Riscos de viagem

Empresa não responde por dano em assalto a ônibus

Autor

25 de outubro de 2006, 12h32

Assalto a ônibus é um fato estranho a atividade da empresa de transportes. Por isso ela não pode ser responsabilizada pelos prejuizos causados aos passageiros vítimas de assalto no ônibus. O entendimento é da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que livrou a empresa Viação Ideal de indenizar Elisandra Mattos Pereira, que ficou em assalto ao ônibus em que ela viajava.

O assalto aconteceu em 2000, no Rio de Janeiro. Os assaltantes entraram no ônibus e houve troca de tiros com policiais e Elisandra foi atingida no tornozelo. Ela recorreu à Justiça, alegando ter sofrido seqüelas por conta do tiro e que ficou incapacitada para trabalhar. Elisandra pediu pensão vitalícia e indenização por dano moral ou estético, além dos honorários advocatícios e custas processuais.

A Viação Ideal alegou que não havia nexo de causalidade entre a sua conduta e o assalto, por este ser responsabilidade de terceiros. O fato, sustentou a empresa, seria equiparado a caso fortuito e força maior, pois foi imprevisível e inevitável.

Em primeira instância, a Viação Ideal foi condenada a pagar R$ 402 pela incapacidade temporária de 40 dias mais R$ 3 mil por danos morais e custas processuais. Para o juiz, o assalto não é imprevisível, é inerente ao serviço de transporte. Elisandra recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para pedir a majoração dos valores. O TJ negou.

A empresa recorreu ao STJ. De acordo com a defesa, a decisão de primeira instância viola o artigo 17 do Decreto-Lei 2681/12 (Lei de Estradas de Ferro) e o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. O primeiro dispositivo, interpretado analogicamente ao caso do transporte rodoviário, exonera o transportador de indenizar o passageiro em casos de força maior e caso fortuito. Já o artigo do CDC também libera a empresa da responsabilidade de indenizar em casos de responsabilidade de terceiros. Além disso, argumentou, há divergência nas jurisprudências do STJ sobre a matéria.

O relator, ministro Jorge Scartezzini destacou que a 2ª Seção do STJ já consolidou o entendimento de que a empresa de transporte não pode ser responsabilizada por fato totalmente estranho ao transporte em si, como no caso de assaltos dentro de ônibus. Segundo o ministro, o fato de a ação ser executada por alguém estranho à relação entre as partes é equiparável à força maior, portanto, exclui a responsabilidade da empresa transportadora.

Resp 822.666

Leia a decisão

RECURSO ESPECIAL Nº 822.666 — RJ (2006/0042025-5)

RELATOR: MINISTRO JORGE SCARTEZZINI

RECORRENTE: EMPRESA VIAÇÃO IDEAL S/A

ADVOGADO: RICARDO MELCHIOR DE BARROS RANGEL E OUTROS

RECORRIDO: ELISANDRA MATOS PEREIRA

ADVOGADO: ROGÉRIO LINHARES PACHECO

EMENTA

PROCESSO CIVIL — RECURSO ESPECIAL — INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS — A0SSALTO À MÃO ARMADA NO INTERIOR DE ÔNIBUS COLETIVO — FORÇA MAIOR. CASO FORTUITO — EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE DA EMPRESA TRANSPORTADORA — CONFIGURAÇÃO.

1 — Este Tribunal já proclamou o entendimento de que, fato inteiramente estranho ao transporte (assalto à mão armada no interior de ônibus coletivo), constitui caso fortuito, excludente de responsabilidade da empresa transportadora.

2 — Entendimento pacificado pela eg. Segunda Seção desta Corte. Precedentes: REsp. 435.865/RJ; REsp. 402.227/RJ; REsp. 331.801/RJ; REsp. 468.900/RJ; REsp. 268.110/RJ.

3. — Recurso conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em conhecer do recurso e lhe dar provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, com quem votaram os Srs. Ministros HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, MASSAMI UYEDA e ALDIR PASSARINHO JÚNIOR. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro CÉSAR ASFOR ROCHA.

