Fim de caso

Demissão de Milton Neves custará R$ 2 milhões à Jovem Pan

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20 de outubro de 2006, 13h50

Dois milhões de reais. Esse é valor das verbas trabalhistas que a rádio Jovem Pan terá de pagar para o apresentador Milton Neves, se não conseguir reverter a decisão da 40ª Vara do Trabalho de São Paulo nas próximas instâncias da Justiça trabalhista. O advogado Wieslaw Chodyn, que representa a Jovem Pan, vai recorrer da decisão.

Ivani Gomes da Silva, advogada do Milton Neves, sócia do escritórios Gomes, Previatello Advogados, também promete apelar da decisão. “O reconhecimento da rescisão indireta dentre outros direitos concedidos foi, sem dúvida, um começo importante. Vamos agora aos tribunais lutar pelos demais direitos não reconhecidos em primeira instância”, informa.

O apresentador, que trabalhou por 33 anos na emissora, desligou-se do emprego em 2005. Na ação ele cobra direitos trabalhistas, alegando que foi forçado a pedir demissão depois de ter sido “fritado” e “colocado na geladeira” pela rádio. Alegou também que a Jovem Pan não depositou as comissões sobre cotas de patrocínio, nem reajustava seus salários como determinava as convenções coletivas.

A defesa do radialista também afirma que a emissora ignorou o fato de Milton Neves ter estruturado o departamento comercial da rádio. O argumento foi de que, graças ao talento comercial do apresentador, carisma e do seu jeito de fazer o merchan, Milton Neves teria ajudado a aumentar a receita da empresa. Além disso, era o mentor intelectual e autor da proposta do programa Fim de Jogo/Terceiro Tempo. Tanto que Terceiro Tempo se tornou o nome de uma das suas empresas.

Parte dos argumentos foram aceitos pelo juiz Luis Paulo Pasotti Valente. “Novas frentes de negócios foram abertas tanto para o autor, como para a ré. Milton Neves foi o empregado mais conceituado e respeitado pela reclamada, durante anos, recebendo a eloqüente alcunha de ‘Deus’. Institucionalizou-se uma nova prática publicitária na forma de anunciar produtos e patrocinadores”, reconheceu.

Pessoa jurídica

Mesmo assim, ele afastou o pedido de incluir na indenização as comissões e “cachês” recebidos pelos contratos publicitários. A explicação foi de que o recebimento não fazia parte do contrato de trabalho, já que o dinheiro era pago diretamente às empresas do apresentador.

“Não se nega certa relação de dependência jurídica entre os contratos publicitários aludidos e contrato de trabalho, eis que a execução dos primeiros era facilitada pela existência do segundo. Note-se que a dispensa indireta operada pela reclamada teve como uma das principais causas a alteração na forma de prestação de serviços, o que dificultou a execução daqueles contratos publicitários, ocasionando a diminuição dos ganhos do reclamante. Porém, tal circunstância deve ser mitigada, uma vez que não faz com que cada qual não possa ser isoladamente considerado (negociado e executado), mesmo porque, em tese, a existência de um contrato, por só, não é pressuposto da do outro,” esclareceu.

“Obrigatória a conclusão, conseguintemente, de que todos os valores recebidos ou devidos ao reclamante a título de comissões ou ‘cachês’ decorriam da execução de contratos publicitários, alheios ao e independentes do contrato de trabalho, e não em razão do vínculo de emprego com a reclamada”.

A Rádio Jovem Pan foi condenada a pagar o saldo de salário incluindo horas extras, e qüinqüênio do mês correspondente; aviso prévio, férias proporcionais, acrescidas de um terço; FGTS, acrescido da multa fundiária de 40%; diferenças salariais pela aplicação de reajustes previstos em convenção coletiva de trabalho (radialistas); diferenças de horas extras; descanso semanal remunerado.

“A vitória é moral e não pecuniária. A despedida indireta reconhecida pelo judiciário é uma verdadeira lavada de alma porque ficou provado que eu não pedi demissão, e fui sim colocado para fora em flagrante exemplo de assédio moral”, diz Milton Neves sobre a decisão que o favoreceu.

Leia a decisão

40 ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO – SP

processo n.º 01618200504002008

SENTENÇA

São Paulo, 29 de setembro de 2006.

