Dono da culpa

Médico que não alerta paciente sobre riscos assume os danos

Autor

24 de outubro de 2006, 15h00

Uma das questões mais controvertidas na área médica, que impõe dificuldade não só para seu entendimento, como também para sua caracterização, é a iatrogenia. A palavra “iatrogenia” deriva do grego (iatrosmédico / gignesthai = nascer, que deriva da palavra gênesis = produzir) e denomina qualquer dano físico, psíquico ou estético causado no paciente em decorrência de ato terapêutico ou cirúrgico. A polêmica, muitas vezes, está na atribuição ou não de culpa à equipe médica. Ou seja, em quais casos as seqüelas são decorrentes de fatores inevitáveis e em quais são resultado de erro ou mesmo negligência médica?

É fato que todo procedimento médico tem certo risco de causar algum tipo de lesão ao paciente, mas é preciso analisar a questão detalhadamente. Em alguns casos, há uma relação direta entre o tratamento necessário para cura da enfermidade e as conseqüências provenientes desse tratamento. São ocasiões nas quais não é possível fazer o tratamento sem lesionar o paciente. É o que ocorre, por exemplo, com pessoas com câncer de mama, cujo tratamento resulta na mastectomia.

Mesmo a amputação de membros em virtude de diabetes, o corte para retirada de um tumor das amídalas ou os efeitos da quimioterapia podem ser enquadrados neste tipo de lesão iatrogênica. São todas seqüelas previsíveis, mas inevitáveis, pois constituem um único meio para buscar a cura. Há também as seqüelas imprevisíveis, mas também inevitáveis, como a necessidade de extirpação total de um órgão durante um procedimento cirúrgico. São todas ocasiões nas quais é evidente a ausência de culpa médica, uma vez que o dano decorre diretamente da enfermidade do paciente, não havendo necessidade de se cogitar irresponsabilidade civil do médico.

Devemos considerar também a iatrogenia decorrente de fatores individuais de cada paciente, como sua sensibilidade e reação a determinados medicamentos, bem como das suas condições de recuperação. Embora previsíveis, são lesões que não guardam relação direta com a atuação do médico, da técnica empregada ou do atual estado da ciência. Neste caso, também não se pode falar na existência de ato ilícito suscetível de ser indenizado, seja pela ausência do nexo de causalidade, seja pela ausência de culpa do profissional.

E quando o paciente não informa ao médico de outras patologias que possui como diabetes, cardiopatia grave e alergia a determinados medicamentos, dentre outras? Trata-se de omissões que podem resultar em lesões iatrogênicas. Se for comprovado que o médico não poderia obter o quadro clínico completo do paciente por outros meios que não o próprio paciente e que, portanto, o dano decorreu exclusivamente do comportamento do paciente, não há a responsabilização do médico encarregado.

Apenas caracterizar uma lesão como iatrogênica, porém, não é suficiente. Há que se ressaltar que o médico tem o dever de informar ao paciente sobre todos os riscos do tratamento ou intervenção. O profissional que não seguir esta conduta poderá responder por danos advindos do descumprimento de seu dever de informação. Nos casos em que o resultado será danoso, embora inevitável e decorrente do tratamento terapêutico ou cirúrgico a ser empregado, o médico deve, além de informar o paciente, obter seu consentimento por escrito, resguardando ambas as partes.

Lembro-me, por exemplo, de uma paciente que ingressou com uma ação de indenização por danos morais e estéticos, alegando que ficou com uma cicatriz extremamente vexatória, decorrente de ato cirúrgico no nariz. Ocorreu que tal resultado era esperado e necessário ao tratamento, diante do grande carcinoma que se alastrou pelo nariz. Só havia duas alternativas: ou ela ficaria com o carcinoma em seu nariz ou teria como resultado uma cicatriz certamente vexatória, porém permitida e necessária.

É importante salientar que, antes da cirurgia ser realizada, a paciente foi advertida sobre o quadro devastador do carcinoma e teria que se proceder a retirada de pele atrás da orelha, com o conseqüente enxerto no nariz. Ainda assim, a paciente ficou inconformada com a cicatriz e entrou com ação indenizatória. É um tipo de lesão, no entanto, que não advém de uma conduta incorreta do médico, não estando presentes os fundamentos à responsabilidade civil.

Os médicos para se resguardarem, diante de um quadro possível de lesão iatrogênica, devem informar a seus pacientes e, sempre que possível, se aperfeiçoarem no sentido de evitá-la. Devem agir com extremo rigor na coleta de dados dos pacientes e utilizar de todos os exames que estão ao seu alcance para verificar as condições do paciente.

Já os estudiosos e os operadores do Direito devem ter como norma, antes de cair na vala generalizada do ‘erro médico’, observar se a lesão pode ser caracterizada como iatrogenia – lesão pela qual o médico não contribuiu com imperícia, imprudência ou negligência. Para tanto, é preciso analisar de forma criteriosa a relação de causa e efeito do dano.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!