Brasília, DF, 17 de agosto de 2006(data do julgamento).

MINISTRO JORGE SCARTEZZINI, Relator

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Ministro JORGE SCARTEZZINI (Relator): Infere-se dos autos que ELISANDRA MATTOS PEREIRA ajuizou ação ordinária de responsabilidade civil em face de EMPRESA VIAÇÃO IDEAL S/A. Relatou que, no dia 19.04.2000, cerca de 20:10 hs., a autora foi vítima de um assalto no coletivo no qual se encontrava, havendo troca de tiros entre um policial e os dois assaltantes. Narrou que um dos tiros atingiu-lhe o tornozelo direito, sendo socorrida e levada para o Hospital Souza Aguiar. Afirmou que ficou imobilizada, em conseqüência do tratamento obtido, e prejudicada financeiramente, pois laborava, na ocasião, em uma Cooperativa e percebia a importância mensal de R$302,00. Aduziu que as dores provocadas pela lesão causaram siginificativa mudança na sua vida, quais sejam: gastos com remédios, limitação em atividades do cotidiano que exija o desempenho do membro inferior (tornozelo direito com fratura incompleta da tíbia), o que lhe causa constrangimento e, ainda, um quadro de angústia e ansiedade, levando à portadora da lesão a um intenso sofrimento. Postulou: 1) pensão mensal vitalícia, acrescida de 13º e na proporção que percebia quando vitimada (R$302,00); 2) verba indenizatória por dano moral ou estético a ser arbitrada em juízo, não inferior a 400 salários mínimos; 3) todas as verbas indenizatórias em dobro, a teor do § 1º do art. 1538 do Código Civil, corrigidas monetariamente, incidindo sobre as mesmas juros compostos a partir do evento danoso; 4) constituir capital garantidor das prestações vincendas, na forma do art. 602, do CPC; 5) custas e honorários arbitrados em juízo (fls. 02/04).


Em contestação, alegou a requerida, em síntese, que inexiste nexo de causalidade entre a conduta da ré e o evento externo, o qual foi fruto de fato de terceiro, equiparado à caso fortuito e de força maior, pois imprevisível e inevitável, excludente de responsabilidade do transportador. Aduziu que, diante de tais premissas, não foram preenchidos os requisitos essenciais ensejadores da indenização pleiteada pela autora (fls.20/38).

O d. juízo de primeiro grau julgou procedente em parte a ação. Condenou a requerida ao pagamento de: a) R$ 402,66 (quatrocentos e dois reais e sessenta e seis centavos), por danos materiais, ante a incapacidade temporária de 40 dias; b) R$ 3.020,00 (três mil e vinte reais), por danos morais, correspondendo a 10 (dez) vezes o salário que percebia a autora; c) correção monetária e juros legais de 6% ao ano até 11.03.2003, e a partir daí, de 12% ao ano, na forma do art. 406 do NCC, tudo a contar da citação (fls. 144/151).

A autora interpôs embargos de declaração, os quais foram rejeitados (fls. 155/156).

Julgando os recurso de apelação apresentados pelas partes (fls.158/222, 225/227), a eg. Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro negou provimento a ambos os recursos, mantendo os valores indenizatórios fixados na sentença recorrida.

