Advogado preso

Prisão especial não substitui sala de Estado-Maior para advogado

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23 de outubro de 2006, 15h22

Prisão especial não pode ser considerada igual a sala de Estado-Maior. Por esse motivo, a defesa do advogado e ex-delegado Edgar Froes, preso há 30 meses, entrou com pedido de Habeas Corpus no Tribunal de Justiça de Mato Grosso. O juízo da 2ª vara Criminal de Cuiabá entendeu que o advogado, mesmo não estando em sala de Estado-Maior, não tem o direito de cumprir prisão domiciliar, como prevê Estatuto da Advocacia, porque se encontra em prisão especial.

Segundo a defesa do acusado, encabeçada pelo advogado Eduardo Mahon, o Supremo Tribunal Federal já informou em diversos casos julgados a diferença entre prisão especial e sala de Estado-Maior e que, na ausência desta última, o advogado, que não foi condenado definitivamente, deve cumprir prisão domiciliar.

A sala de Estado-Maior, a que tem direito o advogado em prisão provisória, é uma sala sem grades, com uma cama, uma escrivaninha e acomodações mínimas em que se possa trabalhar, dentro de quartel do Exército ou da Polícia Militar. Já a prisão especial é uma cela dentro da penitenciária, em que o preso fica isolado dos demais presos.

Segundo os advogados, a prisão especial é prerrogativa do cidadão com curso superior completo. Já a a sala de Estado-Maior, de acordo com o Estatuto de Advocacia, é prevista para advogados presos que não tenham sentença transitada em julgado.

Para a defesa, “como se sabe notoriamente que o estado do Mato Grosso não prevê tal alojamento e, considerando a decisão plenária do Supremo Tribunal Federal pela constitucionalidade do dispositivo mencionado [Estatuto da Advocacia], outra saída não resta a não ser a prisão domiciliar”.

Segundo os advogados, "infelizmente, juízes não têm colocado os direitos do advogado à altura de sua própria jurisdição, negando-se a reconhecer as mesmas prerrogativas que assistem ao Judiciário, por meio de leis especiais".

A defesa afirma também que a decisão merece reforma e que, se for o caso, debaterão o tema até o STF, que já tem entendimento sedimentado. "Estamos fazendo o papel da OAB, nesse caso", diz.

O advogado Edgar Fróes é acusado de duplo homicídio. Ele está preso no Anexo I da Penitenciária Pascoal Ramos, desde o dia 30 de março de 2004, um dia depois do ocorrido.

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Leia a íntegra do pedido de Habeas Corpus

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR- PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO.

Distribuição por Prevenção

HC 71714/2006/TJMT

HC 16500/2006/TJMT

EDUARDO MAHON, casado, professor, advogado regularmente matriculado sob número 6.363 junto à Seccional Mato-Grossense da Ordem dos Advogados do Brasil e 23.800-A junto à Seccional do Distrito Federal, com escritório profissional à Rua Estevão de Mendonça, 1650, Morada do Sol, Cuiabá-MT, SANDRA ALVES, solteira, advogada, professora, inscrita com carteira profissional OAB/MT 7544 e OAB/SC 22233, EDUARDO LUIZ ARRUDA CARMO, inscrito com OAB/MT 10546, e, finalmente, FELIPE ÁRTHUR SANTOS ALVES, portador de OAB/MT 7083-E e MARCELO ZAGONEL, inscrito com OAB/MT 7657-E, vêm todos, em nome próprio, impetrar:

ORDEM DE HABEAS CORPUS

C/C PEDIDO LIMINAR INITIO LITIS

Em favor de EDGAR FRÓES, brasileiro, casado, advogado matriculado sob número 6694 à Seccional Paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil, atualmente recolhido ao Anexo I da Penitenciária do Pascoal Ramos, em Cuiabá-MT, contra decisão do Juízo da SEGUNDA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE CUIABÁ, exercendo Jurisdição dos feitos da execução penal na comarca de Cuiabá.

Da Prevenção.

Vestibularmente, impende destacar a prevenção firmada junto a este Sodalício Mato-Grossense, quanto ao Paciente EDGAR FRÓES, por meio de simples busca no sistema de distribuição do TJMT. Mais recentemente, temos a indicação do julgamento de mérito do HC 71714/2006, cujo relator foi o eminente Desembargador MANOEL ORNELLAS DE ALMEIDA e, de outra banda, o HC 16500/2005, onde figura como relator o não menos brilhante Desembargador RUI RAMOS RIBEIRO. Assim sendo, indica-se a prevenção já no frontispício da inaugural ação mandamental e, agora, no preâmbulo do texto que se inicia.

 

Escorço Fático.

 

O Paciente é acusado do fato capitulado no art. 121 do Código Penal Brasileiro e está recolhido ao Anexo I da Penitenciária do Pascoal Ramos há mais de dois anos consecutivos, especificamente há 30 meses. Ainda assim, balizamos como objeto do presente writ of mandamus não o excesso de prazo em si, quem bem poderá ser considerado de ofício, sendo o caso, mas o direito de EDGAR FRÓES pleitear prisão domiciliar. É aí que se circunscreve o ponto nevrálgico da exordial mandamental.

Desde já, à guiza de introdução, deixe-se consignado que à época dos fatos, um dia após o cometimento do delito, a prisão temporária do Paciente foi decretada, tendo este se apresentando espontaneamente, mormente na condição de delegado de polícia, homem de letras e leis e renomado servidor público do Estado de Mato Grosso. Portanto, precisamente no dia 20 de março de 2004, teve início a penosa tarefa de esperar o julgamento do processo que o aflige.

No dia 30 de março, ultrapassado o prazo para o ocaso da segregação temporária, entendeu por bem o juiz de piso converter a prisão para preventiva, o que não mais se modificou desde então, fundamentando unicamente sua decisão na possibilidade de afetação à ordem pública e à instrução processual. Enfim, instrução processual levada a cabo, pronúncia efetivada em outubro daquele mesmo ano de 2004, perigo algum poderia ofertar o Paciente. Deve-se, pois, afirmar que a instrução é finda e o Paciente permanece segregado.

Cumpre informar que os autos do processo da ação penal de n. 121/2004 que tramitava perante a 12ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá, no qual figura o Paciente como acusado, encontra-se atualmente no Superior Tribunal de Justiça em face de interposição de Recurso Especial.

Contava o Paciente, também, com Ordem de Habeas Corpus junto ao Egrégio Supremo Tribunal Federal, HC n. 88901, de relatoria do I. Ministro Cezar Peluso, ação constitucional na qual formulou o Paciente pedido incidente de prisão domiciliar, considerando-se sua qualidade de advogado.

No ato do julgamento de referida Ordem, o Paciente não teve apreciado referido pedido, determinando a Egrégia Corte que a competência para análise do pleito cabe ao Juízo da Execução Penal da Comarca de Cuiabá – Estado de Mato Grosso.

Consubstancia-se a decisão desta Egrégia Corte:

HABEAS CORPUS Nr. 88901

PROCED. : MATO GROSSO

RELATOR : MIN. CEZAR PELUSO

PACTE.(S) EDGARD FRÓES OU EDGAR FRÓES

IMPTE.(S) JOSÉ PETAN TOLEDO PIZZA

COATOR(A/S)(ES) RELATOR DO HABEAS CORPUS 51.935 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: 1. Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de EDGARD FRÓES, contra decisão que lhe indeferiu pedido de liminar nos autos do HC nº 51.935, do Superior Tribunal de Justiça:

“Preso desde março de 2004, e pronunciado pela prática de duplo homicídio qualificado (CP, art. 121, par. 2º, I e IV – primeira vítima – e art. 121, par. 2º, IV e V – segunda vítima – c/c art. 62, I c/c art. 29, caput e 312, caput), o delegado de polícia civil de Mato Grosso, Edgar Fróes, tem impetrado agora pedido de Habeas Corpus nesta Corte.

Alega, o advogado impetrante, constrangimento ilegal eis que excedido o prazo de custódia de Edgar Fróes, e requer, liminarmente, a "concessão da liberdade em favor do paciente" ou "relaxamento de sua prisão com a cassação do decreto constritivo, ainda que tal soltura seja concedida com caráter de liberdade provisória" – fl. 9.

A liminar requerida diz respeito ao próprio mérito do writ, cuja análise competirá ao órgão colegiado, no momento oportuno. Ante o seu caráter satisfativo, indefiro o pedido liminar” (fls. 185).

Foram então formulados dois pedidos de reconsideração, igualmente indeferidos (fls. 184 e 44).


 

O paciente está preso desde março de 2004, acusado da prática de homicídio qualificado perante a 12a Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MS.

 

Pronunciado, interpôs recurso em sentido estrito e depois recurso especial (RE nº 805715), pendente de julgamento no Superior Tribunal de Justiça.

 

 

 

Alega o impetrante que o paciente está sofrendo constrangimento ilegal, decorrente do fato de o Superior Tribunal de Justiça não ter deferido liminar em favor do paciente e reconhecido excesso de prazo na duraAlega o impetrante que o paciente está sofrendo constrangimento ilegal, decorrente do fato de o Superior Tribunal de Justiça não ter deferido liminar em favor do paciente e reconhecido excesso de prazo na duração da custódia.

 

Requer, liminarmente, seja expedido alvará de soltura ao paciente, e, no mérito, reproduz idêntico pleito.

 

Requisitei informações ao Superior Tribunal de Justiça (fls. 166), que as prestou (fls. 171-185) e os autos daquele writ foram novamente remetidos à Procuradoria, para parecer, em razão dos informes remetidos pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso.

