Rota da grana

Implicações da modificação do regime de bens para casados

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28 de outubro de 2006, 7h00

O Código Civil em vigor possibilita, em seu artigo 1.639, parágrafo 2º, a modificação do regime de bens, uma das mais significantes alterações introduzidas pelo diploma civil no direito de família. Com efeito, o princípio consagrado no ordenamento jurídico brasileiro até o advento do Código Civil de 2002 era o da imutabilidade do regime de bens, contido no artigo 230 do Código Civil de 1916.

Aduz o novo artigo 1.639, parágrafo 2º: “É admissível a alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”.

A norma supracitada possibilitou aos cônjuges a alteração do regime de bens, desde que preenchidos alguns requisitos, a saber:

a) concordância de ambos os cônjuges;

b) motivação do pedido;

c) autorização judicial.

Os requisitos acima deverão ser conjugados e, não havendo com a mudança do regime de bens prejuízo aos cônjuges, a terceiros ou violação à norma cogente, o juiz autorizará a alteração do regime, devendo a sentença homologatória ser averbada no Registro Civil de Pessoas Naturais, no Registro de Imóveis, bem como no Registro Público de Empresas Mercantis (Junta Comercial) ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme a atividade profissional exercida por um ou ambos os cônjuges.

O primeiro problema a ser enfrentado em relação à mutabilidade do regime de bens refere-se à possibilidade de alteração nos casamentos contraídos na vigência do Código Civil de 1916, uma vez que o artigo 2.039 estabelece que o regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior é o por ele estabelecido.

Uma leitura apressada do dispositivo conduziria o intérprete à conclusão de que os casamentos celebrados antes de 11 de janeiro de 2003, data da entrada em vigor do atual código, não poderiam ter seu regime de bens alterado.

Entretanto, essa não é a interpretação que vem sendo adotada pela doutrina mais especializada e até mesmo pelas recentes decisões dos tribunais, pois a possibilidade de alteração do regime de bens está relacionada com as características essenciais do casamento e não meramente com os seus efeitos.

Como destacado, a mudança será permitida desde que não haja violação à norma cogente. Dito diversamente, em alguns casos os cônjuges não poderão alterar seu regime de bens, como, por exemplo, se forem casados pelo regime da separação obrigatória, nos casos estabelecidos nos incisos I e III do artigo 1.641, referentes à violação de causas suspensivas e à dependência de suprimento judicial para contrair matrimônio.

A imposição do regime da separação obrigatória de bens pelo legislador visa à proteção dos cônjuges ou de terceiros, sendo considerada pela doutrina como uma sanção patrimonial à inobservância dos requisitos legais à celebração do matrimônio. Uma vez não mais presentes os motivos que determinaram a imposição desse regime, poderão os cônjuges requerer a alteração do regime obrigatório de bens, desde que cessados os impedimentos que geraram a imposição dessa sanção.

O artigo 1.641, inciso II, impõe o regime de separação obrigatória de bens para as pessoas que se casarem com mais de 60 anos. Sendo certo que já há pronunciamento judicial (Apelação Cível 70004348769 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) no sentido da norma em referência violar o princípio da dignidade da pessoa humana (CRFB/1988, art. 1º, III), poderão os cônjuges solicitar a alteração do regime, com fundamento na inconstitucionalidade do artigo 1.641, II, do Código Civil de 2002 acima mencionado.

Outro exemplo destacado pela doutrina, de violação à norma cogente que impediria a modificação do regime de bens, dá-se quando em virtude da alteração o cônjuge deixa de ser herdeiro necessário de seu consorte. Isso ocorre, por exemplo, na mudança do regime da separação total ou comunhão parcial para comunhão universal. Nestes casos, o cônjuge estaria perdendo a qualidade de herdeiro necessário, na hipótese de concorrer na sucessão com descendentes do falecido. Esse posicionamento não é imune a críticas, pois se argumenta que o cônjuge teria apenas um direito eventual em relação à herança de seu consorte, já que só há efetivamente direitos hereditários com a abertura da sucessão.

Além dessas questões preliminares, outros problemas surgem quanto à alteração do regime de bens, como o procedimento que deverá ser adotado e o modo de resguardar o direito de terceiros. Visando sanar estas dificuldades, alguns Tribunais de Justiça, como o da Bahia e o do Rio Grande do Sul, editaram provimentos estabelecendo diretrizes que deverão ser observadas pelo magistrado.

Em síntese, os provimentos estabelecem que:

a) o procedimento será de jurisdição voluntária;

b) deverá ser publicado edital com prazo de 30 dias, a fim de imprimir a devida publicidade e resguardar direito de terceiros;

c) a intervenção do Ministério Público será obrigatória;

d) após o trânsito em julgado da sentença, deverão ser expedidos mandados de averbação aos cartórios de Registro Civil e de Imóveis e, caso qualquer dos cônjuges seja empresário, ao Registro Público de Empresas Mercantis;

e) a competência para a modificação do regime de bens é do juízo de família.

Apesar da omissão nos provimentos analisados, será imprescindível que os cônjuges declarem os bens comuns e particulares, pois, dependendo do regime para o qual requererão a alteração, deverá ser feita a partilha dos bens previamente, sendo a mesma homologada judicialmente e registrada nos cartórios competentes.

Importante questão diz respeito às implicações no direito sucessório dos cônjuges causadas pela modificação do regime de bens. Como amplamente divulgado, o Código Civil atual alterou toda a ordem de vocação hereditária, elevando o cônjuge ao status de herdeiro necessário em propriedade plena. Ocorre que o regime de bens será fundamental para estabelecer a sucessão, se o cônjuge concorrer com descendentes do autor da herança.

Assim, o código estabelece que o cônjuge sobrevivente não irá suceder caso concorra com descendentes se o regime de bens for o da comunhão universal, separação obrigatória ou ainda pelo regime da comunhão parcial se o falecido não houver deixado bens particulares.

Portanto, nos demais casos — comunhão parcial com bens particulares, separação de bens e participação final dos aqüestos, o cônjuge sobrevivente concorrerá com os descendentes do autor da herança. Ao dividir a herança com os descendentes, a cota do cônjuge não poderá ser inferior a um quarto da herança, se for ascendente de todos os herdeiros com que concorrer (CCB/2002, art. 1.832).

Observe que sendo o cônjuge herdeiro necessário no Código Civil de 2002, não poderá o testador afastá-lo da sucessão. Em realidade, metade da herança é destinada aos herdeiros necessários, podendo a outra metade ser livremente disposta por meio de testamento (CCB/2002, art. 1.789).

Resta assim evidente que a modificação do regime de bens na vigência do casamento pode alterar toda a cadeia sucessória dos cônjuges requerentes, sendo este, inclusive, um motivo para se requer a modificação.

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