Marketing do medo

Lei autoral brasileira é incompatível com novas tecnologias

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  • Alexandre Atheniense

    é advogado pesidiu a Comissão de Tecnologia da Informação do Conselho Federal da OAB e é coordenador do curso de Pós Graduação em Direito de Informática da ESA OAB-SP.

27 de outubro de 2006, 17h59

Recentemente, presenciamos o desencadeamento da operação de abrangência nacional, denominada I-Commerce, contra o comércio de produtos piratas pela internet. Trezentos e cinqüenta policiais apreenderam milhares de cópias ilegais de CDs e DVDs quase simultaneamente em 13 estados (Bahia, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo) e no Distrito Federal.

Pelo que se teve notícia, pelo menos 81 pessoas estavam envolvidas na venda de produtos ilegais pela internet. Nesta operação, 20 pessoas já haviam sido presas e 57, indiciadas. A maioria dos envolvidos tem entre 18 e 30 anos. Muitos são jovens de classe média que usavam sites como o Mercado Livre e Orkut para venda destas cópias.

Foi a primeira vez no Brasil que as gravadoras adotaram a estratégia de reprimir criminalmente pessoas que praticam comércio de produtos piratas. Não há dúvidas da legalidade da adoção desta medida, uma vez que as gravadoras têm legitimidade para agir e tal prática está tipificada no nosso Código Penal pelos artigos 180, 184, 186 e 334. Mas o qual seria verdadeiramente a intenção desta estratégia adotada pela indústria fonográfica?

Segundo as declarações do representante da Federação Internacional da Industria Fonográfica (IFPI), entidade que coordenou esta estratégia em diversos países, “essas pessoas não são nossos clientes, eles estão roubando música. O que eles fazem não é diferente de entrar numa loja e roubar um CD”.

Para o diretor da Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD), “o nosso objetivo propriamente não é processar as pessoas, mas mandar um aviso aos usuários ilegais”.

Ocorre que por trás desta medida criminal está em jogo um debate muito mais acalorado: o regime autoral sobre a troca de arquivos pela internet e o modelo de negócio para venda de criações intelectuais por meio eletrônico.

Durante a declaração dos resultados da campanha do IFPI e ABDP no Rio de Janeiro, professores da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e representantes no Brasil da Creative Commons tiveram o seu acesso vedado ao recinto onde estava ocorrendo a reunião com a imprensa. Diante deste fato, instaurou-se uma controvérsia entre a indústria fonográfica e a entidade que luta pela popularização de um novo regime de licenciamento de obras autorais.

Por um lado, a FGV alega que defenderá quem for processado. Se a indústria musical está pronta para atacar a sociedade brasileira, é importante que saiba que há instituições prontas para defender o interesse público, assegurou Ronaldo Lemos, advogado representante no Brasil do Creative Commons (CC). Esta iniciativa apresenta um modelo gradativo de proteção dos direitos autorais de obras como textos, música, fotos. Segundo ele, os dados dos usuários que são obtidos podem representar lesões ao consumidor e de privacidade. Ressalte-se que a FGV é observadora permanente da Organização Mundial de Propriedade Intelectual, vinculada à ONU.

Em abaixo assinado na internet, os professores sustentam uma mudança do artigo 46 da lei autoral. Pelo que se vê, a lei brasileira antiga, de 1973, era melhor que a atual, de 1998. Existe uma contradição entre a tecnologia e a experiência do cidadão. A legislação não permite copiar a música de um CD comprado para um tocador de MP3. A lei de direitos autorais brasileira é incompatível com os desenvolvimentos tecnológicos recentes. Nosso atual regime de direito autoral transforma qualquer usuário de internet em um potencial criminoso e infrator de direitos.

Neste sentido, foi elaborada um abaixo assinado online sustentando quais deveriam ser as mudanças propostas para alterar a legislação brasileira de direitos autorais.

Na ótica das gravadoras, Fernando Brant, presidente da União Brasileira de Compositores, afirma que o CC é horroroso. “Não sei como o ministro Gilberto Gil pode defendê-lo.”

Hoje,o Creative Commons tem 140 milhões de obras licenciadas em 50 países. Lemos criticou Brant, dizendo que “quem fala isso acha melhor processar do que criar modelos de negócio para que a tecnologia faça as pazes com o direito”. Indaga-se: Será que o marketing do medo propagado pela indústria fonográfica é uma estratégia que pode dar certo para reprimir as cópias de músicas trocadas pela internet? Para o professor Joaquim Falcão, esta iniciativa é uma luta perdida.

Considero importante a discussão deste novo modelo de negócio, pois a aposta da indústria fonográfica é no crescimento dos sites legalizados de vendas de música, que têm contratos com as gravadoras. Esse mercado ainda é bastante incipiente no Brasil, e os próprios empresários vêem dificuldades em conquistar consumidores. Já existem 350 sites no mundo que vendem música pelo meio eletrônico. Os maiores acervos como o Itunes da Apple ainda não vendem suas obras para o Brasil, enquanto vários sites nacionais já vêm ganhando popularidade na venda de músicas pelo meio eletrônico.

Acho que o modelo atual deverá ser repensado, pois a música sofreu com a internet uma separação entre a mídia e a mensagem. Ou seja, uma obra musical para ser executada ou copiada necessariamente não precisa estar vinculada a qualquer dispositivo corpóreo. Por este motivo, temos que repensar a legislação vigente para que se adapte as novas tecnologias diante das inúmeras alternativas de negócio que podem surgir por meio eletrônico.

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    é advogado em Belo Horizonte, presidente da Comissão de Tecnologia da Informação do Conselho Federal da OAB e coordenador do curso de Pós Graduação em Direito de Informática da ESA OAB-SP.

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