Pacote de dinheiro

Revista Época não tem de indenizar Henrique Pizzolato

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21 de outubro de 2006, 6h01

Os direitos personalíssimos, como a honra e a reputação, do ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato não foram atingidos com a publicação da reportagem “Operação Portugal”, da revista Época. A notícia, com base em denúncia do Ministério Público, relatou que Pizzolato recebeu R$ 326 mil de Marcos Valério e pediu aposentadoria quando o fato foi descoberto. A decisão é da juíza Mirian Castro Neves de Souza Lima, 14ª Vara Cível de São Paulo.

À Justiça, Pizzolato disse que enviou um de seus funcionários até o endereço indicado pela agência de publicidade DNA, de Marcos Valério, para pegar um pacote. No entanto, ressaltou que não sabia que no endereço funcionava uma agência do Banco Rural e que o pacote continha os milhares de reais. Segundo ele, “os fatos noticiados visam a criar uma relação entre o autor e o publicitário Marcos Valério que ultrapassa o vínculo profissional, no auge da crise política do mensalão”.

A defesa da Época e de Thomas Traumann, diretor da sucursal da revista no Rio de Janeiro e também réu na ação, alegou que Pizzolato não foi o foco principal da reportagem. Ele só foi citado duas vezes, no final do texto. Além disso, argumentou que os fatos noticiados já haviam sido amplamente divulgados pela imprensa, por terem sido alvos de investigações do Ministério Público e de CPI. E ainda ressaltou que o próprio Pizzolato reconheceu a existência dos fatos.

Em parecer, o Ministério Público Federal em São Paulo entendeu que mesmo que se admita que Pizzolato não sabia o que continha no pacote, nada muda o fato de que lhe foi entregue o dinheiro dentro do pacote. O MPF lembrou que ele não esclareceu o que fez com o dinheiro depois de tê-lo recebido.

“Sem esclarecimentos acerca do destino dos valores depois de efetivamente terem sido entregues ao autor, inafastável a conclusão de que o dinheiro permaneceu com o autor, último destino conhecido dessa quantia”, concluiu o Ministério Público.

Ao decidir, a juíza Mirian Castro Neves de Souza Lima seguiu o raciocínio do MP. Para ela, cabia a Pizzolato comprovar que entregou ou transferiu o dinheiro para alguém. “Não há essa prova nos autos.”

Ela concluiu que, diante desse fato, não há como admitir que a afirmação contida na reportagem tenha sido ofensiva, porque “retrata um fato ocorrido, sem emitir nenhum juízo de valor sobre a conduta do autor nem sugerir que tal conduta se caracteriza como ilícito penal ou administrativo”.

A juíza ressaltou que, diferente do alegado por Pizzolato, o MPF apurou que ele mantinha contatos e ligações com Marcos Valério que ultrapassavam o âmbito profissional. Por isso, entendeu que a revista se manteve nos limites de sua função de informar, sem nenhum abuso.

Leia a decisão e a reportagem

Proc.: 2005.001.129920-2

Sentença

HENRIQUE PIZZOLATO move Ação de Indenização por Danos Morais pelo rito comum ordinário em face de EDITORA GLOBO S/A e THOMAS TRAUMANN, alegando em síntese que os réus fizeram publicar em revista de circulação de âmbito nacional matéria de conteúdo inverídico e insultuoso, em que foi atingida a pessoa do autor. No dia 08/08/2005, o primeiro réu publicou matéria assinada pelo segundo réu, em que é afirmado que o autor recebeu dinheiro de agência de publicidade e após pediu aposentadoria ao ser descoberto esse fato, constando também que a substituição do presidente da Previ pelo autor possibilitaria um acordo entre o fundo de pensão e uma instituição financeira. A matéria é atentatória à moral e honra do autor, pois foram publicados como verdadeiros fatos que sequer foram apurados, sendo que só podem ser noticiados fatos após a devidas apuração de sua veracidade. Afirma que não recebeu o dinheiro indicado na reportagem e após requereu a sua aposentadoria. Os fatos noticiados visam a criar uma relação entre o autor e o publicitário Marcos Valério que ultrapassa o vínculo profissional, no auge da crise política do “mensalão”. Afirma que como cortesia profissional, ao ser solicitado por um funcionário da agência de publicidade DNA para pegar um pacote, determinou que um funcionário seu fosse no endereço indicado e pegasse o pacote, todavia, não sabia que nesse pacote havia dinheiro e não documentos. Afirma também ser inverídico que o autor aguardava algum trabalho de Marcos Valério para substituir o presidente da Previ. Pede a condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais em valor a ser fixado pelo Juízo. Petição inicial instruída com os documentos de fls. 16/41.