MILTON NEVES FILHO, qualificado(a) às fls. 03, dos autos, ajuizou reclamação trabalhista em face de RÁDIO PANAMERICANA SA – RÁDIO JOVEM PAN, declinando, em apertada síntese mas na ordem em que articulados, os seguintes fatos: que fora admitido em 01/06/1972, na função de pesquisador, tendo sido o contrato de trabalho anotado em Carteira de Trabalho e Previdência Social apenas em 01/08/1973; que em 31/05/2005 viu-se forçado a considerar rescindido o contrato de trabalho, por dispensa indireta do empregador; que na década de noventa passou a exercer as funções de locutor-comentarista, locutor-entrevistador e locutor-anunciador; que, por conseguinte, enquadra-se na categoria de radialista; que, no período imprescrito, recebeu, a título de remuneração, as seguintes verbas: ´salário fixo´, verba ´fim de jogo/terceiro tempo´, direitos/comissões sobre cotas de patrocínio, comissões sobre cotas comercializadas; que o salário dito indireto não integrou a remuneração, para todos os efeitos; que a reclamada não quitou parte das comissões devidas de janeiro a maio de 2005, relativamente aos clientes Bradesco e Ambev; que os qüinqüênios previstos em convenção coletiva de trabalho eram quitados a menor; que a reclamada não fazia incidir sobre as horas extras devidas e quitadas as parcelas ´fim de jogo/terceiro tempo´ e demais comissões; que a parcela quitada a título de ´fim de jogo/terceiro tempo´ não era considerada para efeito de pagamento do descanso semanal e outros consectários contratuais; que o empregador não corrigiu a remuneração do autor, na forma dos reajustes previstos em convenção coletiva de trabalho, desde o ano de 2000; que o reclamante fora submetido a circunstâncias constrangedoras e ofensivas, sob a perspectiva moral, com o fito de demitir-se do emprego; que apesar de trabalhar em outros veículos de comunicação, o reclamante sempre se empenhou em preservar o contrato de trabalho com a reclamada; que apesar do fato, o reclamante fora ´fritado´ e ´colocado na geladeira´ pela reclamada, através de diversos procedimentos, inclusive com a redução de sua escalação para a apresentação de diversos programas; que sofreu ´perseguição´ dos representantes da reclamada, em razão do que teve sua remuneração reduzida; que o ambiente de trabalho se tornou insustentável; que a reclamada incidiu em faltas contratuais graves, impondo a rescisão do contrato de trabalho ao demandante.


Narrou outros e correlatos fatos, reforçando as teses expendidas.

Formulou, em suma, os seguintes pedidos: declaração do reconhecimento de rescisão indireta do contrato de trabalho; diferenças salariais pela incidência de reajustes coletivos e reflexos; integração das parcelas ´terceiro tempo/fim de jogo´ na remuneração e reflexos; diferenças de qüinqüênios e reflexos; integração dos valores recebidos a título de comissões/direitos sobre comercialização de cotas, observada a tabela da reclamada, na remuneração, seus reflexos e demais consectários correlatos; comissões não quitadas e reflexos; adicional por acúmulo de funções e corolários; verbas rescisórias, assim entendidos saldo de salário, horas extras fixas, descanso semanal remunerado, trezeno proporcional, aviso prévio indenizado, férias proporcionais, acrescidas de um terço, verbas fundiárias e multa equivalente; indenização convencional por tempo de serviço; aplicação do artigo 467, da CLT.

Deu à causa o valor de R$ 31.966.834,28. Juntou documentos. Às fls. 121/125 dos autos aduziu fatos considerados novos, sem alteração dos pedidos. Juntou documentos e provas digitais.

Em defesa, o(a)(s) reclamado(a)(s) apresentou preliminares de inépcia da exordial, de carência de ação e de prescrição qüinqüenal e prescrição total da ação.