O v. acórdão restou assim ementado (fls.257), verbis:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. ASSALTO. PASSAGEIRA ATINGIDA NO TORNOZELO DIREITO POR PROJÉTIL EM TROCA DE TIRO ENTRE OS ASSALTANTES E POLICIAL NO INTERIOR DO ÔNIBUS, EM ZONA DE FREQÜENTES ROUBOS, FATO QUE NÃO É IMPREVISÍVEL NEM ALHEIO AO TRANSPORTE COLETIVO. AS INÚMERAS ESTATÍSTICAS REVELAM O CRESCIMENTO, ANO A ANO, DE ASSALTOS EM VEÍCULOS DE TRANSPORTE COLETIVO, SEM QUE O ESTADO GARANTA A SEGURANÇA DA SOCIEDADE, O QUE, LAMENTAVELMENTE, RECLAMA MEDIDAS PARTICULARES. A RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR É REGIDA, SEM SOMBRA DE DÚVIDA, PELA TEORIA DO RISCO PROVEITO, ONDE ASSENTADA A IDÉIA DE QUE O DANO DEVE SER SUPORTADO POR AQUELE QUE RETIRA PROVEITO OU VANTAGEM DO FATO LESIVO, SENDO, NESTE PONTO, INDUVIDOSO O LUCRO OBTIDO PELAS EMPRESAS.

VERBA DO DANO MORAL FIXADA CONSIDERANDO AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO, ATENDENDO TANTO AO CARÁTER INIBITÓRIO COMO REPARATÓRIO-COMPENSATÓRIO, DENTRO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE, SENDO, POR ISSO, MANTIDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM CONFORMIDADE COM A SIMPLICIDADE DA DEMANDA. RATEIO DAS CUSTAS E SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA NÃO APLICÁVEIS. IMPROVIMENTO DOS RECURSOS”.

A empresa-apelante apresentou recurso especial, com fulcro nas alíneas “a” e “c”, do permissivo constitucional (art.105,III), alegando os seguintes pontos: a) violação ao art. 17, do Decreto-Lei 2.681/1912 (Lei de Estradas de Ferro), ao argumento de que, aplicado analogicamente ao transporte rodoviário, prevê que o transportador será exonerado de indenizar o passageiro quando ocorrer caso fortuito ou de força maior; b) contrariedade ao art. 14, § 3º, II, do CDC, que prevê, igualmente, a exoneração do dever de indenizar quando ocorrer culpa de terceiro, como no pleito em questão; c) com base em divergência jurisprudencial com julgados desta Corte, sustentou “ser excludente da responsabilidade da empresa transportadora, o fato inteiramente estranho ao transporte em si, como é o assalto ocorrido no interior do coletivo” (fls.266/276).

As contra-razões foram ofertadas, às fls. 344/345.

Admitido o recurso, às fls. 347/348, subiram os autos, vindo-me conclusos.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 822.666 — RJ (2006/0042025-5)

VOTO

O Exmo. Sr. Ministro JORGE SCARTEZZINI (Relator): Srs. Ministros, como relatado, insurge-se a empresa-recorrente contra o decisum colegiado, ementado às fls.257, argumentando, em suas razões, os seguintes pontos: a) violação ao art. 17, do Decreto-Lei 2.681/1912 (Lei de Estradas de Ferro), ao argumento de que, aplicado analogicamente ao transporte rodoviário, prevê que o transportador será exonerado de indenizar o passageiro quando ocorrer caso fortuito ou de força maior; b) contrariedade ao art. 14, § 3º, II, do CDC, que prevê, igualmente, a exoneração do dever de indenizar quando ocorrer culpa de terceiro, como no pleito em questão; c) com base em divergência jurisprudencial com julgados desta Corte, sustentou “ser excludente da responsabilidade da empresa transportadora, o fato inteiramente estranho ao transporte em si, como é o assalto ocorrido no interior do coletivo”.

Razão assiste à recorrente.

Com efeito, a 2ª Seção desta Corte, no julgamento do REsp. 435.865/RJ (Rel. Min. BARROS MONTEIRO, DJU de 12.05.2003), consolidou o entendimento no sentido de que constitui causa excludente da responsabilidade da empresa transportadora o fato inteiramente estranho ao transporte em si, como é o assalto ocorrido no interior do coletivo.


O Senhor Ministro Relator, no aresto acima mencionado, assim concluiu a questão que ora se cuida:

“É esse exatamente o caso dos autos. O disparo de arma de fogo, que atingiu o autor, não apresenta vínculo algum com o transporte em si. Assim, o fato de terceiro equipara-se a força maior, causa excludente de responsabilidade do transportador.