Contestação a fls. 66/102, acompanhada de documentos de fls. 103/120. afirmam que não há ofensa capaz de ensejar a indenização pretendidas pelo autor, sendo certo que o foco da reportagem não era ele. A matéria noticiava a “Operação Portugal” denunciada por ex-deputado federal, narrando a atuação do publicitário Marcos Valério em negociações internacionais. Alegam que em relação ao autor os fatos noticiados já haviam sido amplamente divulgados pela imprensa, sendo alvo de investigações do Ministério Público Federal e de CPI. Referentemente ao autor a reportagem se limita a informar fato verdadeiro e incontestável, sendo que o próprio autor reconhece a existência desses fatos em sua petição inicial. Não afirma a reportagem que o recebimento do dinheiro pelo autor foi irregular. A acusação de que o autor participou do esquema de corrupção não partiu dos réus, mas sim da CPI dos Correios. Os réus se limitaram a divulgar fidedignamente informações previamente apuradas junto a órgãos oficiais. Quanto à informação de tentativa de substituição do presidente da Previ, nenhuma ofensa há ao autor, eis que reproduziu o que já vinha sendo alvo de denúncias e investigações, sendo as informações fornecidas pelas autoridades responsáveis pelas investigações. Os réus se restringiram a exercer o direito/dever de informar, que não foi exercido de forma abusiva. Assim, não há dano moral a ser indenizado. Pugnam pela improcedência do pedido.


Réplica a fls. 124/133.

Manifestação do réu a fls. 137/152, acompanhada de cópia da denúncia feita pelo Ministério Público Federal contra o autor, pelos fatos noticiados na matéria jornalística e por outros fatos típicos, bem como contra outras pessoas, fls. 153/292.

Decisão de saneamento a fls. 295/296.

Audiência de instrução e julgamento a fls. 299.

É O RELATÓRIO. Passo a decidir.

Trata-se de ação de indenização por danos morais, que afirma o autor ter sofrido em razão de matéria jornalística elaborada pelo segundo réu e publicada em veículo de comunicação do primeiro réu.

A leitura da matéria indicada pelo autor como ofensiva a sua honra e a sua reputação permite que se conclua, como afirmado pelos réus, que o autor não era o centro da reportagem. Todavia, esse fato por si só não afasta, em tese, a possibilidade de ter havido na reportagem ofensa a sua honra e reputação, eis que nela foi mencionado.

Há duas menções ao autor na reportagem contida em revista de circulação nacional. Afirma o autor que os fatos alegados em relação a ele são inverídicos e por isso, houve um abuso no direito de informação por parte dos réus, o que causou-lhe danos não patrimoniais.

No que concerne à afirmação de que o autor requereu aposentadoria após a descoberta do recebimento por ele de R$ 326.000,00 em dinheiro vivo, da agência de publicidade DNA, não se verifica dos autos nenhum excesso cometido pelos réus, à medida em que os fatos são verídicos, como se conclui da prova documental existente nos autos.

Reconheceu o próprio autor em sua petição inicial que determinou a um funcionário da Previ, hierarquicamente subordinado a ele, como cortesia profissional a um funcionário da agência de publicidade DNA, que comparecesse a um endereço para pegar um pacote com documentos.

Desconhecia o autor, segundo afirma, que no endereço funcionava uma agência do Banco Rural, instituição financeira envolvida nas denúncias de lavagem de dinheiro e corrupção no âmbito do governo federal, como minuciosamente explicitado na denúncia oferecida pelo Procurador-Geral da República contra o autor e outras pessoas, fls. 153/292.

