Mudanças da MP

Novas regras disciplinam operações de câmbio no Brasil

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26 de outubro de 2006, 7h00

Por meio da Medida Provisória 315, de 3 de agosto de 2006, o Poder Executivo introduziu novas regras dispondo sobre:

a)operações de câmbio;

b) registro de capitais estrangeiros;

c) pagamento em lojas francas localizadas em zona primária de porto ou aeroporto (lojas duty free);

d) novação de contratos celebrados entre a União e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES);

e) tributação de arrendamento mercantil de aeronaves. As principais regras são analisadas abaixo.

Exportações

As regras cambiais relativas às exportações, que comentaremos a seguir, estão disciplinadas nos artigos 1º, 2º, 3º, 8º e 9º da MP 315.

A partir de 4 de agosto de 2006 (data da publicação da MP 315 no Diário Oficial da União), no caso das exportações brasileiras de mercadorias e serviços para o exterior, realizadas por pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no Brasil, os recursos em moeda estrangeira decorrentes dessas operações poderão ser mantidos em instituição financeira no exterior, observados os limites fixados pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). De acordo com a sistemática cambial anterior, os recursos oriundos de exportação deveriam ser necessariamente internados no país.

Nos termos da MP 315, ao dispor sobre a forma e as condições para aplicação desses recursos no exterior, o CMN não poderá estabelecer tratamento diferenciado por setor ou atividade econômica. A legislação proibiu expressamente essa diferenciação. Todos os exportadores receberão exatamente o mesmo tratamento, independentemente do setor em que atuem ou da atividade econômica que exerçam.

Os recursos mantidos no exterior somente poderão ser utilizados para a realização de investimento, aplicação financeira ou pagamento de obrigação do próprio exportador. É vedada a sua utilização para a concessão de empréstimo ou mútuo de qualquer natureza, para evitar que o exportador transfira recursos dessa forma a outras empresas.

O CMN poderá estabelecer formas simplificadas de contratação de operações simultâneas de compra e venda de moeda estrangeira, relacionadas a recursos provenientes de exportações. Tal situação aplica-se especificamente aos recursos que excederem o limite estabelecido pelo CMN, conforme acima referido. Nessa hipótese, os recursos da compra e venda da moeda estrangeira deverão transitar, por seus valores integrais, a crédito e a débito de conta corrente bancária no país, de titularidade do contratante da operação (o exportador).

A MP 315 introduziu uma importante inovação quanto à forma de fiscalização e controle dos recursos em moeda estrangeira ingressados no país, referentes aos recebimentos de mercadorias e de serviços, que foi transferida do Banco Central do Brasil (BC) para a Receita Federal. Ao BC competirá apenas manter registro dos contratos de câmbio, mas a responsabilidade pelo controle das operações passa a ser da Secretaria Receita Federal. Para tanto, os dados de registro serão fornecidos pelo BC à Secretaria da Receita Federal (SCF), conforme estabelecido por ambos, em ato conjunto.

Além disso, a MP 315 esclarece que o exportador brasileiro com recursos no exterior (a pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no país que mantiver no exterior recursos em moeda estrangeira relativos ao recebimento de exportação) deverá declarar à SRF a utilização desses recursos. Para que o exportador possa exercer essa faculdade, haverá autorização implícita para que a instituição financeira ou qualquer outro interveniente, residente, domiciliado ou com sede no exterior, forneça à SRF as informações sobre a utilização dos recursos. A pessoa jurídica que mantiver recursos no exterior fica obrigada a manter escrituração contábil, nos termos da legislação comercial. A SRF ainda deverá disciplinar as regras que deverão ser obedecidas a esse respeito.

Se o exportador mantiver ou utilizar recursos no exterior em desacordo com o disposto na MP 315, estará sujeito a uma multa de natureza fiscal de 10% sobre o valor desses recursos. Se o exportador não informar à SRF os recursos mantidos ou utilizados no exterior, no prazo estabelecido pela SRF, a multa será de cinco décimos por cento ao mês-calendário ou fração incidente sobre o valor correspondente aos recursos não informados, limitada a 15%. Essas multas serão aplicadas autonomamente a cada uma das infrações, ainda que caracterizada a ocorrência de eventual concurso. Na hipótese de recursos não informados, a multa será reduzida à metade, quando a infração for prestada após o prazo, mas antes de qualquer procedimento de ofício, ou duplicada, inclusive quanto ao seu limite (ou seja, sendo elevada até 30%), em caso de fraude. Compete à SRF promover a exigência dessas multas, observado o rito previsto na legislação aplicável (Decreto 70.235, de 06 de março de 1972).