Declinou que o reclamante não acumulava funções; que o reclamante se enquadrava na categoria de jornalista e indigitada função exercera no período imprescrito; que o autor se demitiu do emprego; que não havia pagamento de salário indireto; que o reclamante, através de suas empresas, negociava diretamente com os patrocinadores, nos moldes da ´Lei 4.680´ (sic), na condição de publicitário e de agenciador; que referidas transações têm natureza civil; que o reclamante, através de suas empresas, entabulou diversos contratos e acordos publicitários sem qualquer intervenção da reclamada, o que retira a natureza salarial das comissões e ganhos correlatos advindos de tais negócios; que o reclamante não laborou em período sem registro; que o nome ´terceiro tempo´ fora criado pelo diretor-presidente da reclamada, mas que o reclamante o registrou como propriedade de uma de suas empresas, no ano de 1997, sem o conhecimento da reclamada; que o reclamante anunciava sua saída da reclamada mais de um ano antes da data em que a mesma efetivamente ocorrera; que os valores auferidos pelo reclamante a título de comissões e cachês eram recebidos através das empresas do autor (MN Terceiro Tempo Rádio e Publicidade Ltda e Milton Neves Publicidade SC Ltda), mediante emissão da nota fiscal correspondente, inclusive para efeitos fiscais; que através de ajuste escrito o reclamante passou a receber duas horas extras por dia, remuneradas com o adicional contratual de 80%; que a verba ´terceiro tempo´/´fim de jogo´ era quitada com base no mês civil, já remunerando o descanso semanal, não servindo de base de incidência para pagamento de horas extras, eis que relativa a acordo contratual; que indevidos os títulos requeridos com base em convenção coletiva de trabalho, dada a categoria na qual se enquadrava o autor; que o reclamante se demitiu verbalmente; que a reclamada jamais teve a intenção de dispensar o autor; que ante os inúmeros compromissos do autor com outros veículos de comunicação e contratos publicitários passou a não ter tempo para prestar serviços à reclamada; que, mesmo assim, a reclamada concedia aos clientes das empresas do autor descontos abaixo do usual, sobre a tabela de preços; que o nome ´ terceiro tempo´ vinha sendo utilizado pela reclamada desde o ano de 1974 e que, para não ser surpreendida com uma atitude de inopino do autor, que a qualquer momento poderia se desligar da ré, o alterou para ´fim de jogo´, no ano de 2005; que a demandada não ridicularizou e nem submeteu o reclamante a qualquer situação constrangedora; que os clientes das empresas do autor não aceitaram a observância da tabela de preços da ré, sem o aviltamento de preços propostos e até então praticado pelo reclamante; que não ficara nenhuma comissão pendente de recebimento, pelo demandante; que não houve redução ou não pagamento de comissões; que os clientes do reclamante migraram para outros veículos um mês antes de sua saída, especialmente para a emissora Bandeirantes, nova contratante do reclamante; que a reclamada não praticou nenhuma falta grave que ensejasse a rescisão indireta do contrato de trabalho; que as verbas devidas foram regularmente quitadas, através de depósito em conta-corrente. Impugnou demais argumentos deduzidos pelo reclamante e postulou pela improcedência total dos pedidos. Juntou documentos. Manifestação sobre defesa e documentos às fls. 224/270 dos autos, com juntada de documentos. Juntada de documentos pelo reclamante às fls. 292/297 e 302/305 dos autos. Ouvidas as partes em depoimento pessoal (fls. 315/320, dos autos). Ouvidas seis testemunhas, cada três arroladas por uma das partes (fls. 324/333, dos autos). Encerrada a instrução processual. Razões finais escritas pelo autor às fls. 340/373, dos autos. Razões finais escritas pela reclamada às fls. 374/443, dos autos. Propostas conciliatórias rejeitadas. É o relatório.


DECIDE-SE

De início, a fim de se evitar eventual alegação de natureza processual que intente desqualificar o julgado em razão do mesmo ser proferido por juiz diverso do instrutor do feito, invoca-se o entendimento sumulado sob número 136, do C. Tribunal Superior do Trabalho, que prescreve ser inaplicável nesta Justiça Especializada o princípio da identidade física do juiz.

Os pedidos formulados à inicial encontram-se razoavelmente embasados, tendo em vista os fatos jurígenos naquela peça declinados. Encontra-se a petição inicial nos termos do artigo 282, do Código de Processo Civil, não incidindo nos vícios apontados no artigo 295, e incisos, do mesmo estatuto legal.

Ressalte-se que, a despeito da forma pela qual alguns pedidos foram deduzidos, especificamente em relação a reflexos recíprocos, em afronta ao princípio de direito ´non bis in idem´, o que será oportunamente analisado, se for o caso, não se vislumbra vício que tenha inviabilizado a elaboração de defesa. Conseguintemente, rejeito a preliminar de inépcia.

Ato contínuo, observe-se que os fatos e requerimentos articulados guardam satisfatória relação entre si, quer no que tange à parte arrolada no pólo passivo da demanda, à possibilidade jurídica dos pleitos ou ao interesse de agir. Fazem vislumbrar o direito a um provimento jurisdicional de mérito. Ademais, se o reclamante, na condição de pessoa física, está a requerer em nome de terceiros (pessoas jurídicas da qual é sócio), tal como alegado em defesa, não o fez na peça vestibular, remetendo a análise da questão ao conhecimento do mérito. Não se constatando a ausência de qualquer das condições da ação, afasto a preliminar suscitada.

