogados. A Rede Record foi representada pelo advogado Edinomar Galter.

Leia a decisão.

Processo n° 583.00.2005.083466-0

Texto integral da Sentença

Vistos.

ANTONIO CELSO CIPRIANI ajuizou a presente ação de Reparação Civil por Danos Morais contra PAULO HENRIQUE DOS SANTOS AMORIM e RÁDIO E TELEVISÃO RECORD S/A, alegando, em síntese, que em programa de tv exibido no dia 02/03/05, os réus veicularam notícias inverídicas a respeito do autor, difamando sua honra, imagem e dignidade.

Com base nestes argumentos, requer a condenação dos réus a indenização por danos morais. Com a inicial, vieram os documentos de fls. 19/38.

O réu Paulo Henrique contestou a fls. 97/118, alegando, preliminarmente, inépcia da inicial e, no mérito, alega que não cometeu abuso informativo. A co-ré Record contestou a fls. 169/183, alegando, preliminarmente, inépcia da inicial e decadência pela Lei de Imprensa; no mérito, alegou que os fatos veiculados pelo apresentador foram provados perante a justiça, quanto ao valor pleiteado, impugnou o pedido; por fim, requer a improcedência da ação. Réplica a fls. 198/209.

É o relatório.

Fundamento e DECIDO.

A matéria em discussão é somente de direito e de fato, e dispensa a produção de outras provas, razão pela qual, nos termos do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil, passo a proferir sentença. Rejeito a preliminar de inépcia da inicial, uma vez que a notificação da emissora que veiculou a matéria não é condição de procedibilidade.

O tema se insere na seara de prova, visto que a finalidade da notificação é apenas para preservar o material. Se, de uma forma ou de outra, o autor, por conta própria, conseguiu preservar o material, a notificação perde o sentido.

Rejeito, ainda, a preliminar de decadência pela Lei de Imprensa, visto que a jurisprudência mais avalizada, no que este Magistrado comunga do entendimento, é no sentido de relevar o exíguo prazo decadencial para as ações de reparação civil, mantendo-se o prazo para fins criminais. No mérito, a ação é improcedente.

Não há controvérsia alguma quanto à divulgação da matéria jornalística, do programa ancorado pelo primeiro réu, pela emissora mantida pela segunda ré, de que os trechos destacados a fls. 7 foram efetivamente transmitidos em cadeia nacional. Por mais que os requeridos procurem desqualificar ou contestar a transmissão da matéria, esta houve.

Resta, portanto, a análise do mérito da matéria, para se ver, ao final, se houve ofensa à honra ou à moral do autor. A matéria divulgada teve como base a condenação, pela Justiça Federal Criminal, em primeira instância, pelo crime de apropriação indébita, visto que descontou o percentual da parte tributável dos funcionários, relativos à Previdência Social, e não repassou à autarquia credora. Conduta ensejou a condenação à pena de prisão, convertida em restritiva de direitos.

O teor das palavras proferidas pelo primeiro réu estão em consonância com a realidade, sendo que, dentro da liberdade de imprensa e de expressão, pode o interlocutor temperar a frieza dos fatos, tornando-os mais palatáveis e acessíveis à população em geral. O crime de apropriação indébita redunda no fato típico de apropriar-se para si coisa móvel alheia de que tinha posse.

Tendo em vista a condenação ocorrida, o Judiciário entendeu ter ocorrido a conduta típica de apropriar-se para si. Dito isto, o judiciário competente entendeu que o autor apropriou para si, o que, em linguagem mais popular, pode ser interpretado como ‘embolsar’.

A simplicidade da linguagem está ligada ao perfil do público que assiste ao programa, o que, certamente, não teria ocorrido se a matéria fosse divulgada em canais mais específicos, tais como TV Justiça ou outros canais de público restrito.

Certamente, nestes programas, apareceriam os profissionais da área, discutindo aspecto técnico da conduta típica para se analisar em que momento houve a inversão do “animus” da posse – “rem sibi habendi”. Se o jornalista Paulo Henrique Amorim entrasse nestes pormenores técnicos, afugentaria a audiência, tornando o processo ainda mais distante da grande maioria da população.

Destarte, a existência ou não de tempero humorístico, ou até mesmo sarcástico, faz parte da arte jornalística. Nem se diga que o fato de a sentença em primeiro grau comportar recurso torne a decisão do Juiz de primeiro grau inconsistente. Aliás, existe uma cultura, cuja origem se desconhece, de desprestigiar por completo as sentenças dos juízes de primeira instância, mormente nas instâncias criminais.

As sentenças têm plena validade, sendo que, apenas para se garantir a certeza da condenação, assiste ao réu condenado o direito de recurso. Todavia, o fato de haver recurso não afasta a sua condição de condenado, sendo que apenas para cumprimento da pena a eficácia desta é suspensa. Observe-se que, no caso em tela, a condenação proferida pelo do juiz de primeiro grau foi confirmada pelo E. Tribunal, mantendo-se a sua posição de condenado, bem como da prática de apropriação indébita.

Repita-se que a simplicidade da linguagem utilizada está mais ligada à cultura dos telespectadores do programa mencionado do que o “animus” deliberado de ofender a honra e a moral do autor. Assim, ausente a presença do ânimo de ofender, e sim somente informar, usando uma linguagem simples, acessível à população em geral, não há como se deferir a pretensão indenizatória.

Posto isto e do mais que consta dos autos, JULGO a presente ação IMPROCEDENTE. Condeno o autor ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como nos honorários advocatícios que ora arbitro em R$ 3.500,00 para cada um dos requeridos, a serem corrigidos a partir da publicação da presente sentença.

P.R.I.

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