No mesmo dia em que entrou em vigor a MP 315, foi divulgada a Resolução 3.389, de 4 de agosto de 2006, segundo a qual o CMN determinou que os exportadores brasileiros de mercadorias e serviços poderão manter no exterior o valor correspondente a, no máximo, 30% da receita de exportações. Esse percentual poderá ser modificado, elevado ou diminuído a qualquer momento pelo CMN, de acordo com a política que vier a ser adotada pelo governo brasileiro.

A parcela restante (70%), deverá ser objeto de celebração e liquidação de contrato de câmbio em instituição integrante do Sistema Financeiro Nacional (SFN) autorizado a operar no mercado de câmbio no país, ressalvados os casos específicos previstos na legislação e regulamentação vigentes. Essas operações de câmbio são liquidadas mediante a entrega do valor em moeda estrangeira ou do documento que o represente ao banco com o qual tenha sido celebrado o contrato de câmbio.

A mesma regra aplica-se também, às ocorrências relacionadas a seguir, verificadas até 210 dias antes da entrada em vigor da Resolução 3.389 (7 de agosto de 2006):

a) despacho averbado em registro de exportação constante do Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex);

b) serviços prestados a residentes no exterior. Tal regra não se aplica, todavia, aos valores de exportação com curso no Convênio de Pagamento e Créditos Recíprocos, bem como aos valores objeto de financiamento concedido pelo BNDES ou pelo Tesouro Nacional, os quais devem obedecer à regulamentação específica.

Os contratos de câmbio podem ser celebrados para liquidação pronta ou futura, antes ou depois do embarque da mercadoria e da prestação dos serviços, observada a regulamentação do BC.

A comprovação do ingresso no país das receitas de exportação poderá ainda ocorrer mediante operações simbólicas de câmbio, pela liquidação de contrato simplificado de câmbio de exportação, com liquidação simultânea de contrato simplificado de transferência financeira para constituição de disponibilidade no exterior. Para tanto, deverão ser adotados os seguintes procedimentos:

I – a compra e venda de moeda estrangeira serão feitas à mesma taxa de câmbio;

II – as contratações e liquidações simplificadas serão efetuadas pelo mesmo valor e realizadas na mesma data e na mesma instituição;

III – o valor em reais transitará a crédito e débito em conta-corrente de titularidade do exportador;

IV – não haverá recepção de ordem de pagamento do exterior, nem emissão de ordem de pagamento para o exterior. As operações de valor igual ou inferior ao equivalente a US$ 20 mil poderão ser feitas pelas sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades corretoras de câmbio ou de títulos e valores mobiliários e sociedades distribuidoras de títulos e valores mobiliários, autorizadas a operar no mercado de câmbio.

Regra geral, os contratos de câmbio relativos à exportação devem ser celebrados pelo exportador. Admite-se, entretanto, que sejam celebrados por pessoa diversa do exportador nos seguintes casos:

a) fusão, cisão ou incorporação de empresas ou em outros casos de sucessão contratual previstos em lei;

b) decisão judicial;

c) empresas do mesmo grupo econômico (assim consideradas a empresa controladora e suas controladas, bem como as empresas que sejam controladas pela mesma controladora), desde que haja por parte do exportador prévia comunicação à Secretaria da Receita Federal e a secretaria estadual ou distrital de fazenda ou órgão equivalente;

d) exportações financiadas pelo BNDES ou pelo Tesouro Nacional;

e) exportações indenizadas pelo Fundo de Garantia à Exportação (FGE). O BC está autorizado a estabelecer a forma de ingresso no País das receitas de exportação nos casos aqui descritos.

O recebimento do valor em moeda estrangeira decorrente de exportações deverá ocorrer mediante o crédito do montante correspondente em conta no exterior, mantida em banco pelo próprio exportador, ou, a critério das partes, mediante crédito em conta mantida no exterior por banco autorizado da operar em câmbio no país, na forma da regulamentação em vigor. O recebimento poderá ocorrer em forma distinta nas seguintes situações:

a) entrega da moeda estrangeira em espécie ao banco autorizado a operar no mercado de câmbio, na forma a ser definida pelo BC;

b) uso de cartão de crédito internacional, vale postal internacional ou outro instrumento em condições especificamente previstas na regulamentação do BC.