(…) Nessas condições, a simples circunstância de serem comuns hoje no Brasil delitos de natureza semelhante à versada nesta causa não é o bastante para atribuir-se responsabilidade à transportadora, que não deu causa alguma ao fato lesivo, sabido que a segurança pública dos cidadãos se encontra afeta às providências do Estado. Em nosso país, com as tarifas cobradas dos usuários, em que não é incluso o prêmio relativo ao seguro, que seria a forma escorreita de proteger o passageiro contra atentados desse tipo, descabido é — a meu ver — transferir-se o ônus à empresa privada”.

Neste entendimento, registro os seguintes precedentes:

“CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ASSALTO A ÔNIBUS SEGUIDO DE ESTUPRO DE PASSAGEIRA. CASO FORTUITO. CONFIGURAÇÃO. PREPOSTO. OMISSÃO NO SOCORRO À VÍTIMA. RESPONSABILIDADE DA TRANSPORTADORA.

I. A 2ª Seção do STJ, no julgamento do REsp. 435.865/RJ (Rel. Min. Barros Monteiro, por maioria, DJU 12.05.2003), uniformizou o entendimento no sentido de que constitui caso fortuito, excludente de responsabilidade da empresa transportadora, assalto a mão armada ocorrido dentro do veículo coletivo.

II. ———–

III. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (REsp 402.227/RJ, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, DJU de 11.04.2005)”.

CIVIL. INDENIZAÇÃO. TRANSPORTE COLETIVO (ÔNIBUS). ASSALTO À MÃO ARMADA. FORÇA MAIOR. EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE.

I . O assalto à mão armada, dentro de ônibus, por se apresentar como fato totalmente estranho ao serviço de transporte (força maior), constitui-se em causa excludente da responsabilidade da empresa concessionária do serviço público.

II . Entendimento pacificado pela Segunda Seção.

III. Recurso especial não conhecido. (REsp 331.801/RJ, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, DJU de 22.11.2004)”.

“Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Indenização. Dano moral. Roubo. Interior do coletivo.

I. O “transportador só responde pelos danos resultantes de fatos conexos com o serviço que presta” (REsp 468.900/RJ, Terceira Turma, Relator o Ministro ARI PARGENDLER, DJU DE 31.3.03). Assim, “afirmando o Acórdão recorrido que houve assalto com arma de fogo no interior do ônibus, presente o fortuito, os precedentes da Corte afastam a responsabilidade do transportador” (REsp 286.110/RJ, Terceira Turma, de minha relatoria, DJU de 01.10.2001).

II. Agravo regimental desprovido. (AgRg no Ag 589.848/MT, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJU de 01.08.2005)”.

“PROCESSO CIVIL — AGRAVO DE INSTRUMENTO — NEGATIVA DE PROVIMENTO — AGRAVO REGIMENTAL — INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS — ASSALTO À MÃO ARMADA NO INTERIOR DE ÔNIBUS COLETIVO — CASO FORTUITO — EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE DA EMPRESA TRANSPORTADORA – SÚMULA 83/STJ — DESPROVIMENTO.

1 — Este Tribunal já proclamou o entendimento de que, fato inteiramente estranho ao transporte (assalto à mão armada no interior de ônibus coletivo), constitui caso fortuito, excludente de responsabilidade da empresa transportadora. Precedentes (REsp nºs 402.227/RJ, 435.865/RJ e 264.589/RJ ).

2 — Aplicável, portanto, à hipótese, o enunciado sumular de nº 83/STJ.

3 — Agravo Regimental conhecido, porém, desprovido. (AgRg no Ag 516.847/RJ, de minha relatoria, DJU de 08.11.2004)”.

Ante o exposto e por tais fundamentos, conheço e dou provimento ao presente recurso especial.

É como voto.

Visite o blog Consultor Jurídico nas Eleições 2006.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!