 

2. Incognoscível o writ.

Sucessivos precedentes desta Corte firmaram jurisprudência no sentido do não conhecimento de habeas corpus em hipóteses análogas. Esse entendimento acabou consolidado na súmula 691, que enuncia, verbis:

“Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar”.

É verdade que se lhe abre exceção ao enunciado, quando se trate de flagrante constrangimento ilegal (HC nº 85.185, Rel. Min. CEZAR PELUSO). Não vislumbro, porém, a flagrante ilegalidade capaz de afastar a aplicação da súmula 691, tal como ocorrido, v.g., nos autos do HC nº 88.050, Rel. Min. GILMAR MENDES, que deferiu liminar tendo em conta que, lá, o paciente encontrava-se preso preventivamente há 2 (dois) anos e 11 (onze) meses em razão de recursos interpostos pelo Ministério Público, tendo o Ministro Relator do writ no Superior Tribunal de Justiça indeferido a liminar.

 

Não é, todavia, o caso destes autos. O paciente foi pronunciado em outubro de 2004, sete meses depois de ter sido enclausurado preventivamente. Contra tal decisNão é, todavia, o caso destes autos. O paciente foi pronunciado em outubro de 2004, sete meses depois de ter sido enclausurado preventivamente. Contra tal decisão a defesa interpôs recurso em sentido estrito e depois recurso especial e, assim, eventual demora no julgamento da causa pode, em tese, decorrer do exercício do direito de defesa, substanciado no direito a recurso.

 

Recomenda-se, pois, neste caso, aguardar o julgamento do writ pelo órgão colegiado daquele Tribunal.

3. No tocante ao pedido para que o paciente, na qualidade de advogado, seja posto em prisão domiciliar, deve tal requerimento ser formulado ao Juízo da Vara de Execuções Penais da comarca de Cuiabá/MS, a quem compete averiguar, antes disso, se há sala de Estado Maior para alojar o paciente enquanto estiver preso preventivamente, nos termos do art. 7o, V, da Lei nº 8.906/94.

4. Ante o exposto, nego seguimento ao pedido, por ser manifestamente inadmissível (art. 21, § 1º, do RISTF, e 38 da Lei nº 8.038, de 28.05.1990).

Publique-se. Int.

Brasília, 25 de agosto de 2006.

Ministro CEZAR PELUSO

Relator

Em obediência a decisão emanada deste Egrégio Tribunal, o Paciente ingressou com pedido de providências junto ao Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá – Juízo das Execuções Penais.

No pedido de providência, informa o requerente que, além de ex-delegado de polícia civil, é também e, antes de mais nada, advogado. Nesta ceara, a lei 8.906/94, em seu art. 7º, V, afirma categoricamente que advogados têm direito de esperar julgamento, segregados em Sala de Estado Maior nos Estados Federados, cujas comarcas estão a ele ligadas. É justamente pelo CONHECIMENTO DO PEDIDO é que se animam os Impetrantes a debate-lo em sede de hábeas corpus, face ao indeferimento do pedido, fixando assim a competência deste Colendo Tribunal de Justiça de Mato Grosso.

E ainda, questionada a constitucionalidade do dispositivo em questão, decidiu o Supremo Tribunal Federal pela constitucionalidade deste, no julgamento plenário da ADI 1127-8 e 1105, subsistindo a norma consubstanciada no inciso V do art. 7º da Lei nº 8.906/94, ressalvando, unicamente, por inconstitucional, a expressão “assim reconhecidas pela OAB” inscrita em tal preceito normativo. Enfatizado, ainda, em referido julgamento plenário, após rejeitar questão prejudicial nele suscitada, que é inaplicável, aos Advogados, em tema de prisão especial, a Lei nº 10.258/2001.

 

De forma sintética, foi com arrimo nestes argumentos que o Paciente pleiteou sua colocação em prisão domiciliar, considerando-se a inexistência de Sala de Estado Maior no Estado de Mato Grosso.

 

O Juízo negou o pedido com base nos seguintes argumentos:

“O requerente é preso provisória. Como se sabe, há cinco modalidades de prisão provisória, a saber: prisão em flagrante, prisão temporária, prisão preventiva, prisão por pronúncia, e prisão decorrente de sentença condenatória recorrível, ou seja, ainda não transitada em julgado. No caso presente, o requerente se encontra preso por pronúncia, onde foi determinado que nessa condição aguardasse seu julgamento pelo júri. Portanto tratando0se de preso provisório, onde ainda não existe sentença condenatória, nem tampouco guia de execução provisória ou definitiva, não há que se falar em prisão-albergue domiciliar, instituto da execução penal disposto no artigo 117 da lei 7210/84. o caso é do artigo 7º da lei 8906/94.

Segundo Mirabete, a prisão domiciliar foi introduzida no Brasil, justamente para recolher preso provisório à própria residência, nos locais onde não houver estabelecimento adequado ao recolhimento daqueles que tem direito a prisão especial.

O requerente, como consta, é advogado (ex-delegado), e nessa condição invoca em seu favor o disposto no artigo 7º do Estatuto dos Advogados. A prisão especial, assim chamada, destinada às pessoas nominadas em lei, deve ser cumprida em estabelecimento adequado para tanto. No caso, o requerente alega que onde se encontra recolhido não é local adequado para cumprimento de prisão especial, e por isso, pede autorização para aguardar o decurso do processo em domicílio próprio, ou seja, em prisão domiciliar.

Como dito, a prisão domiciliar é cabível quando não houver estabelecimento adequado na comarca para cumprimento da prisão especial. Não é o caso. O requerente já se encontra em prisão especial.

A SEJUSP/MT, por portaria de n. 48/2005, de 23 de junho de 2005, incorporou a Unidade Prisional de Gerência da Polinter ao Sistema Prisional do Estado, como anexo da Penitenciária de Pascoal Ramos.

Art. 3º – A partir desta data a Unidade Prisional constante da Gerência da Polinter, da Polícia Judiciária Civil, passará a ser parte integrante e coordenada pelo Sistema Prisional do Estado de Mato Grosso, destinando-se ao abrigo de réus colaboradores, presos ameaçados de baixíssima periculosidade, presos com direito a prisão especial e prisão civil. (grifei)

O pedido pois não tem razão de ser. A prisão especial que o requerente diz ter direito está sendo respeitada. O local onde se encotnra recolhido é próprio e adequada para abrigar presos com tal prerrogativa. Não há motivo assim, para autorização da prisão domiciliar, que só é possível, em caso de preso provisório, na falta de local apropriado para o cumprimento em prisão especial, o que não é o caso dos autos, o que determina o indeferimento do pedido.

Assim, ante a todo o exposto, INDEFIRO o pedido de prisão domiciliar de EDGAR FROES, já qualificado.

Outrossim, determino seja encaminhado cópia dessa decisão ao juízo da 12ª Vara Criminal desta Comarca.

Publique-se, registre-se, intime-se, cumpra-se.

Cuiabá – MT, 18 de outubro de 2006.”

Fez “tabula rasa” a decisão do Egrégio Supremo Tribunal Federal o Juízo de piso! Ora, Excelência, o próprio Tribunal Excelso em diversos julgados recentes informa diferença entre a prisão especial e prisão em Sala de Estado Maior, e assegura o direito ao advogado a prisão domiciliar em caso de inexistência desta última.


Em verdade, o Juízo negou o pleito de forma direta, já que ciente da decisão daquela Magna Corte em relação às prerrogativas conferidas aos advogados e o posicionamento quanto à possibilidade da prisão domiciliar. Deixemos claro – PRISÃO ESPECIAL É DIFERENTE DE PRISÃO DOMICILIAR.

Poderíamos nós fazer digressões enfadonhas sobre a etimologia das duas expressões. Poderíamos nos socorrer do próprio vernáculo, mas preferimos nos limitar ao sentido meramente jurídico que discerne ambas as formas prisionais, em atenção à cultura pujante de Vossa Excelência. Apenas pelo cabedal intelectual deste E. Tribunal de Justiça é que vamo-nos exonerar do óbvio ululante.

 

De um lado, a prisão especial é prerrogativa daquele cidadão preso provisoriamente que detém particularidades quanto ao cargo, função ou nível de instrução que a lei processual quis albergar de forma genérica. Assim, os jornalistas, professores, engenheiros, e toda a sorte de profissionais têm direito de ver-se apartados de presos comuns, em celas condignas que se denominam, no conjunto, de prisão especial. Especial, porquanto não os coloca na vala comum, apenas por isso.

 

Já a prisão domiciliar é, obviamente, muito distinta. Trata-se de aguardar o julgamento, recolhido no lar, na residência daqueles profissionais que gozam dessa prerrogativa. Assim sucede com o juiz de direito, com o promotor de justiça, com o defensor público e com o advogado, todos essenciais ao ministério da Justiça, mais particularmente o advogado, consoante dicção do art. 133 da Carta Magna.

É essa a diretiva clara, sem meneios, do Min. CELSO DE MELLO, que transcrevemos adiante. Por ora, duas palavras de nossa lavra, prosseguindo.

Assim, pela inteligência dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, é que não se confunde os dois tipos de prisão, um de caráter genérico e outro, especificidade prevista em regência legislativa própria, especial, particular. Ora, não se pode dizer que a prisão especial, por mais confortável que seja (e existe?!) subsume-se no escopo da norma que trata de prisão domiciliar.

Domiciliar sim! Para ter o Paciente o direito de aguardar longo processo junto aos seus. Para que o segregado possa continuar praticando atos de seu mister, sobrevivendo por isso e arrimando os seus, sem ser limitado pelas condições desumanas que uma cela trás. Para que o advogado possa receber e fazer ligações, quando lhe aprouver, enfim, por mais “especial” que pense o MM Juiz de Execuções Penais ser o Anexo I do Pascoal Ramos, certamente nunca será similar à residência do Paciente. Aliás, de ninguém.