Em princípio, são vedadas instruções para pagamento ou para crédito no exterior, a terceiros de quaisquer valores de exportação. A regulamentação permite apenas duas exceções:

a) no caso de comissão de agente e parcelas de outra natureza devidas a terceiros, residentes ou domiciliados no exterior, previstas no respectivo registro de exportação constante do Siscomex;


b) exportações que forem conduzidas por intermediário no exterior, na forma e limite a serem definidos pelo BC.

Se a exportação não se realizar e, conseqüentemente, não houver o respectivo embarque da mercadoria ou a prestação dos serviços, os valores decorrentes de recebimentos antecipados de exportação poderão ser convertidos em investimento ou empréstimo ou devolvidos ao exterior. Nos termos da Lei 4.131, de 3 de setembro de 1962, modificadas pela Lei 4.390, de 29 de agosto de 1964, e respectiva regulamentação, esses valores poderão ser convertidos pelo exportador em investimento direto de capital ou em empréstimo em moeda e registrados no BC, mediante anuência prévia do pagador no exterior. Esses mesmos valores recebidos a título de antecipação também podem ser objeto de retorno ao exterior, observada a regulamentação tributária aplicável a recursos não destinados à exportação.

Nos termos do artigo 12 da Lei 7.738, de 9 de março de 1989, alterada pela Lei 9.813, de 23 de agosto de 1999, o cancelamento ou baixa na posição de câmbio de exportação, previamente ao embarque das respectivas mercadorias para o exterior ou previamente à prestação ou conclusão dos serviços ou, ainda, na hipótese de transferência financeira do exterior, sujeitará o exportador ao pagamento de um encargo financeiro. Esse encargo financeiro é calculado sobre o valor em moeda nacional correspondente à parcela do contrato de câmbio cancelado ou baixado, com base no rendimento acumulado da Letra Financeira do Tesouro (LTF) durante o período compreendido entre a data da contratação e a do cancelamento ou baixa, deduzidos a variação cambial ocorrida no mesmo período e o montante em moeda nacional equivalente a juros determinados de acordo com a taxa de captação interbancária de Londres (London InterBank Offered Rate), incidente sobre o valor em moeda estrangeira objeto do cancelamento ou baixa. A Resolução 3389 dispõe que esse encargo financeiro deverá ser recolhido pelo banco comprador da moeda estrangeira, observados os procedimentos estabelecidos pelo BC.

Admite-se o desconto no exterior de cambiais de exportação, sem direito de regresso, na forma da regulamentação do BC. Também são permitidos os recebimentos de exportação em moeda nacional, quando previstos no registro de exportação no Siscomex.

Na hipótese de financiamento de exportação concedido por instituição governamental, cabe ao órgão ou entidade que figurar como credor final da operação envidar os esforços necessários para receber a moeda estrangeira correspondente.

O BC está autorizado a editar a regulamentação que se fizer necessária ao cumprimento do disposto na Resolução 3.389, definindo, inclusive, os serviços prestados a pessoas físicas ou jurídicos residentes, domiciliados ou com sede no exterior, que sejam passíveis de enquadramento na referida resolução.

Por força do artigo 4º da MP 215, poderá ser dispensado o contrato de câmbio nas operações de compra e de venda de moeda estrangeira de pequeno valor, assim consideradas as de até US$ 3 mil, ou o seu equivalente em outras moedas. Nesse sentido, a MP 315 alterou a redação do artigo 23 da Lei 4.131, acrescentando-lhe um novo parágrafo (parágrafo 7º), segundo o qual o referido formulário (contrato de câmbio) não é obrigatório nas operações de câmbio que não ultrapassarem US$ 3 mil.

Regularização do capital contaminado

Até a edição da MP 315, o que se convencionou designar de “capital contaminado” não era passível de registro no BC. Todavia, a MP 315 dispõe sobre a necessidade do registro do “capital contaminado”, ao determinar que fica sujeito a registro em moeda nacional, no BC, o capital estrangeiro investido em pessoas jurídicas no país, ainda não registrado e não sujeito a outra forma de registro no BC. Para esse fim, o valor do capital estrangeiro em moeda nacional a ser registrado deverá constar dos registros contábeis da pessoa jurídica brasileira receptora do capital estrangeiro, na forma da legislação em vigor.