O funcionário da Previ foi até a agência do Banco Rural e lá retirou um pacote, que foi entregue em mãos para o autor em sua casa, como relatou esse funcionário em depoimento prestado na Procuradoria da República do Estado do Rio de Janeiro, fls. 39/41.

O recebimento da referida quantia pelo autor, sacado de contas da agência de publicidade DNA, do publicitário Marcos Valério, como comprovado em investigações realizadas pelo Ministério Público é fato cuja existência está comprovada.

Importante mencionar que o autor admite o recebimento do pacote, cujo conteúdo desconhecia, entregue por funcionário especialmente destacado para pegá-lo em agência do Banco Rural, apesar do autor também desconhecer que encaminhava o contínuo a uma agência daquela instituição financeira, mas não esclarece qual o destino dado a esse pacote que lhe foi entregue em mãos e continha R$ 326.000,00 em dinheiro vivo, como apurado nas investigações do Ministério Público Federal.

A entrega do pacote contendo a quantia sacada de conta da agência de publicidade DNA no Banco Rural para o autor está comprovada. Mesmo que se admita que o autor não sabia o que continha no pacote, isso não muda o fato de que lhe foi entregue o dinheiro dentro do pacote. O destino desse dinheiro após ser entregue ao autor não é por ele esclarecido. Sem esclarecimentos acerca do destino dos valores depois de efetivamente terem sido entregues ao autor, inafastável a conclusão de que o dinheiro permaneceu com o autor, último destino conhecido dessa quantia. A tal conclusão chegou o Ministério Público Federal nas investigações realizadas, tanto que denunciou o autor pelo recebimento desse dinheiro.

Caso não tenha ficado o autor com os valores sacados da conta da agência de publicidade DNA, e estando comp0rovado o recebimento do dinheiro por ele, a ele incumbia a prova de que entregou ou transferiu o dinheiro para terceiro. Essa prova não há nos autos.

Desse modo, o fato noticiado na matéria jornalística está demonstrado, cumprindo salientar que em momento algum o autor explicou o destino do dinheiro ou sua atuação em todos os fatos apurados pelo Ministério Público Federal, destacando-se que consta da denúncia, a fls. 223, que suas explicações para os fatos são inverossímeis.

Assim sendo, não há como se admitir como ofensiva a afirmativa contida na matéria jornalística, que retrata um fato ocorrido, sem emitir nenhum juízo de valor sobre a conduta do autor nem sugerir que tal conduta se caracteriza como ilícito penal ou administrativo.

Em momento algum foi imputado ao autor a prática de crime pelos réus na matéria publicada na revista “Época” do dia 08 de agosto de 2005. essa imputação é feita pelo Ministério Público Federal em denúncia oferecida contra o autor, e desse ato praticado pelo Procurador Geral da República no cumprimento de seu dever legal, não há nenhuma ofensa ao autor passível de gerar dano moral.


Acerca do requerimento de aposentadoria pelo autor após ter sido descoberto o recebimento desse dinheiro pelo autor, igualmente não se vislumbra nenhum abuso no direito /dever de informação do jornalista e da empresa de comunicação a gerar o dano moral, posta que efetivamente requereu o autor sua aposentadoria após esse fato.

Importante remarcar que mais uma vez a matéria apenas noticiou fatos em ordem cronológica, sem emitir juízo de valor sobre a conduta do réu nem estabelecer relação de causa e efeito entre esses fatos.

Por fim, quanto à afirmação de que Marcos Valério estaria integrando um grupo com objetivo de substituir o presidente da Previ pelo autor, o que provavelmente permitiria um acordo entre o fundo de pensão e o banco Opportunity, não se vislumbra ofensa ao autor.

A afirmação que poderia ser considerada ofensiva foi aquela imputa a terceiro, no caso a atuação de Marcos Valério, e não ao autor. Frise-se que não há nenhuma informação de que o autor estaria integrando o referido grupo que objetiva a substituição do presidente do fundo de pensão.