Acabemos com duplas interpretações ou glosas que venham apenas a prejudicar o advogado. A hermenêutica da lei processual penal não deve atender à conscupiciencia do julgador que pretende torcer a lei. Especial é um minus quanto a domiciliar e esta é um plus legislativo. Interpretar diversamente é dizer que a casa do Paciente é a prisão, o que não se pode admitir jamais.

Excelência. Infelizmente, o processo penal é aquele dos desafortunados, mas ainda resta um átimo de humanidade para fazer um julgador equilibrado compreender que a casa do cidadão não é o xadrez. Do contrário, aí sim, teríamos uma abominação, remontando às senzalas, que eram consideradas o domicilio dos escravos.

Um colchão esfarrapado e menos gente no inferno da penitenciária, não pode ser classificado como especial. Se o for, resta o bom-senso para discernir esse rebotalho hermenêutico de residência, lar, domicilio. Portanto, na ausência de Sala de Estado Maior, de cuidado das Forças Armadas (o que nenhum Estado da Federação tem), é certo o direito do Paciente permanecer encarcerado em sua própria casa.

Prerrogativa Funcional do Advogado e Decisão do Supremo Tribunal Federal.

Como sói ocorrer em casos dessa natureza, a lei 8.906/94, em seu art. 7º, V, afirma categoricamente que advogados têm direito de esperar julgamento, segregados em Sala de Estado Maior nos Estados Federados, cujas comarcas estão a ele ligadas.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu pela constitucionalidade do dispositivo retro, no julgamento plenário da ADI 1127-8 e 1105, decidiu subsistente a norma consubstanciada no inciso V do art. 7º da Lei nº 8.906/94, ressalvando, unicamente, por inconstitucional, a expressão “assim reconhecidas pela OAB” inscrita em tal preceito normativo. Enfatizado, ainda, em referido julgamento plenário, após rejeitar questão prejudicial nele suscitada, que é inaplicável, aos Advogados, em tema de prisão especial, a Lei nº 10.258/2001.

“06/10/94 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE n. 1127-8 DISTRITO FEDERAL REQUERENTE: ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS REQUERIDOS: PRESIDENTE DA REPÚBLICA CONGRESSO NACIONAL

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ESTATUTO DA ADVOCACIA E DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – Lei 8.906/94. Suspensão da eficácia de dispositivos que especifica. LIMINAR.

 

AÇÃO DIRETA. Distribuição por prevenção de competência e ilegitimidade ativa da autora. QUESTÕES DE ORDEM. Rejeição.

 

MEDIDA LIMINAR. Interpretação conforme e suspensão da eficácia até final decisão dos dispositivos impugnados, nos termos seguintes:

Art. 1º inciso I – postulações judiciais privativa de advogado perante os juizados especiais. Inaplicabilidade aos Juizados de Pequenas Causas, à Justiça do Trabalho e à Justiça de Paz.

Art. 7º , §§ 2º e 3º – suspensão da eficácia da expressão “ou desacato” e interpretação de conformidade a não abranger a hipótese de crime de desacato à autoridade judiciária.

Art. 7º , § 4º – salas especiais para advogados perante os órgãos judiciários, delegacias de polícia e presídios. Suspensão da expressão “controle” assegurado à 0AB.

Art. 7º , inciso II – inviolabilidade do escritório ou local de trabalho do advogado. Suspensáo da expressão “e acompanhada de representante da OAB” no que diz respeito à busca e apreensão determinada por magistrado.

Art. 7º , inciso IV – suspensão da expressão “ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para a lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade”.

Art. 7º , inciso V – suspensão da expressão “assim reconhecida pela OAB”, no que diz respeito às instalações e comodidades condignas da sala de Estado Maior, em que deve ser recolhido preso o advogado, antes de sentença transitada em julgado.

Art. 20, inciso II – incompatibilidade da advocacia com membros de órgãos do Poder Judiciário. Interpretação de conformidade a afastar da sua abrangência os membros da Justiça Eleitoral e os juizes suplentes não remunerados.

Art. 50 – requisição de cópias de peças e documentos pelo Presidente do Conselho da OAB e das Subseções. Suspensão da expressão “Tribunal, Magistrado, Cartório e”.

Art. 1º § 2º – contratos constitutivos de pessoas jurídicas. Obrigatoriedadé.de serem visados por advogado. Falta de pertinência temática. Arguição, nessa parte, não conhecida.

Art. 2, § 3º – inviolabilidade do advogado por seus atos e manifestação, no exercício da profissão. Liminar indeferida.

Art. 7º , inciso IX .- sustentação oral, pelo advogado da parte, após o voto do relator. Pedido prejudicado tendo em vista a sua supensão na ADIn. 1.105.

Razoabilidade na concessão da liminar.”

Como se sabe notoriamente que o Estado de Mato Grosso não prevê tal alojamento e, considerando a decisão plenária do Supremo Tribunal Federal pela constitucionalidade do dispositivo mencionado, outra saída não resta a não ser a prisão domiciliar a fim de esperar o desate processual vindouro, não mais imiscuindo o acusado com outros de maior periculosidade, afrontando assim tanto a legislação como o entendimento da Excelsa Corte.

Posteriormente a decisão do Egrégio Supremo Tribunal Federal na ADI 1127-8 DF, esta mesma Corte apreciou habeas corpus em situação análoga ao do acusado, concedeu a ordem ao impetrante para colocar o paciente em prisão domiciliar.


HABEAS CORPUS 88.702-3 SÃO PAULO

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

PACIENTE(S): EZIO RAHAL MELILLO

IMPETRANTE(S): ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECCIONAL DE SÃO PAULO E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S): OTÁVIO AUGUSTO ROSSI VIEIRA E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES : RELATOR DO HC Nº 47.665 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTA: ADVOGADO. PRISÃO ESPECIAL (“SALA DE ESTADO-MAIOR”). INEXISTÊNCIA, NO LOCAL DO RECOLHIMENTO PRISIONAL, DE DEPENDÊNCIA QUE SE QUALIFIQUE COMO “SALA DE ESTADO- -MAIOR”. PRISÃO DOMICILIAR. PRERROGATIVA DE ORDEM PROFISSIONAL ASSEGURADA PELA LEI Nº 8.906/94 (ART. 7º, INCISO V, “IN FINE”). SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 10.258/2001. INAPLICABILIDADE DESSE NOVO DIPLOMA LEGISLATIVO AOS ADVOGADOS. EXISTÊNCIA, NO CASO, DE ANTINOMIA SOLÚVEL. SUPERAÇÃO DA SITUAÇÃO DE CONFLITO MEDIANTE UTILIZAÇÃO DO CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE. PREVALÊNCIA DO ESTATUTO DA ADVOCACIA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

 

DECISÃO: Ao pronunciar-me nesta sede processual, assinalei, em decisão por mim proferida (fls. 79/81), que, caso não existissem, no âmbito da 8ª Subseção Judiciária da Justiça Federal de São Paulo (Bauru/SP), dependências que se qualificassem como “sala de Estado- -Maior” (Lei nº 8.906/94, art. 7º, V), asseguraria, ao ora paciente, que é Advogado sujeito a condenação penal ainda não transitada em julgado, a prerrogativa de ordem profissional – instituída pelo Estatuto da Advocacia – consistente em recolhimento a prisão domiciliar (art. 7º, V, “in fine”).

 

O ilustre magistrado federal de primeira instância, após diligências adotadas no âmbito de sua jurisdição, esclarece que se revela impossível a execução material da medida cautelar requerida pelos ora impetrantes (fls. 104), eis que constatada a “inexistência de instalações qualificadas como ‘sala de Estado-Maior’, sediadas nesta 8ª Subseção Judiciária” (fls. 104).

A referida situação de fato impõe que se garanta, ao ora paciente, a prerrogativa que lhe confere o ordenamento positivo nacional, que prevê, em favor do Advogado – e na ausência de “sala de Estado-Maior” -, o direito à prisão domiciliar, até que sobrevenha o trânsito em julgado de sentença condenatória (Lei nº 8.906/94, art. 7º, V, “in fine”).

Salientei, então, em minha decisão, que essa prerrogativa legal – inclusive no que concerne ao recolhimento em prisão domiciliar – tem sido garantida pelo Supremo Tribunal Federal, quer antes do advento da Lei nº 10.258/2001 (RTJ 169/271-274, Rel. Min. CELSO DE MELLO), quer após a edição desse mesmo diploma legislativo (RTJ 184/640, Rel. p/ o acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA). Cabe registrar, neste ponto, por extremamente relevante, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em recentíssimo julgamento (17/05/2006), ao apreciar o mérito da ADI 1.127/DF, Rel. p/ o acórdão Min. RICARDO LEWANDOWSKI, entendeu subsistente a norma consubstanciada no inciso V do art. 7º da Lei nº 8.906/94 (ressalvada, unicamente, por inconstitucional, a expressão “assim reconhecidas pela OAB” inscrita em tal preceito normativo), enfatizando, então, em referido julgamento plenário, após rejeitar questão prejudicial nele suscitada, que é inaplicável, aos Advogados, em tema de prisão especial, a Lei nº 10.258/2001.

