Legislação das drogas

Lei abranda a punição de usuário e endurece a de traficante

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22 de outubro de 2006, 21h57

Acaba de entrar em vigor a Lei 11.343/06, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, o Sisnad, trazendo algumas alterações importantes no tratamento dado aos usuários e traficantes de entorpecentes no país.

Há muito tempo vêm sendo feitos esforços para mudar a lei anterior, a de número 6.368/76, mas várias tentativas fracassaram. Finalmente, agora, foi possível chegar à aprovação e sanção do novo sistema que vai regular a forma de abordagem de um problema nacional da mais alta gravidade.

Dentre as alterações relevantes, está a não punição do usuário de entorpecentes com prisão, o que está absolutamente correto. Não houve a descriminação do porte de droga para uso próprio, que continua sendo infração penal, apenas foi abrandada a reprimenda, que não mais implicará privação de liberdade. No artigo 28 da nova lei, estão previstos para o usuário: advertência, prestação de serviços à comunidade e medida educativa, as duas últimas pelo prazo mínimo de cinco meses, ou ainda, em caso de descumprimento das sanções aplicadas, poderá haver admoestação verbal e pena de multa. Além disso, a lei determina que o poder público coloque à disposição do dependente, gratuitamente, estabelecimento de saúde para tratamento especializado.

A disponibilidade de atendimento à saúde do dependente de drogas é da maior importância, pois consiste na única forma potencialmente eficaz de sua recuperação e reintegração social. No entanto, tal providência requer grandes investimentos do Estado, que está muito longe de atender a essa demanda atualmente. Além disso, não convém internar esse tipo de paciente em estabelecimentos que cuidam de distúrbios psiquiátricos em geral, pois a convivência com doentes mentais não ajuda o dependente de drogas a melhorar suas condições psicológicas. Como a própria Lei usa o termo “tratamento especializado”, será preciso criar locais públicos verdadeiramente adequados, ou fazer parcerias com a iniciativa privada.

Alguns profissionais da área médica, jurídica e social chegaram a alimentar expectativas de que a nova lei não mais punisse o usuário ou dependente de drogas com sanções criminais e, nesse caso, seriam tomadas apenas medidas sanitárias e de saúde pública com relação ao consumo. No entanto, esse pensamento não vingou por se ter entendido que o Estado precisaria acompanhar e, às vezes, induzir ao tratamento. O objetivo é a mudança de comportamento do dependente ou de quem está prestes a se tornar um, por meio da intervenção direta da Justiça. Nesse sentido, o Sisnad reconhece que o uso indevido de drogas é um fator prejudicial à qualidade de vida do indivíduo e à sua relação com a comunidade. Bem por isso, determina a formação de profissionais da área de educação para a prevenção ao uso de drogas nos três níveis de ensino e a implantação de projetos pedagógicos nas instituições de educação.

Com relação ao traficante, a nova lei endureceu. Aumentou as penas que eram anteriormente de três a 15 anos, para de cinco a 15 anos de reclusão, cumulados com o pagamento de multas.

Uma outra inovação referente ao conceito de traficante de drogas trazida pelo Sisnad é a diferenciação daquele que cede eventual e gratuitamente uma porção de drogas para outra pessoa, de quem comercializa o entorpecente. De acordo com a lei anterior, mesmo quem fornecesse gratuitamente pequena quantidade de droga para um amigo, a fim de consumirem juntos, estaria sujeito à pena prevista para o tráfico, ou seja, de três a 15 anos de reclusão. A nova lei, embora continue reprovando esta conduta que, sabe-se, é corriqueira entre usuários, estipula uma pena menor, de seis meses a um ano de detenção, mais multa.

Nessa linha de estabelecer uma gradação mais definida entre as várias maneiras de se promover a circulação das drogas, a nova lei diferencia o ato financiar ou custear o tráfico, prevendo uma pena bastante severa que vai de oito a 20 anos de reclusão.

Haverá, ainda, punição específica para quem conduzir embarcação ou aeronave após consumir drogas, expondo a dano a integridade de outras pessoas.

Por sua vez, o acusado que colaborar com a investigação, identificando comparsas e ajudando a recuperar o produto do crime, terá sua pena reduzida de um a dois terços.

Os bens obtidos com o tráfico de drogas estarão sujeitos a apreensão e seqüestro, desde o inquérito até a decisão final do processo, o que dificultará bastante a atividade econômica ligada ao crime organizado de maneira geral.

A nova lei não se esqueceu de prever a cooperação internacional no combate ao tráfico de drogas, pois é evidente que esse comércio não tem fronteiras e é impossível reprimi-lo se não houver intercâmbio de informações e de inteligência policial entre os países.

É importante lembrar que, para o Direito Penal, a lei mais severa não retroage e não gera efeitos com relação aos atos praticados anteriormente à sua vigência. Assim, quem praticou tráfico de drogas antes de 14 de outubro de 2006 continua sujeito a uma pena de três a 15 anos de reclusão, não sendo afetado pela majoração da punição, posteriormente instituída.

Está claro que a nova lei é mais adequada para lidar com o uso e o tráfico de drogas do que a anterior, elaborada em 1976. No entanto, para que os avanços tenham um significado real, é preciso que a Justiça se modernize, acelere o julgamento dos processos e adote medidas eficazes de acompanhamento dos usuários e dependentes, com vistas à sua recuperação. Ao mesmo tempo, caberá ao Poder Executivo providenciar os recursos financeiros e humanos necessários ao atendimento à população vitimada por esse comércio destruidor.

Autores

  • é procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo, autora de vários livros, dentre os quais “A paixão no banco dos réus” e “Matar ou morrer — o caso Euclides da Cunha”, ambos da editora Saraiva. Foi Secretária Nacional dos Direitos da Cidadania do Ministério da Justiça no governo FHC.

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