Relativamente a isso, não se verifica a imputação de nenhum fato do qual decorra ofensa à honra, reputação e imagem do autor.

A afirmação de que a substituição do presidente da Previ pelo autor poderia propiciar acordo entre o fundo de pensão e a instituição financeira insere-se no direito de análise dos fatos pelo jornalista e disso não se extrai cunho injurioso ou ofensivo, até porque nada mais consta na matéria acerca desse possível acordo.

Frise-se que diversamente do alegado pelo auto, o Ministério Público Federal apurou que ele mantinha contatos e ligações com Marcos Valério que ultrapassavam o âmbito profissional.

Atuaram os réus nos limites de sua função de informar. Á medida em que os réus atuaram no exercício do direito constitucionalmente previsto, sem nenhum abuso, relatando fatos ocorridos e apurados pelo Ministério Público e exerceram o direito de análise dos fatos sem propósito ofensivo e sem manipulação de informação, não há que se falar em ato ilícito e em lesão a direitos personalíssimos do autor, tais como honra e reputação, a gerar dano moral.

Sobre isso a jurisprudência:

RESPONSABILIDADE CIVIL. PLEITO DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS EM RAZÃO DE INDEVIDA EXPOSIÇÃO DA HONRA E DIGINIDADE DO AUTOR, OCUPANTE DE DESTACADO CARGO PÚBLICO, EM RAZÃO DE MATERIA JORNALÍSTICA QUE PROCUROU ENVOLVÊ-LO EM ESCÂNDALO DA CHAMADA “MÁFIA DOS FISCAIS”. REPORTAGEM, CONTUDO, QUE SE LIMITOU A DIVULGAR INFORMAÇÕES VERÍDICAS, ORDIUNDAS DE FONTE INSUSPEITA, SEM EMISSÃO DE QUALQUER JUÍZO DE VALOR A RESPEITO DA CONDUTA DO SUPOSTO OFENDIDO. AUSÊNCIA DE ILICITUDE CAPAZ DE JUSTIFICAR O PRETENDIDO DEVER DE INDENIZAR. DIREITO À INFORMAÇÃO REGULARMENTE EXERCIDO PELO ÓRGÃO DA IMPRENSA ONDE FOI VEICULADA A MATÉRIA. Improcedência do pedido. Confirmação do julgado

(TJ/RJ, apelação Cível 2006.001.06971, Rel. Dês. Nascimento Povoas Vaz, 18º c.c)

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO e condeno o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios do patrono dos réus, que fixo em R$ 2.000,00, na forma do artigo 20 § 4º do CPC.

Rio de Janeiro, 09 de outubro de 2006.

Miriam T. Castro Neves de Souza Lima

Juíza de Direito

Leia a reportagem

Operação Portugal

Usando o nome do PT, Marcos Valério pediu propina de R$ 50 milhões para resolver a venda de uma companhia telefônica

THOMAS TRAUMANN

Principal operador do caixa dois do PT, Marcos Valério desempenhou também missões internacionais. Na aparência tratava-se de uma operação megalomaníaca e rocambolesca. Na prática não foi isso. O publicitário mineiro atuava com credenciais que lhe permitiram acesso ao geralmente exclusivo mundo de negócios europeu. Ele viajou para Lisboa e se encontrou, pelo menos duas vezes, com o presidente da Portugal Telecom, Miguel Horta e Costa, se oferecendo para resolver o impasse na compra da Telemig, a principal companhia de celular de Minas Gerais. Em troca, em vez da comissão normal que receberia qualquer corretor de um negócio desse porte, Valério pediu dinheiro para pagar dívidas do PT e do PTB. Segundo pessoas próximas à operação, o cheque seria de R$ 50 milhões. O negócio não saiu.