Esta Suprema Corte, ao proceder ao exame comparativo entre a Lei nº 10.258/2001 e a Lei nº 8.906/94 (art. 7º, V), reconheceu, nesse cotejo, a existência de uma típica situação configuradora de antinomia em sentido próprio, eminentemente solúvel, porque superável mediante utilização, na espécie, do critério da especialidade (“lex specialis derogat generali”), cuja incidência, no caso, tem a virtude de viabilizar a preservação da essencial coerência, integridade e unidade sistêmica do ordenamento positivo (RTJ 172/226-227, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Ao assim decidir, o Supremo Tribunal Federal teve presente, dentre outras lições expendidas por eminentes autores (HUGO DE BRITO MACHADO, “Introdução ao Estudo do Direito”, p. 164/166 e 168, itens ns. 1.2, 1.3 e 1.6, 2ª ed., 2004, Atlas; MARIA HELENA DINIZ, “Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada”, p. 67/69, item n. 4, e p. 72/75, item n. 7, 1994, Saraiva; ROBERTO CARLOS BATISTA, “Antinomias Jurídicas e Critérios de Resolução”, “in” Revista de Doutrina e Jurisprudência-TJDF/T, vol. 58/25-38, 32-34, 1998; RAFAEL MARINANGELO, “Critérios para Solução de Antinomias do Ordenamento Jurídico”, “in” Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, vol. 15/216-240, 232-233, 2005, RT, v.g), o magistério – sempre lúcido e autorizado – de NORBERTO BOBBIO (“Teoria do Ordenamento Jurídico”, p. 91/92 e 95/97, item n. 5, trad. Cláudio de Cicco/Maria Celeste C. J. Santos, 1989, Polis/Editora UnB), para quem, na perspectiva do contexto em exame, e ocorrendo situação de conflito entre normas (aparentemente) incompatíveis, deve prevalecer, por efeito do critério da especialidade, o diploma estatal (o Estatuto da Advocacia, no caso) “que subtrai, de uma norma, uma parte de sua matéria, para submetê-la a uma regulamentação diferente (contrária ou contraditória)…” (grifei).

 

Cumpre observar, de outro lado, neste ponto, que, mesmo que se tenha por configurada, na espécie, hipótese mais complexa (motivada pela existência de antinomia entre os critérios cronológico e de especialidade), reveladora, por tal razão, de uma clássica antinomia de segundo grau – decorrente, no caso, da incompatibilidade entre norma anterior especial (Lei nº 8.906/94, art. 7º, V) e norma posterior geral (Lei nº 10.258/2001) -, ainda assim prevalecerá, por efeito da hierarquização do critério da especialidade (JUAREZ FREITAS, “A Interpretação Sistemática do Direito”, p. 94/98, item n. 3.4, e p. 106/107, item n. 4.2, 3ª ed., 2002, Malheiros), a norma fundada no Estatuto da Advocacia (“lex posterior generalis non derogat priori speciali”).

 

Sendo assim, pelas razões expostas, e considerando que concorre, na espécie, o pressuposto concernente ao “periculum in mora” – documentalmente comprovado nesta impetração (fls. 62/64 e 65/75) -, defiro, até final julgamento da presente ação de “habeas corpus”, o provimento cautelar requerido pelos ora impetrantes, em ordem a determinar a imediata transferência, para prisão domiciliar (Lei nº 8.906/94, art. 7º, V, “in fine”), do ora paciente, que deverá ser recolhido à sua própria casa residencial, localizada em São Manuel/SP (fls. 59), ficando sujeito às normas de vigilância e de conduta que lhe impuser o Senhor Juiz Federal da 2ª Vara Federal de Bauru/SP (Processo nº 2000.61.08.008761/0), que fica igualmente autorizado a fazer cessar referido recolhimento domiciliar, se e quando se registrar eventual abuso por parte do paciente em referência.

Esta Suprema Corte deverá ser informada tão logo o paciente seja recolhido em prisão domiciliar.

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao Senhor Juiz Federal da 2ª Vara Federal de Bauru/SP (fls. 83), bem assim à eminente Senhora Presidente do E. TRF/3ª Região (fls. 88)

2. Aguarde-se resposta ao ofício de fls. 88.

Publique-se.

Brasília, 24 de maio de 2006.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

Também recentemente, em 17 de maio último, o plenário do Pretório Excelso já se manifestou sobre a consonância constitucional do dispositivo reclamado. No dia 09 de agosto próximo passado, o Min. Sepúlveda Pertence, atendeu à reclamação 4535, ajuizada por causídico capixaba, não havendo no Estado do Espírito Santo acomodações condizentes com as prerrogativas insertas na legislação de regência, primando pela eficácia do julgamento da Ação Direta já declinada naquele Sodalício Maior.

Por fim, resta demonstrar o equívoco do Juízo de piso ao aduzir que estando o paciente em prisão especial, nos termos da portaria 48/2005 da SEJUSP/MT, está sendo respeitada a prerrogativa do paciente na condição de advogada, não havendo que se falar em prisão domiciliar.

Da decisão prolata essa conclusão ressai nos seguintes termos: “A prisão especial que o requerente diz ter direito está sendo respeitada. O local onde se encontra recolhido é próprio e adequada para abrigar presos com tal prerrogativa. Não há motivo assim, para autorização da prisão domiciliar, que só é possível, em caso de preso provisório, na falta de local apropriado para o cumprimento em prisão especial, o que não é o caso dos autos, o que determina o indeferimento do pedido”.


Para cumprir a tarefa utilizaremos a jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal e o magnífico voto do Excelentíssimo Ministro Celso de Mello no Hábeas Corpus 88.702-3 de São Paulo.

HABEAS CORPUS 88.702-3 SÃO PAULO

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

PACIENTE(S): EZIO RAHAL MELILLO

IMPETRANTE(S): ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECCIONAL DE SÃO PAULO E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S): OTÁVIO AUGUSTO ROSSI VIEIRA E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES):RELATOR DO HC Nº 47.665 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

INTERESSADO(A/S): FRANCISCO ALBERTO DE MOURA SILVA

ADVOGADO(A/S): MARCO AURÉLIO VICENTE VIEIRA E OUTRO(A/S)

EMENTA: ADVOGADO – CONDENAÇÃO PENAL MERAMENTE RECORRÍVEL – PRISÃO CAUTELAR – RECOLHIMENTO A “SALA DE ESTADO-MAIOR” ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA – PRERROGATIVA PROFISSIONAL ASSEGURADA PELA LEI Nº 8.906/94 (ESTATUTO DA ADVOCACIA, ART. 7º, V) – INEXISTÊNCIA, NO LOCAL DO RECOLHIMENTO PRISIONAL, DE DEPENDÊNCIA QUE SE QUALIFIQUE COMO “SALA DE ESTADO-MAIOR” – HIPÓTESE EM QUE SE ASSEGURA, AO ADVOGADO, O RECOLHIMENTO “EM PRISÃO DOMICILIAR” (ESTATUTO DA ADVOCACIA, ART. 7º, V, “IN FINE”) – SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 10.258/2001 – INAPLICABILIDADE DESSE NOVO DIPLOMA LEGISLATIVO AOS ADVOGADOS – EXISTÊNCIA, NO CASO, DE ANTINOMIA SOLÚVEL – SUPERAÇÃO DA SITUAÇÃO DE CONFLITO MEDIANTE UTILIZAÇÃO DO CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE – PREVALÊNCIA DO ESTATUTO DA ADVOCACIA – CONFIRMAÇÃO DAS MEDIDAS LIMINARES ANTERIORMENTE DEFERIDAS – PEDIDO DE “HABEAS CORPUS” DEFERIDO.

 

– O Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), em norma não derrogada pela Lei nº 10.258/2001 (que alterou o art. 295 do CPP), garante, ao Advogado, enquanto não transitar em julgado a sentença penal que o condenou, o direito de “não ser recolhido preso (…), senão em sala de Estado-Maior (…) e, na sua falta, em prisão domiciliar” (art. 7º, inciso V).

 

– Trata-se de prerrogativa de índole profissional – qualificável como direito público subjetivo do Advogado regularmente inscrito na OAB – que não pode ser desrespeitada pelo Poder Público e por seus agentes, muito embora cesse com o trânsito em julgado da condenação penal. Doutrina. Jurisprudência.

Essa prerrogativa profissional, contudo, não poderá ser invocada pelo Advogado, se cancelada a sua inscrição (Lei nº 8.906/94, art. 11) ou, então, se suspenso, preventivamente, o exercício de sua atividade profissional, por órgão disciplinar competente (Lei nº 8.906/94, art. 70, § 3º).

– A inexistência, na comarca ou nas Seções e Subseções Judiciárias, de estabelecimento adequado ao recolhimento prisional do Advogado confere-lhe, antes de consumado o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o direito de beneficiar-se do regime de prisão domiciliar (RTJ 169/271-274 – RTJ 184/640), não lhe sendo aplicável, considerado o princípio da especialidade, a Lei nº 10.258/2001.

– Existe, entre o art. 7º, inciso V, do Estatuto da Advocacia (norma anterior especial) e a Lei nº 10.258/2001 (norma posterior geral), que alterou o art. 295 do CPP, situação reveladora de típica antinomia de segundo grau, eminentemente solúvel, porque superável pela aplicação do critério da especialidade (“lex posterior generalis non derogat priori speciali”), cuja incidência, no caso, tem a virtude de preservar a essencial coerência, integridade e unidade sistêmica do ordenamento positivo (RTJ 172/226-227), permitindo, assim, que coexistam, de modo harmonioso, normas em relação de (aparente) conflito. Doutrina. Conseqüente subsistência, na espécie, não obstante o advento da Lei nº 10.258/2001, da norma inscrita no inciso V do art. 7º do Estatuto da Advocacia, ressalvada, unicamente, por inconstitucional (ADI 1.127/DF), a expressão “assim reconhecidas pela OAB” constante de referido preceito normativo.

