Mala sem dinheiro

IstoÉ não precisa indenizar ex-bispo da Universal

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22 de outubro de 2006, 6h00

A revista IstoÉ não terá de pagar indenização por danos morais e materiais para o deputado federal e ex-bispo da Igreja Universal do Reino de Deus João Batista Ramos da Silva (PP-SP). Ele processou a revista e o jornalista Gilberto do Nascimento, à época editor da IstoÉ, por uma reportagem publicada em maio de 2005 intitulada “As contas secretas da Igreja Universal”.

A decisão é do juiz José Carlos de França Carvalho Neto, da 30ª Vara Cível de São Paulo. A Editora Três, responsável pela publicação da revista, foi representada pela advogada Claudia Regina Soares dos Santos.

O deputado alegou que a reportagem apresentou citações caluniosas ao acusá-lo de fazer parte de um esquema de lavagem de dinheiro da igreja. João Batista também sustentou que sua honra e imagem foram ofendidas. Já a revista afirmou que não houve intenção de ofender e que todas as informações publicadas foram obtidas na Receita Federal.

Três meses depois da notícia, João Batista foi preso com sete malas de dinheiro, com mais de R$ 10 milhões, no Aeroporto de Brasília. Na ocasião, ele explicou que o dinheiro pertencia à Igreja Universal.

O juiz José Carlos afastou o argumento de ofensa ou intuito de difamar ou caluniar o parlamentar. “Os réus agiram com fundamento na liberdade de imprensa e de informação, nos termos dos artigos 5º, IV, IX, XIV e XXXIII, e 220 da Constituição Federal, sem que tais limites fossem dolosamente extrapolados. A matéria jornalística é baseada em fatos obtidos em investigação conduzida à época pela Receita Federal e pela Polícia Federal, de modo que não houve intenção de distorcer os fatos e caluniar o autor”, reconheceu.

As partes podem recorrer da decisão.

Leia a íntegra da sentença

Processo Nº 583.00.2005.094438-7

Vistos. JOÃO BATISTA RAMOS DA SILVA move ação de indenização contra TRÊS EDITORIAL LTDA e GILBERTO BENTO DO NASCIMENTO argumentando, em resumo, que em 25.05.05 foi publicada matéria jornalística de capa pela primeira ré, cujo título era “As contas secretas da Igreja Universal…”; a matéria foi assinada pelo segundo réu; a reportagem contém citações caluniosas; foi acusado de fazer parte de esquema de “lavagem de dinheiro” da referida Igreja; sua honra e imagem foram ofendidas; é Deputado Federal de conduta irrepreensível e reputação ilibada; os réus agiram com culpa; e houve dano moral.

Pede, assim, a condenação dos réus no pagamento de indenização pelo dano moral, devendo ainda a sentença de procedência ser publicada na íntegra na revista “Isto É”, com o mesmo destaque da matéria jornalística. A inicial veio acompanhada de documentos (fls. 33/35). Os réus foram citados e apresentaram contestação, alegando, em síntese, que não foi possível a localização do autor para um contato; não houve intenção de atingir a honra e imagem do autor; as informações publicadas foram obtidas junto à Receita Federal e Polícia Federal; deve ser respeitado o direito à informação; não houve dano moral; e não há dever de indenizar.

Aguardam, desta forma, a improcedência e, na hipótese de procedência, a fixação criteriosa do valor da indenização, juntando documentos (fls. 88/200). O autor se manifestou em réplica (fls. 210/229). As partes especificaram provas e não foi possível acordo na audiência de conciliação (fls. 262).

É o relatório.

FUNDAMENTO E DECIDO.

É caso de julgamento antecipado da lide, porquanto a matéria de mérito, apesar de ser de direito e fato, não depende da produção de outras provas (CPC, artigo 330, inciso I). A controvérsia desta ação reside na interpretação da matéria jornalística de capa publicada pela segunda ré e assinada pelo primeiro réu, em que há referência à ocorrência de crimes e de esquema de “lavagem de dinheiro”. Resta, portanto, analisar se houve caracterização de ofensa à honra, reputação e dignidade do autor.

Verifica-se, entretanto, que não há como ser reconhecida a ofensa e o intuito de difamar ou caluniar o autor, pelo que o pedido de indenização por dano moral não comporta acolhimento.

É que os réus agiram com fundamento na liberdade de imprensa e de informação, nos termos dos artigos 5o, IV, IX, XIV e XXXIII, e 220 da Constituição Federal, sem que tais limites fossem dolosamente extrapolados. A matéria jornalística é baseada em fatos obtidos em investigação conduzida à época pela Receita Federal e pela Polícia Federal, de modo que não houve intenção de distorcer os fatos e caluniar o autor. Ressalte-se, outrossim, que a esfera dos direitos da personalidade dos políticos, em confronto com a liberdade de imprensa e informação, é menor que aquela reservada aos cidadãos comuns.

Nesse sentido já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo: “os políticos estão sujeitos de forma especial às críticas públicas, e é fundamental não só ao povo em geral larga margem de fiscalização e censura de suas atividades, mas sobretudo à imprensa, ante a relevante utilidade pública da mesma” (Ap. Civ. n.235.627-1, 5a Cam. Civ., j. 20-10-1994, Rel. Dês. Marco César, publicado na JTJ 169/86).

Posteriormente, noticiou o autor que o inquérito então instaurado para apurar os crimes de evasão de divisas, manutenção de cotas no exterior sem conhecimento da autoridade federal competente e sonegação fiscal, o qual foi o fundamento da reportagem, restou arquivado pelo E. STF, conforme documentos de fls. 247/259.

Todavia, o arquivamento se deu tempo depois de publicada a matéria, de modo que, quando de sua publicação, os fatos noticiados ainda estavam sendo apurados pelas autoridades competentes. Neste contexto, porque não caracterizada a ofensa a direito de personalidade do autor, não há como ser acolhido o pedido de indenização por danos morais, restando prejudicado o pedido de publicação da sentença.

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado nesta ação. Em razão da sucumbência, arcará o autor com as custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios, estes fixados, por equidade, em R$ 2.500,00, devidamente atualizados. P.R.I. São Paulo, 25 de setembro de 2006.

JOSÉ CARLOS DE FRANÇA CARVALHO NETO

Juiz de Direito

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