Envelhecimento precoce

Código Tributário Nacional: velho e acabado aos 40 anos

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21 de outubro de 2006, 6h01

Na próxima quarta-feira (25/10), o nosso Código Tributário Nacional completa 40 anos. Se antigamente podíamos dizer que a vida “começa aos 40”, hoje devemos reconhecer que a Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966, está velha e acabada.

Quando surgiu, o CTN era anunciado como um dos mais modernos sistemas tributários do mundo, sendo resultado na Emenda Constitucional 18, de 1º de dezembro de 1965, que alterava a Constituição vigente desde 1946, sem dúvida a mais democrática de nossa história.

Em 1965 não existia em nosso sistema legislativo a figura da “lei complementar”, que foi criada apenas com a Emenda 1/1969, que alterou a Constituição de 1967. Desde então o CTN tem sido recepcionado por todos os textos constitucionais como lei complementar em função da matéria de que trata, embora seja em sua origem uma lei formalmente ordinária.

Possuindo originalmente um total de 218 artigos, hoje o CTN tem 208, pois 14 foram revogados e 4 foram acrescidos. Os revogados: 52 a 62 (tratavam do ICM) e 71 a 73 (relativos ao ISS). Os acrescidos: 155-A, 170-A, 185-A e 191-A.

Quando afirmamos que o aniversariante de hoje está “velho e acabado” é porque ele vem sendo esculhambado desde jovem. Quatro artigos foram revogados no mesmo ano em que ele nasceu. Os artigos 59 a 62 foram revogados pelo Ato Complementar 31, de 28/12/66.

Dois anos depois de sua criação o nosso Código teve mais 10 artigos revogados, através do Decreto-Lei 406/68, que alterou as normas do ICM (hoje ICMS) e do ISS.

Para que se tenha uma idéia de como se tornou um “saco de pancadas” o nosso Código, basta dizer que nada menos que 20 (vinte) leis complementares produziram alterações importantes em seu texto, desde a Lei Complementar 24, de 7 de janeiro de 1975, até a Lei Complementar 118, de 9 de fevereiro de 2005. Isso, para não falarmos nas mudanças feitas pelos tais “Atos Complementares” e até mesmo por 18 decretos-leis, desde o 37, de 18/11/1966 (relativo ao imposto de importação), até o 2.472 de 1º/09/1988.

Ora, o Código Tributário Nacional é uma norma nacional, acima de todas as legislações tributárias de caráter federal, estadual e municipal. Está, como o próprio nome sugere, complementando, explicando, explicitando, colocando em prática, as regras fundamentais do sistema tributário do país, definidas na Constituição Federal.

Com tamanho alcance, servindo como autêntico acessório da Carta Magna, o CTN não pode nem deve sofrer adaptações ou ser usado como penduricalho das normas que lhe são subalternas.

Mas hoje em dia qualquer “mané” se auto-intitula “intérprete” de normas tributárias. Estamos num país em que não se observa nas questões legislativas a mais rudimentar das normas que vigoram até mesmo nos zoológicos, a que garante que deve ficar “cada macaco no seu galho”.

O direito tributário brasileiro virou uma verdadeira bagunça. Não falamos que se transformou numa “zona” porque até nas antigas “zonas de meretrício” havia um certo respeito a regras de comportamento. Ali, pelo menos, bandido era bandido e mocinho era mocinho.

Mas no campo da tributação brasileira, qualquer um se julga “otôridade”, mesmo não tendo qualquer formação acadêmica que o qualifique para analisar a legislação tributária, para orientar os contribuintes, para interpretar esse cipoal legislativo confuso e desordenado que se criou no país, onde as regras de tributação mudam mais que a direção do vento, as ondas do mar e o rumo dos asteróides.

No poder executivo, muitas vezes as principais autoridades fazendárias são nomeadas apenas por critérios de apadrinhamento político ou loteamento partidário. Assim, já tivemos delegado de polícia e até geólogo como chefes supremos da nossa Receita Federal. Os assuntos da tributação foram, certamente, vistos como “caso de polícia” ou, quem sabe, como “escavação de poço”.

Qualquer país que pretenda desenvolver-se deve possuir um sistema tributário eficiente, equilibrado e estável. Quando alguém deseja investir num negócio qualquer, precisa ter uma idéia exata sobre os tributos que deverá recolher, sobre os procedimentos burocráticos que deverá observar, enfim, sobre as tais “regras do jogo”.

O mundo atual está pretendendo acabar com os chamados “paraísos fiscais”, que tanto favorecem a corrupção, o narcotráfico, a pirataria e outros crimes. Mas ninguém precisa nem deseja fazer negócios num “inferno fiscal”!

E é justamente o que já criamos no Brasil, com tanta esculhambação que fizemos com o nosso velho quarentão, o CTN.

Fala-se muito em uma nova reforma tributária. Os candidatos à Presidência já falaram nisso e os políticos sempre tocam no assunto. Mas quem é do ramo, quem vive no mundo real, está cansado de saber que não se pretende fazer qualquer reforma tributária, ainda que seja “mini” ou mínima.

A reforma tributária necessária é mais ou menos óbvia. Como o país precisa crescer, a carga de impostos deve ser reduzida, pois a atual, próxima de 40% do PIB, reduz substancialmente a capacidade de investimentos da sociedade. Claro que para reduzir impostos será necessário cortar despesas públicas. Mas não há qualquer indício de que isso esteja sendo estudado por qualquer dos poderes da República.

Outra questão fundamental numa reforma tributária verdadeira é a simplificação da burocracia a que os contribuintes se sujeitam. Disso também não há notícia nas propostas que andam no Congresso.

Mas, além de tudo, será necessário que se obtenha um mínimo de segurança jurídica, para que as regras tributárias não sejam mudadas constantemente. A constante alteração das regras do jogo adia investimentos, inviabiliza planos, inibe o progresso.

Como se sabe, no mundo todo os impostos incidem apenas sobre patrimônio, renda e consumo. Um sistema tributário como o nosso, no entanto, comete verdadeiras heresias ao fazer incidir sobre uma mesma pessoa e ao mesmo tempo um imposto sobre o consumo e outro sobre o patrimônio. Isso acontece, por exemplo, quando se compra um automóvel, que está sujeito ao ICMS e ao IPI (impostos sobre o consumo) e também ao IPVA (imposto sobre o patrimônio).

Há muitos anos estuda-se a fusão do IPI com o ICMS, excluindo-se da incidência os serviços, criando-se um verdadeiro Imposto sobre Valor Agregado. Com isso, o IPVA acabaria, o que poderia ajudar na renovação da frota automotiva, reduzindo a idade média dos veículos em circulação no país.

Todas essas questões, no entanto, não podem ser debatidas na base do improviso. Será necessário um grande debate nacional, que reveja as prioridades nacionais e que refaça o nosso sistema tributário que, nestes 40 anos, foi paulatinamente distorcido.

Hoje não temos um “sistema”, mas apenas um monte de regras nebulosas, instáveis e inseguras, que geram uma enorme confusão, facilitadora da corrupção. A lei que ninguém entende e todos interpretam como bem querem é o meio mais eficaz de gerar litígios e criar dificuldades, favorecendo a venda de facilidades.

Assim, se a grande maioria dos “quarentões” está ainda em grande forma e gozando de boa saúde, o nosso pobre Código Tributário Nacional é, lamentavelmente, um quarentão velho e acabado.

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