– Concessão, no entanto, de ofício, e em maior extensão, da ordem de “habeas corpus”, para assegurar, aos pacientes, o direito de aguardar, em liberdade, o julgamento definitivo da causa penal, eis que precariamente motivada a decisão que lhes decretou a prisão cautelar.

 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, por entender que não se aplica, aos Advogados, a Lei nº 10.258/2001 (que alterou o art. 295 do CPP), eis que subsistente, quanto a esses profissionais, a prerrogativa fundada na norma inscrita no inciso V do art. 7º do Estatuto da Advocacia, em deferir o pedido de “habeas corpus”, tornando definitivas as medidas cautelares anteriormente deferidas, em ordem a garantir, aos ora pacientes (Ézio Rahal Melillo e Francisco Alberto de Moura Silva), em face da comprovada ausência, no local, de “sala de Estado-Maior”, o direito ao recolhimento (e permanência) em prisão domiciliar (Lei nº 8.906/94, art. 7, V, “in fine”), até o trânsito em julgado da sentença condenatória contra eles proferida nos autos do Processo-crime nº 2000.61.08.008761-0 (2ª Vara da Justiça Federal de Bauru/SP), tudo nos termos do voto do Relator. Prosseguindo no julgamento, e examinando proposta formulada pelo eminente Ministro Cezar Peluso, a Turma, por unanimidade de votos, acolheu-a e concedeu, de ofício, ordem de “habeas corpus” em favor dos ora pacientes, para o fim de lhes garantir, em maior extensão, o direito de aguardar em liberdade a conclusão do referido

Processo-crime nº 2000.61.08.008761-0 (2ª Vara da Justiça Federal de Bauru/SP), até o trânsito em julgado da condenação penal nele proferida, expedindo-se, em conseqüência, alvará de soltura em favor de Ézio Rahal Melillo e Francisco Alberto de Moura Silva, se por al não estiverem presos. Falou, pelo paciente Ézio Rahal Melillo, o Dr. Otávio Augusto Rossi Vieira, pelo paciente Francisco Alberto de Moura Silva, o Dr. Marco Aurélio Vicente Vieira e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Francisco Adalberto Nóbrega. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Gilmar Mendes.

 

Brasília, 19 de setembro de 2006.

 

O voto do relator, consigna de forma clara a aplicação ao advogado da prerrogativa descrita no Estatuto da Advocacia, não lhe sendo aplicável o disposto na lei nº 10.258/2001, cabendo, em caso de inexistência de Sala de Estado Maior no local da prisão, a concessão da prisão domiciliar.

“RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator): O E. Conselho Seccional da OAB/SP, atuando por intermédio do ilustre Advogado Dr. Otávio Augusto Rossi Vieira (fls. 17), impetrou a presente ordem de “habeas corpus” em favor de Ézio Rahal Melillo (fls. 02/16), vindo, posteriormente, mediante atuação do ilustre Advogado Dr. Marco Aurélio Vicente Vieira (fls. 155), a deduzir pedido de extensão em benefício de Francisco Alberto de Moura Silva (fls. 144/154), insurgindo-se contra decisão emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, proferida no julgamento do HC 47.665/SP, Rel. Min. PAULO MEDINA, que negou, aos ora pacientes – que são Advogados regularmente inscritos na OAB/SP -, a prerrogativa profissional que lhes é assegurada pelo inciso V do art. 7º do Estatuto da Advocacia, instituído pela Lei nº 8.906/94.

Os ora pacientes, em decorrência de decisão ainda não transitada em julgado, foram condenados, pela Justiça Federal de primeira instância, à pena de 3 anos e 4 meses de reclusão, em regime fechado, e multa, por suposta prática do delito tipificado no art. 171, § 3º, do CP (fls. 161/191).

A decisão contra a qual se insurge o E. Conselho Seccional da OAB/SP, que importou em denegação da ordem de “habeas corpus” impetrada perante o E. Superior Tribunal de Justiça, está assim ementada (fls. 18):

“PENAL E PROCESSUAL. ‘HABEAS CORPUS’. ESTELIONATO. ADVOGADO. PRISÃO ESPECIAL. SALA DE ESTADO-MAIOR. AUSÊNCIA. EXISTÊNCIA DE CELA ESPECIAL. PRISÃO DOMICILIAR DESCABIDA. ORDEM DENEGADA.

O dispositivo do artigo 295 do Código de Processo Penal, com as modificações introduzidas pela Lei nº 10.258/01, aplica-se a todas as modalidades de prisão especial e alcança aquela prevista pelo artigo 7º, inciso V, da Lei nº 8.906/94.

O direito subjetivo do Advogado e, bem assim, o de qualquer outro preso especial, traduz-se na garantia de recolhimento em local diverso da prisão comum (art. 295, § 1º do CPP).


Inexistindo estabelecimento específico, poderá o preso ser recolhido à cela distinta da prisão comum (art. 295, § 2º do CPP), observadas as condições mínimas de salubridade e dignidade da pessoa humana, não havendo falar-se em necessidade de prisão domiciliar.

Na espécie, encontra-se o paciente recolhido em cela distinta, em conjunto com outros três presos especiais, preservadas as condições adequadas ao seu isolamento em face dos demais presidiários.

Constrangimento ilegal que não se manifesta.

Ordem DENEGADA.”

(HC 47.665/SP, Rel. Min. PAULO MEDINA – grifei)

Assinalo que deferi a medida liminar em favor de Ézio Rahal Melillo (fls. 117/120 e 222/223), estendendo-a, depois, em atendimento ao pleito formulado a fls. 144/154, a Francisco Alberto de Moura Silva, que também é Advogado regularmente inscrito na OAB/SP, ora representado pelo Advogado Marco Aurélio Vicente Vieira (fls. 247/248).

A decisão por mim proferida, que concedeu o provimento cautelar em referência, está assim ementada (fls. 117):

“ADVOGADO. PRISÃO ESPECIAL (‘SALA DE ESTADO-MAIOR’). INEXISTÊNCIA, NO LOCAL DO RECOLHIMENTO PRISIONAL, DE DEPENDÊNCIA QUE SE QUALIFIQUE COMO ‘SALA DE ESTADO- -MAIOR’. PRISÃO DOMICILIAR. PRERROGATIVA DE ORDEM PROFISSIONAL ASSEGURADA PELA LEI Nº 8.906/94 (ART. 7º, INCISO V, ‘IN FINE’). SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 10.258/2001. INAPLICABILIDADE DESSE NOVO DIPLOMA LEGISLATIVO AOS ADVOGADOS. EXISTÊNCIA, NO CASO, DE ANTINOMIA SOLÚVEL. SUPERAÇÃO DA SITUAÇÃO DE CONFLITO MEDIANTE UTILIZAÇÃO DO CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE. PREVALÊNCIA DO ESTATUTO DA ADVOCACIA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.”

Registro, por necessário, que, ao deferir a medida liminar ao ora paciente e ao interessado em questão, determinei fossem eles transferidos para prisão domiciliar, eis que, em informações prestadas pelo Senhor Juiz Federal da 2ª Vara Federal de Bauru/SP, constatou-se que não havia, no âmbito da 8ª Subseção Judiciária do Estado de São Paulo, local adequado que atendesse a exigência prevista no art. 7º, inciso V, da Lei nº 8.906/94 (fls. 90).

 

O Ministério Público Federal, por sua vez, em pronunciamento da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. CLÁUDIO LEMOS FONTELES, ao opinar pela concessão do pedido de “habeas corpus” (fls. 311/317), formulou parecer, que está assim ementado (fls. 311):

 

“1. Advogados: cumprimento de prisão provisória: local definido no Estatuto específico: considerações.

2. Deferimento do pedido.” (grifei)

Cumpre acentuar, finalmente, por relevante, que, em consulta feita à página oficial que o E. Tribunal Regional Federal/3ª Região mantém na “Internet”, constatei que o recurso de apelação interposto pelo ora paciente e pelo ora interessado foi julgado, em 01/08/2006, pela colenda Segunda Turma daquela E. Corte judiciária, não havendo sido publicado, ainda, o respectivo acórdão, a significar, portanto, que não se operou, até o presente momento, o trânsito em julgado da sentença penal condenatória proferida contra os réus em questão.

Em conseqüência desse julgamento, manteve-se a condenação penal dos ora pacientes, com uma só modificação: deu-se parcial provimento à apelação por eles interposta, “unicamente para reduzir o valor do dia-multa para um salário-mínimo, mantendo-se os demais termos da condenação (…)”.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator): Trata-se de impetração, que, deduzida pelo E. Conselho Seccional da OAB/SP, busca restabelecer, em favor de 02 (dois) Advogados – que se acham presos, mas ainda não definitivamente condenados – a prerrogativa assegurada pelo art. 7º, inciso V, do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), que assim dispõe:

“Art. 7º São direitos do advogado:

……………………………………………

V – não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado-Maior, com instalações e comodidades condignas (…), e, na sua falta, em prisão domiciliar.” (grifei)

A natureza da matéria impõe algumas breves observações que faço, desde logo, em caráter introdutório.

Não se pode perder de perspectiva, quando examinada a questão pertinente às prerrogativas profissionais dos Advogados, um aspecto que assume relevo indiscutível. Há que reconhecer, na abordagem desse tema, a íntima conexão que existe entre as prerrogativas profissionais dos Advogados, de um lado, e a declaração constitucional de direitos e garantias dos cidadãos, de outro.