As peripécias internacionais de Valério, denunciadas na semana passada pelo deputado Roberto Jefferson (PTB), envolviam o futuro da Vivo – maior operadora de telefones celulares do Brasil, que pertence à espanhola Telefónica e à Portugal Telecom. Em junho de 2004, a Vivo chegou perto de fechar um acordo de compra da Telemig. Acertou com o banco Opportunity, um dos donos da operadora mineira, que pagaria mais de R$ 2 bilhões pelo controle da empresa, mas a venda foi vetada por outro sócio, o Citibank. As negociações empacaram. A cada semana aparecia alguém se dizendo representante do governo Lula ou do PT e prometendo facilitar as coisas, mas só Valério era capaz de demonstrações de força: jantares com o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, um currículo de lobbies bem-sucedidos na Anatel e audiências com o então ministro da Casa Civil, José Dirceu. Na sede da companhia, em Lisboa, Valério tinha fama de ser o homem certo para desencravar o problema.


Jefferson disse a verdade no Congresso ao informar que Valério era o intermediário para resolver as dívidas do PT com o PTB. Foi para provar que a propina não era para ele, mas sim para os partidos, que Valério levou como acompanhante em uma das viagens o tesoureiro de Jefferson, Émerson Palmieri. É especulação imaginar que o presidente da Portugal Telecom teria estimulado uma operação de caixa dois. Mas é fato que Miguel Horta e Costa recebeu Valério e o indicou para uma audiência com o então ministro de Obras e Comunicações de Portugal, António Mexia. Três semanas atrás, em entrevista ao semanário Expresso, Mexia disse que recebeu Valério ‘na qualidade de consultor do presidente do Brasil’. A afirmação foi recebida como escândalo, pois seria o primeiro elo real entre Valério e Lula. Na quinta-feira, Mexia recuou e disse que Valério foi recebido apenas como empresário.

A direção da CPI dos Correios trabalha com a hipótese de que as operações de Valério em Portugal eram a fase dois de suas relações com o PT. O primeiro esquema, já comprovado, era o uso das agências de publicidade SMP&B, DNA e Graffitti para pagar contas e dívidas de campanha do PT e de seus aliados PL, PP e PTB — operações consideradas um ‘crime menor’ nas atuais circunstâncias.

Já a conexão portuguesa faria parte do tráfico de influência para bancos, seguradoras e companhias telefônicas obterem contratos e vantagens no governo Lula. Nesses contatos, Valério, o avalista dos empréstimos ao PT nos bancos Rural e BMG, invertia os papéis com Delúbio Soares. Era o tesoureiro do PT quem aparecia como fiador de que Valério tinha poderes para falar como representante do PT em negociatas no governo federal.

Roberto Jefferson afirmou que Valério e Palmieri foram a Lisboa por ordem do ex-ministro José Dirceu. Teria sido a fórmula encontrada para o PT quitar as dívidas com o PTB — a origem de toda a crise política. Dirceu nega.

Treze dias antes da viagem de Valério a Lisboa, em 11 de janeiro, o ex-ministro recebeu o principal acionista da Portugal Telecom, Ricardo Espírito Santo, acompanhado de Marcos Valério. Dirceu e o banco Espírito Santo afirmam que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Jefferson acusou o banco Espírito Santo de participar de outro esquema – a proposta de transferência para o banco português de US$ 100 milhões de investimentos externos do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB). A proposta era defendida por Lídio Duarte, o indicado por Jefferson no IRB, mas não prosperou. O banco Espírito Santo admitiu que tentou captar dinheiro do IRB, mas negou ter recorrido ao tráfico de influência para azeitar a negociação com a seguradora estatal.

Concorrentes dizem que Valério já havia trabalhado antes para a Portugal Telecom. Ele teria influído na decisão da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) de manter a divisão das tarifas das ligações entre telefone fixo e celular. Pelas regras de 1998, de cada real gasto nas ligações entre aparelhos celulares e fixos, os primeiros ficavam com a maior parte. Como é a única grande companhia que só opera celulares, a Portugal Telecom é, por meio da Vivo, a maior beneficiária dessa divisão.