O “capital contaminado” existente até em 31 de dezembro de 2005 deverá ser regularizado 30 de junho de 2007. A partir do ano de 2006, inclusive, o registro deverá ser efetuado até o último dia útil do ano-calendário subseqüente ao do balanço anual no qual a pessoa jurídica estiver obrigada a registrar o capital. Caberá ao CMN disciplinar a regra para registro do “capital contaminado”, competindo ao BC divulgar os dados constantes desse registro.

Essa matéria está prevista no artigo 5º da MP 315.

Lojas Duty Free

Na sistemática anterior, o pagamento das compras realizadas nas lojas duty free deveria ser feito exclusivamente em moeda estrangeira. O artigo 13 da MP 315 permite que esse pagamento também possa ser realizado doravante em moeda nacional, ao alterar o caput do artigo 15 do Decreto-Lei 1.455, de 7 de abril de 1976, que trata da autorização, nos termos e condições fixados pelo Ministro da Fazenda, do funcionamento de lojas francas, na zona primária de porto ou aeroporto, para venda de mercadoria nacional ou estrangeira a passageiros de viagens internacionais, na chega ou saída do país, ou em trânsito, contra pagamento em moeda nacional ou estrangeira.


Novação de contratos

O artigo 15 da MP 315 autoriza a União a pactuar com o BNDES a novação dos contratos celebrados ao amparo do parágrafo 1º do artigo 26 da Lei 9.491, de 09 de setembro de 1997 (que diz respeito ao programa de privatização brasileiro, denominado Programa Nacional de Desestatização), visando dar-lhes forma de instrumento híbrido de capital e dívida, conforme definido pelo CMN, mantida, no mínimo, a equivalência econômica das condições alteradas.

Consoante as disposições do caput do artigo 26 da Lei 9.491, por ocasião da privatização da Companhia Vale do Rio Doce, a União transferiu ao BNDES 94.953.982 ações ordinárias nominativas e 4.372.154 ações preferências nominativas, representativas do capital social da Vale do Rio Doce, de propriedade da União. O parágrafo 1º do referido artigo 26, por sua vez, estabeleceu que, em contrapartida a essa transferência de ações pela União, a critério do Ministro da Fazenda, o BNDES deveria, alternativa ou conjuntamente, pelo valor nominal equivalente ao valor de venda das ações:

a) assumir dívidas, caracterizadas e renovadas da União, nos termos dos atos legais em vigor, relativas ao Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS); e/ou

b) transferir à União debêntures de emissão da BNDES Participações S.A. – BNDESPAR, de propriedade do BNDES, com as mesmas condições de rentabilidade e prazo das dívidas referidas na alínea (a).

Ao permitir a novação dessa dívida do BNDES com a União, que corresponde aproximadamente a R$ 7 bilhões e venceria em 2027, a MP 315 amplia a capacidade geral do BNDES de conceder empréstimos às empresas, sem necessidade de aporte de novos recursos financeiros por parte do Tesouro Nacional. No caso dos grandes grupos econômicos tais empréstimos estão limitados a 25% do capital de referência do BNDES. Na prática, com a adoção dessa inteligente engenharia financeira, a dívida do BNDES deixa de ter um prazo de vencimento definido, sendo transformada em dívida “perpétua”, o que aumenta o capital de referência do banco para fins de concessão de empréstimos para empresas de grande porte, sem nenhum ônus adicional para a União.

Tributação de arrendamento mercantil de aeronaves

Segundo a legislação tributária federal (Lei 9.959, de 27 de janeiro de 2000), os valores correspondentes aos pagamentos de contraprestação de arrendamento mercantil (leasing) de bens de capital, celebrados com entidades arrendadoras do exterior, estavam sujeitas à incidência do Imposto de Renda na Fonte (IRF), à alíquota de 15%.

Posteriormente, essa alíquota foi reduzida para zero, conforme o disposto no inciso V do artigo 1º da Lei 9.481, de 13 de agosto de 1997.

O artigo 16 da MP 315 concede esse mesmo benefício fiscal para as companhias aéreas (empresas de transporte aéreo público regular, de passageiros ou de carga), que contratarem operações de arrendamento mercantil (leasing) de aeronaves ou motores de aeronaves, na hipótese de pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa, por fonte situada no país, a pessoa jurídica domiciliada no exterior, a título de contraprestação do contrato de leasing. Para tanto, as condições exigidas são as seguintes:

a) o fato gerador deverá ocorrer até 31 de dezembro de 2013; e

b) o contrato de leasing deverá ser celebrado pela companhia aérea até o dia 31 de dezembro de 2008.

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