É que as prerrogativas profissionais dos Advogados não existem em função de si mesmas. Elas traduzem, na realidade, emanações da própria Constituição da República, pois, ainda que definidas no Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), foram concebidas com o só propósito de viabilizar a defesa da integridade das liberdades públicas dos cidadãos, tais como proclamadas em nosso ordenamento constitucional.

As prerrogativas profissionais de que se acham investidos os Advogados, portanto, mais do que poderes jurídicos que lhes são inerentes, traduzem, em sua precípua destinação, meios essenciais vocacionados a ensejar a proteção e a tutela dos direitos e garantias que o sistema de direito constitucional reconhece às pessoas em geral.

As prerrogativas profissionais, por isso mesmo, não devem ser confundidas com meros privilégios de índole estamental ou de natureza corporativa, pois destinam-se, enquanto instrumentos vocacionados a preservar a atuação independente do Advogado, a conferir efetividade às franquias constitucionais invocadas em defesa daqueles cujos interesses lhe são confiados.

O Supremo Tribunal Federal, presentes tais considerações, compreendendo a alta missão institucional que qualifica a atuação dos Advogados e tendo consciência de que as prerrogativas desses profissionais existem para permitir-lhes a tutela efetiva dos interesses e direitos de seus constituintes e, também, para que possam defender a Constituição e a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, construiu importante jurisprudência, que, ao destacar a vocação protetiva inerente à ação desses imprescindíveis operadores do Direito, tem a eles dispensado o amparo jurisdicional necessário ao desempenho integral das atribuições de que se acham investidos.

 

Essa percepção – é preciso enfatizar – já havia sido revelada pelo eminente LEVI CARNEIRO, que foi o primeiro Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (1933), em passagem na qual bem sintetizou o alto significado da atuação do Advogado:

 

“Tenho sempre afirmado que nosso dever de advogados, de juristas, de homens voltados ao culto da ordem jurídica – é, menos a defesa de interesses eventuais de certo número de indivíduos envolvidos em pleitos jurídicos que os da própria coletividade nacional.”

Os elementos de informação constantes da presente ação de “habeas corpus” revelam que os pacientes, que são Advogados regularmente inscritos nos quadros da OAB, sofreram condenação penal ainda não transitada em julgado, havendo sido recolhidos a estabelecimento prisional – a Cadeia Pública de Avaí/SP (comarca de Bauru) – que não satisfaz a exigência fixada no preceito legal mencionado (fls. 62/64 e 65/75).

Impõe-se observar, por isso mesmo, que tais pacientes, por serem Advogados, têm o insuprimível direito, uma vez efetivada a sua prisão, de serem recolhidos a “sala de Estado-Maior”, enquanto não transitada em julgado a decisão penal condenatória (Lei nº 8.906/94, art. 7º, V).

Na verdade, trata-se de prerrogativa de ordem profissional, que não pode deixar de ser respeitada pelos órgãos e agentes do Estado, embora cesse com o trânsito em julgado da condenação penal (situação inocorrente na espécie), consoante proclama a doutrina (JÚLIO FABBRINI MIRABETE, “Processo Penal”, p. 353, 1991, Atlas; DAMÁSIO E. DE JESUS, “Código de Processo Penal Anotado”, p. 187, 10ª ed., 1993, Saraiva; MAGALHÃES NORONHA, “Curso de Direito Processual Penal”, p. 161, item n. 91, 19ª ed., 1989, Saraiva) e adverte a jurisprudência dos Tribunais (RT 579/294), inclusive a deste Supremo Tribunal Federal (RHC 51.295/GO, Rel. Min. OSWALDO TRIGUEIRO).


O recolhimento do Advogado a sala de Estado-Maior, na realidade, constitui direito público subjetivo outorgado a esse profissional do Direito pelo ordenamento positivo nacional, desde o primeiro Regulamento da OAB, aprovado pelo Decreto nº 20.784, de 14/12/1931, não cabendo opor-lhe quaisquer embaraços, enquanto a decisão penal condenatória – insista-se – não se qualificar como irrecorrível.

Tendo presente esse contexto normativo, revela-se lapidar o pronunciamento jurisdicional consubstanciado em acórdão do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que fixou precisa orientação a respeito desse tema:

“A prisão especial assegurada ao advogado é prerrogativa de toda uma classe, é um direito legal inafastável, sob qualquer pretexto, devendo o Poder Judiciário fazê-lo valer a qualquer custo, no interesse maior da própria ordem jurídica. Não é um favor que necessite de beneplácito de quem quer que seja.”

(Revista dos Tribunais, vol. 509/334-335, Rel. Des. CAVALCANTI SILVA – grifei)

Cumpre ressaltar, neste ponto, que os fundamentos em que se apóia esta impetração têm o beneplácito tanto do magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (RTJ 169/271-274 – RTJ 184/640, v.g.) quanto dos Tribunais em geral (RSTJ 24/133-142 – RT 383/385, dentre outros).

Impende registrar, ainda, por extremamente relevante, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em recentíssimo julgamento (17/05/2006), ao apreciar o mérito da ADI 1.127/DF, Rel. p/ o acórdão Min. RICARDO LEWANDOWSKI, rejeitou questão prejudicial nela suscitada pertinente à subsistência, ou não, do inciso V do art. 7º do Estatuto da Advocacia em face da superveniência da Lei nº 10.258/2001. Ao assim proceder, esta Corte, em referido julgamento plenário, entendeu subsistente a norma consubstanciada no inciso V do art. 7º da Lei n° 8.906/94 (ressalvada, unicamente, por inconstitucional, a expressão “assim reconhecidas pela OAB” inscrita em tal preceito normativo), enfatizando, então, ser inaplicável, aos Advogados, em tema de prisão cautelar, a Lei n° 10.258/2001.

Na realidade, esta Suprema Corte, ao fazer o exame comparativo entre a Lei nº 10.258/2001 e a Lei nº 8.906/94 (art. 7º, V), reconheceu, nesse cotejo, a existência de uma típica situação configuradora de antinomia em sentido próprio, eminentemente solúvel, porque superável mediante utilização, no caso, do critério da especialidade, cuja incidência, na espécie, tem a virtude de viabilizar a preservação da essencial coerência, integridade e unidade sistêmica do ordenamento positivo (RTJ 172/226-227, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

 

Ao assim decidir, o Supremo Tribunal Federal teve presente – dentre outras lições expendidas por eminentes autores (HUGO DE BRITO MACHADO, “Introdução ao Estudo do Direito”, p. 164/166 e 168, itens ns. 1.2, 1.3 e 1.6, 2ª ed., 2004, Atlas; MARIA HELENA DINIZ, “Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada”, p. 67/69, item n. 4, e p. 72/75, item n. 7, 1994, Saraiva; ROBERTO CARLOS BATISTA, “Antinomias Jurídicas e Critérios de Resolução”, “in” Revista de Doutrina e Jurisprudência-TJDF/T, vol. 58/25-38, 32-34, 1998; RAFAEL MARINANGELO, “Critérios para Solução de Antinomias do Ordenamento Jurídico”, “in” Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, vol. 15/216-240, 232/233, 2005, RT, v.g) – o magistério, sempre lúcido e autorizado, de NORBERTO BOBBIO (“Teoria do Ordenamento Jurídico”, p. 91/92 e 95/97, item n. 5, trad. Cláudio de Cicco/Maria Celeste C. J. Santos, 1989, Polis/Editora UnB), para quem, na perspectiva do contexto em exame, e ocorrendo situação de conflito entre normas (aparentemente) incompatíveis, deve prevalecer, por efeito do critério da especialidade, o diploma estatal (o Estatuto da Advocacia, no caso) “que subtrai, de uma norma, uma parte de sua matéria, para submetê-la a uma regulamentação diferente (contrária ou contraditória)…” (grifei).

 

Cabe observar, de outro lado, neste ponto, que, mesmo que se tenha por configurada, na espécie, hipótese mais complexa (motivada pela existência de antinomia entre os critérios cronológico e de especialidade), reveladora, por tal razão, de uma clássica antinomia de segundo grau – decorrente, no caso, da incompatibilidade entre norma anterior especial (Lei nº 8.906/94, art. 7º, V) e norma posterior geral (Lei nº 10.258/2001) -, ainda assim prevalecerá, por efeito da hierarquização do critério da especialidade (JUAREZ FREITAS, “A Interpretação Sistemática do Direito”, p. 94/98, item n. 3.4, e p. 106/107, item n. 4.2, 3ª ed., 2002, Malheiros), a norma fundada no Estatuto da Advocacia (“lex posterior generalis non derogat priori speciali”).

Vale referir, neste ponto, ante a extrema pertinência de suas observações, o douto magistério de FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO (“Em que Consiste a Prisão Especial?”, “in” “Escritos de Direito e Processo Penal em Homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo”, organização de Alexandre Wunderlich, p. 119/123, Lumen Juris, 2002):

“Insta esclarecer que o bacharel em Direito faz jus à prisão especial, nos termos do inc. VII do art. 295, por ser diplomado por escola superior. Mas, se inscrito na OAB, nos termos do art. 7º, V, da Lei nº 8.906, de 4/7/1994 (Estatuto da Advocacia), não pode ser recolhido preso antes de sentença transitada em julgado, senão em sala do Estado-Maior, com instalações e comodidades condignas, e, na sua falta, em prisão domiciliar. Trata-se de lei especial, e, a nosso juízo, em face do princípio de especialidade, a nova lei não a revogou, não só porque ‘lex posterior generalis non derogat speciali’, como também porque ali não se fala em prisão especial, mas em sala do Estado-Maior ou prisão domiciliar.” (grifei)

Não foi por outra razão que a douta Procuradoria-Geral da República, ao pronunciar-se sobre essa especial prerrogativa conferida aos Advogados, assim apreciou a controvérsia (fls. 315/316):

“5. Considero que o ‘caput’, do artigo 295, do C.P.P. enfatiza o recolhimento, antes do trânsito em julgado de decisão condenatória, em dois locais distintos:

– quartéis; ou

– prisão especial.