Acolho a preliminar de prescrição qüinqüenal, nos termos do inciso XXIX, do artigo 7º da Constituição Federal, para declarar prescritos eventuais direitos vencidos até 12/07/2000, observada a data de distribuição da ação, 12/07/2005 (fls. 02, dos autos), inclusive no que tange a verbas fundiárias (do período prescrito, que não se confunde com a multa fundiária devida quando da dispensa sem justa causa), vez que o dispositivo constitucional suso aludido não excepcionou qualquer direito laboral do seu alcance.

Por outro lado, rejeito a preliminar de prescrição total da ação, vez que todos os títulos pleiteados decorrem, em tese, da violação a dispositivos não só contratuais, mas também consolidados, quando não constitucionais, não sendo o caso, em qualquer hipótese, de aplicação do entendimento inscrito na súmula 294, do C. Tribunal Superior do Trabalho.

Dada a publicidade conferida à lide em razão da condição das partes que a compõe, inclusive como demonstram as provas documentais trazidas à colação de lado a lado (p. ex, doc. fls. 305, 2o. vol.), atenta este juízo que o feito será decidido nos estritos limites impostos pelo artigo 128, do Código de Processo Civil, bem como com os poderes que lhe confere o artigo 131, do mesmo diploma legal, atendo-se ao princípio da livre persuasão racional, abstendo-se, no entanto, de tecer considerações de ordem moral ou pessoal dispensáveis.

Quanto à natureza da terminação contratual, razão assiste ao reclamante. Incidiu a reclamada, efetivamente, em condutas que impuseram ao autor a necessidade de dar por rescindido o contrato de trabalho. É válido notar que, conforme melhor inteligência do parágrafo 3o, do artigo 483, da Consolidação das Leis do Trabalho, mormente considerando os fatos que motivaram a rescisão contratual, seria desnecessária a continuidade da prestação de serviços até decisão final ou até mesmo o ajuizamento da demanda.

Em verdade, a rescisão do contrato de trabalho na forma do dispositivo legal citado é dita ´indireta´ porque o responsável pela terminação da relação incide em conduta que a torna insustentável, sem, contudo, admitir o fato, sobretudo considerando se tratar da parte que detém o poder diretivo sobre a prestação de serviços, sendo que a declaração sobre a existência da prática de falta grave depende de terceiro alheio ao contrato de trabalho, já que o empregador não admitirá a própria culpa. Irrelevante, portanto, se o ajuizamento da ação se dera antes ou depois da efetiva cessão da prestação de serviços.

Como é de conhecimento de toda a mídia especializada, e até mesmo do grande número de rádio ouvintes da reclamada, bem como dos telespectadores de programas esportivos, trata-se o demandante de um dos mais renomados jornalistas e comentaristas esportivos do país, cuja bem sucedida carreira teve início e se consolidou junto à empresa ré, ao longo de mais de trinta anos de serviços prestados. Nessa empresa, adquiriu notoriedade como ´apresentador´ do programa denominado ´terceiro tempo´, dentre outros. Tais fatos são incontroversos e estão amplamente demonstrados pela farta documentação acostada aos autos (p.ex: revista ´placar´, 20/04/1987, doc. 24, vol. docs.; jornal ´gazeta esportiva´, 16/08/1992, doc. 35, vol. docs.; relação de e-mails enviadas pelos ouvintes da reclamada, docs.580/617, vol. docs.).


A despeito da autoria intelectual do programa não pertencer ao reclamante, o fato é que seu nome restou intrinsecamente vinculado ao indigitado programa esportivo, até mesmo justificando o registro de sua propriedade intelectual (do nome ´terceiro tempo´), no ano de 1997, por uma das empresas por si constituídas, dado, aliás, noticiado pela própria demandada. Se o autor o fez com ou sem o conhecimento da ré, a verdade é que esta aceitou passivamente a situação por mais de oito anos, sem proceder a qualquer alteração no nome do programa, consoante se extrai do depoimento pessoal do representante da empresa, às fls. 319, dos autos.

Apura-se, ainda, com base no depoimento pessoal de ambas as partes, que ao longo desses anos todos o reclamante passou a explorar comercialmente, com ciência, concordância e apoio da reclamada, os horários publicitários disponíveis na programação da ré, vinculando, inclusive, sua ´imagem´ (voz) aos patrocinadores do programa ´terceiro tempo´ e outros.

