PPPs para presídios

Cabe ao estado controlar e ao concessionário, cumprir

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27 de outubro de 2006, 7h00

A notícia de que o governo de São Paulo pretende erguer novos presídios por meio do regime das Parcerias Público Privadas (PPP) é uma ótima iniciativa, porque esse tipo de concessão pública pode realmente ser um excelente instrumento rápido e eficaz para construção de novos centros prisionais. Aliás, já existem experiências similares nos estados do Ceará, Paraná (agora tendo voltado ao estado por ter terminado o prazo da concessão) e Amazonas. Além desses, os governos da Bahia, Minas Gerais e Santa Catarina já têm desenvolvido estudos prévios para as futuras licitações.

Convém fixar com clareza os limites da delegação do estado nesses contratos, para se evitar mal-entendidos ou posições equivocadas e preconceituosas. Ao estado e apenas ao estado cabe a execução das penas e a responsabilidade pela integridade física e mental dos detentos. Esse é um princípio constitucional do qual a administração pública não pode se afastar. Assim, a orientação para o cumprimento das sentenças penais condenatórias cabe ao Poder Executivo, a quem incumbe executar com fidelidade as decisões que forem proferidas pelo Poder Judiciário.

Tais afirmativas em nada conflitam com o regime das PPPs. Ao contrário, elas podem perfeitamente cumprir o objetivo público e a ele adicionar os recursos e a agilidade da iniciativa privada, a começar com a construção física do estabelecimento. Os prédios feitos pela iniciativa privada normalmente são muito mais baratos do que aqueles levantados pelo poder público. Pela simples razão de que não há toda a teia das licitações e controles públicos, além da rapidez e pontualidade dos pagamentos, o que permite melhores condições dos fornecedores. Portanto, o estado pode definir as suas necessidades e a iniciativa privada pode construir os prédios.

Por outro lado, os estabelecimentos têm outras necessidades: requerem o que se chama de hotelaria, isto é, toda a gama de serviços consistentes em alimentação, limpeza e fornecimento de roupas para os detentos e para as celas. Todos esses serviços podem perfeitamente ser objeto de terceirização e, assim, executados por particulares, sem que o estado necessite provê-los para o cumprimento de seus deveres constitucionais.

Além disso, as unidades prisionais necessitam de todo um leque de tarefas puramente administrativas, ligadas ao funcionamento propriamente dito, controle de estoques, controle de pessoal, manutenção dos equipamentos, regime de visitas, remoção dos detentos, manutenção do próprio prédio, etc.. São serviços que também podem ser feitos pela iniciativa privada.

Por fim, existem os chamados agentes carcerários, a quem incumbe a missão de tornar realidade a aplicação da pena, zelando para que o detento esteja em regime de reclusão se assim requerido, em sistema semi-aberto se essa for a determinação da justiça, com regime vigiado e assim por diante, dependendo da gradação da pena e de suas características.

Essa tarefa, a seu turno, pode ser dividida em duas partes. Uma é a orientação da pena, a sua aplicação, a certeza de que o Poder Executivo está cumprindo o que determinou o Poder Judiciário. Outra é o conjunto de atos que seguem essa orientação (manter o preso em regime de segurança máxima, acompanhá-lo a eventuais depoimentos, mantê-lo distante de outros presos, acompanhá-lo em banhos de sol, etc.). A orientação cabe ao estado. Porém, a sua execução se perfaz por um conjunto de providências que podem perfeitamente ser executadas por particulares, desde que para isso sejam contratados e treinados.

Quando se fala em privatização de presídios está se referindo exatamente a todos esses conjuntos de providências práticas que podem (e devem, nas circunstâncias atuais) ser delegados à iniciativa privada. Com isso, poder-se-ia em curto prazo tornar possível a construção de vários presídios e a sua administração por pessoal equipado, treinado e orientado. Cabe ao estado definir com clareza o que pretende e assegurar os controles públicos sobre a concessão. Cabe ao concessionário vencedor da licitação cumprir o que contratou sob pena da rescisão da concessão. Essa é a essência da Parceria Público-Privada que busca agregar o direito do estado ao interesse da iniciativa privada em uma atividade lucrativa.

Resta abordar o problema do custo, normalmente apontado como muito maior nas prisões privatizadas. Trata-se de um sofisma. Hoje não existem prisões suficientes para os detentos que cumprem pena. Além disso, as condições são subumanas, o que tem provocado tantas rebeliões e afrontas do crime organizado. Portanto, comparar o custo atual — onde se tem muito pouco — com o custo de um regime adequado e com todas as exigências equivale a comparar nada — ou muito pouco— com tudo. Nesse caso, evidentemente, o tudo sairá mais caro. Por outro lado, a contabilidade pública segue regras que nada tem a ver com as que regem uma contabilidade de custos ou gerencial.

Os princípios da contabilidade pública levam em conta as regras de execução orçamentária, sem que haja critérios consistentes de custo-benefício. Apenas para dar um exemplo, os custos previdenciários dos agentes carcerários públicos não são levados em conta, o que faria suas remunerações muito maiores do que as pagas a contratados pela Consolidação das Leis do Trabalho. Esse singelo exemplo pode nos antecipar os inúmeros “custos públicos” que não são levados em consideração nos cálculos de quanto custa um detento para o Estado.

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