6. Depois, e reportando-se exclusivamente à prisão especial, seguem-se cinco (5) disposições, todas constituídas em parágrafos.

7. O inciso V, do artigo 7º, do Estatuto do Advogado, dentre os dois locais, fixados ao cumprimento da prisão provisória, expressamente optou pelo primeiro. Textual o preceito, ‘verbis’:

‘são direitos do advogado, não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalação e comodidades condignas, assim reconhecias pela OAB, e na sua falta, prisão domiciliar.’ (grifei)

 

8. Portanto, o Parágrafo primeiro, do artigo 295, do C.P.P., não se aplica aos advogados, porque, insisto, cuida de prisão especial prevista às pessoas nas condições taxativamente previstas nos 11 (onze) incisos do ‘caput’, do artigo 295, ou em outras leis a contemplar pessoas outras não nominadas no cogitado rol.

 

9. Aos advogados, por seu Estatuto legal, que se faz em legislação específica, estabeleceu-se prisão provisória em ‘sala do Estado Maior’, em local militar, portanto quartéis, ou em prisão domiciliar, quando tal local faltar na sede da jurisdição, que os julgou.” (grifei)

Foi por tal motivo, considerada a inaplicabilidade, aos Advogados, do preceito inscrito no art. 295, § 2º, do CPP, na redação que lhe deu a Lei nº 10.258/2001, que assinalei (fls. 79/81) – caso não existissem, no âmbito da 8ª Subseção Judiciária da Justiça Federal de São Paulo (Bauru/SP), dependências que se qualificassem como “sala de Estado-Maior” (Lei nº 8.906/94, art. 7º, V) – que asseguraria, aos ora pacientes, que são Advogados sujeitos a condenação penal ainda não transitada em julgado, a prerrogativa de ordem profissional, instituída pelo Estatuto da Advocacia, consistente em recolhimento a prisão domiciliar (art. 7º, V, “in fine”).

O MM. Juiz Federal de primeira instância, após diligências adotadas no âmbito de sua jurisdição, informou a esta Corte que se revelava impossível a execução material da medida cautelar requerida em favor dos ora pacientes (fls. 104), eis que constatada a “inexistência de instalações qualificadas como ‘sala de Estado-Maior’, sediadas nesta 8ª Subseção Judiciária” (fls. 104).


Ante a impossibilidade de se garantir, aos ora pacientes, o recolhimento em “sala de Estado-maior”, determinei, então, em sede cautelar, a imediata transferência dos Advogados em questão a prisão domiciliar, aplicando, à espécie, o preceito inscrito no art. 7º, inciso V, “in fine”, da Lei nº 8.906/94 (fls. 117/120), assegurando-lhes o gozo dessa prerrogativa até o trânsito em julgado da decisão penal condenatória.

Como se sabe, a execução da prisão provisória em regime domiciliar reveste-se de caráter excepcional, regendo-se pelo princípio da subsidiariedade, na medida em que só terá pertinência quando, na localidade onde deva ser efetivada, não houver estabelecimento adequado ao recolhimento dos que a ela tenham direito.

Essa é a razão pela qual o magistério doutrinário afirma revestir-se de excepcionalidade o benefício da prisão domiciliar, cuja concessão pressupõe, necessariamente, como prescreve a lei, a inexistência de estabelecimento adequado à efetivação da prisão provisória (MAGALHÃES NORONHA, “Curso de Direito Processual Penal”, p. 161, item n. 91, 19ª ed., 1989, Saraiva; JÚLIO FABBRINI MIRABETE, “Processo Penal”, p. 353/354, 1991, Atlas).

Cumpre ter presente, neste ponto, que o próprio Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RHC 61.624/SP, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO, já havia acentuado que o deferimento da prisão domiciliar somente se justificaria, se e quando inexistisse – como sucede na espécie – local apropriado ao recolhimento daqueles que fazem jus à prisão especial ou, então, como no caso de Advogado, ao recolhimento em sala de Estado-Maior:

“Só é cabível a prisão domiciliar nas localidades em que não houver estabelecimentos adequados ao recolhimento dos que tenham direito a prisão especial, de acordo com o disposto na Lei 5.256/67.”

(RT 588/401-402, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO – grifei)

Esse pronunciamento nada mais reflete senão a orientação jurisprudencial prevalecente nesta Suprema Corte que já deixou assentado, a propósito do tema, que apenas a circunstância consistente na impossibilidade material de o Estado propiciar ao réu as condições inerentes à prisão especial (ou à custódia provisória em sala de Estado-Maior) é que autorizará, sempre em caráter extraordinário, o recolhimento prisional do acusado sob regime domiciliar (RTJ 43/380, Rel. Min. ELOY DA ROCHA).

 

Essa prerrogativa legal – concernente ao recolhimento em prisão domiciliar, na falta de dependência que se qualifique como “sala de Estado-maior” – tem sido garantida pelo Supremo Tribunal Federal, quer antes do advento da Lei nº 10.258/2001, quer após a edição desse mesmo diploma legislativo, valendo referir, por extremamente pertinentes, os seguintes julgamentos:

 

“(…) ADVOGADO – CONDENAÇÃO PENAL RECORRÍVEL – DIREITO À PRISÃO ESPECIAL – PRERROGATIVA DE ORDEM PROFISSIONAL (LEI N. 8.906/94).

– O Advogado tem o insuprimível direito, uma vez efetivada a sua prisão, e até o trânsito em julgado da decisão penal condenatória, de ser recolhido a sala de Estado-Maior, com instalações e comodidades condignas (Lei nº 8.906/94, art. 7., V). Trata-se de prerrogativa de ordem profissional que não pode deixar de ser respeitada, muito embora cesse com o trânsito em julgado da condenação penal. Doutrina e jurisprudência.

O recolhimento do Advogado a prisão especial constitui direito público subjetivo outorgado a esse profissional do Direito pelo ordenamento positivo brasileiro, não cabendo opor-lhe quaisquer embaraços, desde que a decisão penal condenatória ainda não se tenha qualificado pela nota da irrecorribilidade.

A inexistência, na comarca, de estabelecimento adequado ao recolhimento prisional do Advogado, antes de consumado o trânsito em julgado da condenação penal, confere-lhe o direito de beneficiar-se do regime de prisão domiciliar.”

(RTJ 169/271-274, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma)

“HABEAS-CORPUS. ADVOGADO. PRISÃO PROVISÓRIA. SALA DE ESTADO-MAIOR. PRERROGATIVA DE CLASSE. RECOLHIMENTO EM DISTRITO POLICIAL. CELA QUE NÃO ATENDE A REQUISITOS LEGAIS. SITUAÇÃO DEMONSTRADA POR DOCUMENTOS E RECONHECIDA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM OUTRO PROCESSO. DILAÇÃO PROBATÓRIA. DESNECESSIDADE. PRISÃO DOMICILIAR DEFERIDA.

……………………………………………

2. Bacharel em direito, regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil. Lei 8906/94, artigo 7º, inciso V. Recolhimento em sala de Estado-Maior, até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Direito público subjetivo, decorrente de prerrogativa profissional, que não admite negativa do Estado, sob pena de deferimento de prisão domiciliar.

3. Incompatibilidade do estabelecimento prisional em que recolhido o paciente, demonstrada documentalmente pela Ordem dos Advogados do Brasil-SP (…).

Ordem deferida para assegurar ao paciente seu recolhimento em prisão domiciliar.”

(RTJ 184/640, Rel. p/ o acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma – grifei)

Impende assinalar, ainda, que, recentemente, esta colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC 85.431/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, deferiu o pedido e manteve, em favor do paciente (magistrado federal), a medida cautelar anteriormente deferida em seu benefício, tornando-a definitiva, em ordem a assegurar-lhe, nos termos e para os fins do art. 33, III, da LOMAN, “até que sobrevenha condenação definitiva”, a imediata transferência para o Quartel do Regimento de Cavalaria Montada “Nove de Julho” da Polícia Militar do Estado de São Paulo, na cidade de São Paulo/SP.

No caso em referência, somente não se deferiu, àquele magistrado federal, o regime de prisão domiciliar, porque existente, no foro em que se achava, local qualificável como “sala de Estado- -Maior”.

Assinalo, neste ponto, que essa prerrogativa de ordem profissional, prevista no Estatuto da Advocacia (art. 7º, V), também se acha contemplada na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (“Art. 33 – São prerrogativas do magistrado: (…) III – ser recolhido a prisão especial, ou a sala especial de Estado-Maior, por ordem e à disposição do Tribunal ou do órgão especial competente, quando sujeito a prisão antes do julgamento final”), na Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar nº 75/93, “Art. 18 – São prerrogativas dos membros do Ministério Público da União: (…) II – processuais: (…) e) ser recolhido à prisão especial ou à sala especial de Estado-Maior, com direito a privacidade e à disposição do tribunal competente para o julgamento, quando sujeito a prisão antes da decisão final; e a dependência separada no estabelecimento em que tiver de ser cumprida a pena”) e na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público dos Estados-membros (Lei nº 8.625/93, “Art. 40 – Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, além de outras previstas na Lei Orgânica: (…) V – ser custodiado ou recolhido à prisão domiciliar ou à sala especial de Estado-Maior, por ordem e à disposição do Tribunal competente, quando sujeito a prisão antes do julgamento final”).

