Judiciário no segundo turno

Modificação dos fatos jurídicos e costumes exige criatividade

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21 de outubro de 2006, 11h41

Por Walter Ceneviva

Apesar de os poderes da República brasileira serem independentes entre si (é o que diz a Constituição), o segundo turno das eleições para o Executivo na União e em alguns Estados repercutirá nos dois outros poderes. Hoje examino seus possíveis efeitos em relação ao Poder Judiciário. O assunto é muito extenso. Limito-me à área do direito do trabalho e de sua Justiça, aproveitando texto primoroso do ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, do Tribunal Superior do Trabalho, com base em conferência por ele proferida.

Em “Eixos de transformação do direito e do processo do trabalho”, o ministro, diretor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho, recorda que as relações de trabalho sofreram, desde o século passado, intensa influência do dinamismo da economia e dos avanços tecnológicos. São “transformações que a legislação não consegue regular adequada e oportunamente” pois, como diz, a “vida sempre se adianta à norma, exigindo que esta se amolde ao fenômeno social…”

Mais do que outros campos, a profunda modificação dos fatos jurídicos e costumes está a exigir criatividade do legislador e do julgador para permanente encontro com a realidade até, como diz Ives Gandra, para “pacificar os conflitos trabalhistas latentes”. Se os novos titulares do Executivo e do Legislativo não aprenderem a lição, teremos o agravamento das condições do mundo do trabalho.

A síntese de Gandra ensina que a relação de trabalho se vincula a três grandes agentes: “o legislador, as categorias profissional e econômica e o julgador”. Em apoio do que sustenta, oferece dados estatísticos impressionantes, no sentido de que é possível reduzir, tendo a lei como instrumento, a informalidade e o desemprego. Cuida ainda da disciplina do fenômeno da terceirização e das quase 8.000 cooperativas de trabalho e milhões de cooperados. Reclama novas formas de contratação, de particular relevo jurídico, a requererem normas específicas (artistas, futebolistas, portuários, por exemplo). Aponta a existência de, ao menos, 20 espécies novas de trabalhador, nas profissões de nosso país.

Ao lado desses elementos informativos, propõe a questão de como modernizar regras processuais no direito do trabalho. Lembro ao leitor que o processo é ferramenta essencial do andamento dos feitos judiciais, desde a reclamação inicial até o julgamento final. Ocorre, porém, que limites da economia negocial, operação do direito do trabalho, taxas de crescimento na demanda de julgamentos em varas e tribunais, oferecidos por Gandra com esmerada pormenorização, indicam quadro pessimista do saldo devedor acumulado. Ives traz dados para simplificação, celeridade e segurança na prestação jurisdicional. Enfrenta cada tópico. Conclui pela premente necessidade de uma “reforma, que represente uma real proteção ao trabalhador, a par de se obter uma solução efetiva para os conflitos trabalhistas” em tempo razoável. Havendo opiniões divergentes sugere a busca de pontos mínimos de consenso “com vistas à preparação de textos legais e regulamentares” para a modernização imprescindível do processo do trabalho. Esse objetivo transcende da política e deve ser enfrentado.

Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo

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