As companhias fixas tentaram várias vezes mudar a relação, mas não conseguiram convencer a Anatel. Segundo os concorrentes, Valério teria sido fundamental para a manutenção da regra. Ele também teria prometido aos portugueses que convenceria a Anatel a antecipar a entrada no país dos ä celulares de terceira geração. Procurada por Época, a direção da Portugal Telecom em Lisboa desmentiu ‘categoricamente’ que Marcos Valério tenha feito lobby para a empresa. ‘Neste escândalo todo, a Portugal Telecom vai aparecer ou como culpada, ou como pateta por ter recebido o Valério em Lisboa. É ruim, mas prefiro que a empresa saia como pateta’, diz um executivo ligado às operações da Portugal Telecom. Os executivos da Portugal Telecom ficaram em pânico com a possibilidade de aparecer como a ligação que faltava para incriminar o presidente Lula e foram apanhados de calças curtas. Aproveitando as férias escolares na Europa, muitos estavam viajando com a família quando o escândalo estourou.

A venda da Telemig era apenas o pontapé inicial da mais ambiciosa tacada dos interesses que Marcos Valério defendia na telefonia. O foco era realmente a venda da Brasil Telecom, a terceira maior telefônica do país. Os quatro sócios da empresa (banco Opportunity, Citibank, Telecom Italia e fundos de pensão liderados pela Previ) vivem há anos em uma disputa sanguinária. Valério apareceu em duas etapas da barafunda. No início do governo Lula, ele aproximou Delúbio Soares do Opportunity de Daniel Dantas, o banqueiro odiado por um dos principais assessores de Lula, o secretário Luiz Gushiken. Em meados de 2004, quando negociava a venda da Telemig para a Vivo, Dantas já tinha a seu lado o então ministro José Dirceu. Com o dinheiro que ganharia da venda da Telemig, Dantas pretendia comprar a parte do Citibank e se tornar o controlador inconteste da Brasil Telecom.

Gushiken, apoiado por concorrentes de Dantas, trabalhou para que a Previ se aproximasse do Citibank e vetasse o negócio. Meses depois, Citi e Previ assinaram um polêmico contrato de venda conjunta de ações na Brasil Telecom. O acordo prevê que, se a venda não sair até o final de 2007, a Previ se obrigará a comprar a parte do Citi, ‘mesmo que isso contrarie as regras da Anatel’. Se efetivamente ocorrer, o valor dessa venda futura será 30% maior do que aquele que outra companhia, a Telecom Italia, já tinha oferecido antes pelas ações que o Opportunity tem na mesma companhia. De acordo com a Previ, o acordo com o Citibank foi correto porque, entre outras vantagens, evita uma venda separada que traria prejuízos aos investimentos. Um cenário possível sem o acordo era que a Telecom Italia comprasse apenas a parte do Citi e do Opportunity, deixando os fundos sem condições de uma venda rentável. Hoje, além da Telecom Italia, são candidatos a comprar a Brasil Telecom a Portugal Telecom e a Telemar.

Em sua segunda aparição no caso Brasil Telecom, Valério integrava a corrente que trabalhou pesadamente para derrubar o presidente da Previ, Sérgio Rosa, e substituí-lo pelo diretor do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato — o mesmo que pediu aposentadoria depois da descoberta de que recebeu R$ 326 mil em dinheiro vivo da agência de publicidade DNA. O ex-tesoureiro Delúbio Soares atuou em dobradinha com Valério contra a direção da Previ. Uma troca de Rosa por Pizzolato no comando do fundo de pensão provavelmente teria como resultado um acordo entre o fundo de pensão e o Opportunity.

As agências publicitárias de Marcos Valério trabalham para várias empresas ligadas ao Opportunity, mas o banco nega que os serviços prestados incluam lobby. ‘No governo Lula, a Previ atuou até contra os interesses de seus pensionistas para prejudicar o Opportunity. A Polícia Federal invadiu a casa de Daniel Dantas e fez cinco pedidos de prisão contra ele’, afirma um executivo do Opportunity. ‘Que diabos de lobby é esse que o Valério fazia para a gente que só nos prejudicava?’ Pode ser. Mas, nessa briga, ninguém tem certeza de nada.

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