 

Torna-se relevante observar que a expressão “sala de Estado-Maior” constante dos diplomas legislativos mencionados tem por finalidade um só objetivo, tal como enfatizado pelo E. Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do HC 2.200/SP, Rel. Min. JOSÉ DANTAS (RSTJ 65/95), ocasião em que essa Alta Corte judiciária, ao pronunciar-se sobre o alcance de tal cláusula normativa, advertiu que outro não era o fim visado pelo legislador “senão o de assegurar custódia condigna, em acomodações castrenses distintas das instalações destinadas aos presos temporários comuns, nas cadeias públicas”.

 

De extrema pertinência, no ponto, considerado o próprio contexto ora em exame, a análise efetuada por ROBERTO DELMANTO JÚNIOR (“Prisão Especial, Sala de Estado-Maior e Prisão Domiciliar em face da Lei 10.258/2001”, “in” RT 793/463-474), quando assinala que não se confunde a prisão especial, a que se refere a Lei 10.258/2001, com o direito a recolhimento em sala de Estado-Maior, garantido por leis específicas, tais como o Estatuto da Advocacia (art. 7º, V), a LOMAN (art. 33, III), a Lei Orgânica do Ministério Público da União (art. 18, II, “e”) e a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público dos Estados-membros (art. 40, V):


“Fundamental observar, porém, que a prisão especial prevista no art. 295, ‘caput’, 2.ª parte, bem como em algumas leis especiais, regulamentada, agora, pelos novos §§ 1.° a 5.° do referido artigo do diploma processual penal, não se confunde, a nosso ver, com o recolhimento a sala de Estado-Maior ou sala decente.

Em outras palavras, diante dos termos do art. 295 e seus parágrafos, a expressão ‘prisão especial’ não se traduz em gênero, do qual o ‘recolhimento a quartéis’ (em sala de Estado-Maior ou sala decente, conforme veremos), seria simples espécie.

Com efeito, o próprio ‘caput’ do art. 295 do CPP faz a distinção entre quartéis e prisão especial, deixando claras duas hipóteses distintas (serão recolhidos: 1) a quartéis ou 2) a prisão especial). A locução ‘ou’, aqui, indica alternância, e não sinonímia, caso contrário não haveria a necessidade do emprego da locução ‘a’ antes dá expressão ‘prisão especial’.

Por outro lado, em nosso vernáculo é cediço que ‘uma sala se distingue de uma cela’, justamente por esta ser guardada por grades e ferros.

……………………………………………

Diferentemente é o ‘recolhimento a quartéis’, utilizando-se a legislação especial – composta por leis ordinárias e leis complementares, de igual ou maior hierarquia do que o Código de Processo Penal e posteriores a ele -, aqui, da expressão ‘sala decente’, no que concerne a jornalistas, bem como ‘sala de Estado-Maior’, no que se refere a membros do Ministério Público Federal e Estadual, magistrados e advogados. Isto, em complementação, portanto, à primeira parte do art. 295 do CPP, pressupondo-se, por conseguinte, a ‘ausência de grades’.

……………………………………………

Importante observar que a leitura atenta dos novos parágrafos do art. 295 do CPP não leva a outra conclusão. Com efeito, referem-se os §§ 2.° e 3.° unicamente a cela – ínsita ao recolhimento a prisão especial -, jamais a sala – inerente ao recolhimento em quartel:

‘§ 2.° Não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em ‘cela’ distinta do mesmo estabelecimento.

§ 3.° A ‘cela’ especial poderá consistir em alojamento coletivo, atendidos os requisitos de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de areação, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana.’

A exceção prevista no início do § 2.° acima transcrito – ‘não havendo estabelecimento específico para o preso especial’ – também vem reafirmar o nosso entendimento.

Indubitável, portanto, que a nova disciplina estabelecida pelos parágrafos acrescentados ao art. 295 do diploma processual penal, acima tratada, não se aplica à prisão em sala decente ou em sala de Estado-Maior, expressamente estabelecida para categorias restritas, unicamente em função de atividades que, pelas suas características, a justificam, bem como não impede a prisão domiciliar, caso inexista a referida sala, conforme será abordado no próximo tópico.

 

……………………………………………

 

Por outro lado, não há que se falar que a Lei 10.258, de 11.07.2001, ao alterar o art. 295 do CPP, tenha revogado tacitamente os referidos dispositivos legais que fazem menção a ‘sala decente’ e ‘sala de Estado-Maior’. Como é curial, jamais uma lei de cunho geral terá o condão de derrogar leis especiais que disponham de forma diversa e específica, em consonância, inclusive, com o art. 2.°, § 2.°, da LICC, ‘verbis’:

‘Art. 2 (…) § 2.° A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior’.

Nessa esteira, ao contrário do que ocorre com a prisão especial, prevista de forma genérica para as pessoas elencadas nos incisos I a XI do art. 295 do diploma processual penal, bem como em leis esparsas que se referem ‘tão-somente a ela’, ora regulamentada pelos novos parágrafos do referido artigo (…), a Lei 10.258/01 não alterou o direito que assiste aos jornalistas, membros do Ministério Público, magistrados e advogados de que a sua custódia cautelar seja em sala desprovida de grades, já que os seus estatutos são específicos e dispõem expressamente de forma diversa.” (grifei)

Em suma, e tal como assinalado, com especial ênfase, pelo eminente Professor FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, em trabalho publicado após o advento da Lei nº 10.258/2001 (“Em que Consiste a Prisão Especial?”, “in” “Escritos de Direito e Processo Penal em Homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo”, p. 122/123, 2001, Lumen Juris), o Advogado – que não pode ser recolhido preso antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado-Maior, com instalações e comodidades condignas – tem direito, quando inexistente sala de Estado-Maior ou local a esta assimilável, ao recolhimento em prisão domiciliar, até que o eventual título penal condenatório se torne irrecorrível:

“Insta esclarecer que o bacharel em Direito faz jus à prisão especial, nos termos do inc. VII do art. 295, por ser diplomado por escola superior. Mas, se inscrito na OAB, nos termos do art. 7º, V, da Lei nº 8.906, de 4/7/1994 (Estatuto da Advocacia), não pode ser recolhido preso antes de sentença transitada em julgado, senão em sala do Estado-Maior, com instalações e comodidades condignas, e, na sua falta, em prisão domiciliar. Trata-se de lei especial, e, a nosso juízo, em face do princípio de especialidade, a nova lei não a revogou, não só porque ‘lex posterior generatis non derogat speciali’, como também porque ali não se fala em prisão especial, mas em sala do Estado-Maior ou prisão domiciliar. (…).

……………………………………………

A prisão domiciliar, hoje, como sucedâneo da prisão provisória, a nosso juízo, só existe em se tratando de Advogados inscritos na OAB. (…).” (grifei)

É importante referir, finalmente, neste ponto, recentíssima decisão proferida pelo eminente Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, em sede cautelar, na Rcl 4.535/ES, de que é Relator, quando, tendo presente o julgamento final da ADI 1.127/DF, assegurou, a determinado advogado que havia sofrido prisão preventiva, o direito de ser recolhido em prisão domiciliar, em virtude da comprovada ausência, no local, de sala de Estado-Maior, por entender que o ato judicial objeto de tal reclamação parecia transgredir a autoridade do pronunciamento desta Suprema Corte naquele processo de fiscalização normativa abstrata, que declarou subsistente o inciso V do art. 7º do Estatuto da Advocacia em face da superveniente edição da Lei nº 10.258/2001:

“O Paciente – Advogado – foi preso preventivamente em processo no qual é acusado de praticar os delitos de estelionato, falsidade ideológica e uso de documento falso.

Recolhido em cela da Polícia Federal, requereu ao Juízo da 2ª Vara Federal Criminal de Vitória/ES, com fundamento no art. 7º, V, do Estatuto dos Advogados, a sua transferência para sala de Estado Maior e, na falta desta, a concessão de prisão domiciliar (f. 17/21).

O pedido foi indeferido (…).

……………………………………………

Alega-se afronta à autoridade da decisão plenária na Adin 1127 – 17.05.06, red. p/ acórdão Ricardo Lewandowski – no qual o Supremo Tribunal Federal, preliminarmente, por maioria, entendeu não estar prejudicada a ação relativamente ao inciso V, do artigo 7º e, no mérito, também por decisão majoritária, declarou a inconstitucionalidade apenas da expressão ‘assim reconhecidas pela OAB’, contida naquele dispositivo.

 

Alega-se que, quando da análise da questão preliminar, o Plenário do Supremo Tribunal decidiu expressamente ‘pela inaplicabilidade ao advogado’ do art. 295 do C.Pr.Penal, ‘pelo quê laborou em erro a decisão de primeiro grau’.

 

……………………………………………

Ressalta, por fim, que o Paciente ‘sequer encontra-se em sala especial – prerrogativa aplicável aos outros presos especiais -, consoante ofício do Superintendente da Polícia Federal’ (f. 25).

Decido.

……………………………………………

À primeira vista, a decisão reclamada dissente do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn 1127 (17.05.06, red. p/ acórdão Ricardo Lewandowski, p.p.), quando se julgou constitucional o art. 7, V, do Estatuto dos Advogados, na parte em que determina o recolhimento dos Advogados em sala de Estado Maior e, na sua falta, em prisão domiciliar.

A decisão impugnada, ademais, reconheceu a ausência de sala de Estado Maior.

Este o quadro, defiro a liminar pleiteada para que o Paciente seja recolhido em prisão domiciliar – cujo local deverá ser especificado pelo Juízo reclamado -, até o julgamento de mérito desta reclama�[…]

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