A prova oral suso aludida denuncia, também, que o reclamante negociava ´sponte propria´ e com grande autonomia com os patrocinadores e anunciantes dos programas, através de suas empresas, a comercialização dos horários publicitários correlatos, inclusive através da cessão de cotas, pela reclamada, àquelas.

Independentemente da natureza (remuneratória ou de natureza puramente civil) dos valores recebidos pelo autor em razão dos negócios referidos, seja pessoalmente ou através de suas empresas, a relação jurídico-econômica estabelecida pelas partes, através da prática instituída ao longo do tempo, gerou determinada situação econômica que fez com que o empregado se mantivesse vinculado a ré, assumindo compromissos (ou deixando de assumi-los) dadas as expectativas de ganho.

Note-se que se a empresa tolerou e estimulou a prática narrada é porque também se beneficiou dela, tanto ou mais que o seu empregado. Tome-se como exemplo os descontos concedidos pela ré, sobre a tabela ordinária de preços praticados, aos ´clientes´ prospectados pelo demandante (fato também reconhecido em depoimento pessoal), com a ressalva de que se aludidos descontos eram negociados apenas pelo reclamante, como alega a empresa, observa-se que esta não estava vinculada, de qualquer forma, à ´obrigação´ contraída pelo autor, eis que ele negociava em nome próprio, como dito em depoimento pessoal.

Pois bem, instalada a situação descrita, nas circunstâncias em que se deu, qualquer alteração relevante no ´status quo´ jurídico-econômico que revertesse em prejuízo a alguma das partes poderia sim ensejar a rescisão contratual, por culpa do agente da alteração, especialmente se o prejudicado fosse o empregado. E foi o que ocorreu.

Em defesa, a reclamada admitiu a mudança do nome do principal programa apresentado pelo reclamante, de ´terceiro tempo´ para ´fim de jogo´. Não se questiona o poder da reclamada, decorrente do ´ius variandi´ que lhe assiste, de proceder a mudanças do gênero, em tese. Ocorre que, no caso em questão, o prejuízo causado ao empregado é flagrante, vez que a força e o apelo publicitário do nome do programa consolidados ao longo de décadas eram evidentemente considerados pelos anunciantes e patrocinadores, dos quais o autor também recebia. Mas não é só.

O nome do programa ´terceiro tempo´ não só fora alterado, como o fora para nome com dupla conotação, ´fim de jogo´, ou seja, uma alusão à verdadeira intenção da reclamada de romper sua relação com o empregado. É o que se conclui se associada tal atitude às informações colhidas no depoimento prestado pela testemunha Marcos Roberto Rosendo (fls. 324).

Como informado pela testemunha citada, o reclamante, a partir do ano de 2004, passou a ter sua escalação para participação em transmissões reduzida, sendo que quem deliberava sobre a mesma era próprio diretor-presidente da reclamada (sr. Tuta), principalmente para os eventos esportivos mais importantes, tais como os jogos de futebol de quarta-feira e domingo (fls. 324 e 325, dos autos). Até mesmo a testemunha ouvida pela reclamada, sr. José Antônio de Carvalho, declinou que com ´´a alteração do nome do programa, as vinhetas do ´terceiro tempo´ foram tiradas do ar´´ (fls. 330), fato, aliás, também consignado no depoimento testemunhal do sr. Rosendo, que disse que ´no período de ´´congelamento´´, as vinhetas gravadas pelo reclamante também foram tiradas do ar´ (fls. 325) . Saliente-se que as alterações mencionadas eram feitas sem qualquer participação direta ao reclamante, que tomava ciência de tudo através de terceiros (cf. depoimento testemunhal).

Vez que os ganhos do autor estavam intrinsecamente ligados aos contratos de publicidade que intermediava, firmava e executava, revestindo-se de caráter ´intuito personae´ decorrente da exploração de sua própria imagem (em sentido lato), a diminuição de sua participação na programação da reclamada, presencialmente ou através de gravações, prejudicou sobremaneira o equilíbrio econômico da relação contratual havida entre as partes.


Não havia motivo explícito para que a reclamada assim procedesse, porque o autor sempre fora empregado exemplar e cumpridor das determinações que lhes eram direcionadas, segundo as declarações prestadas pelo representante da reclamada, em juízo, e também pela testemunha Marcos Roberto Rosendo.

Com a redução da participação do autor na programação da reclamada e as alterações havidas, houve efetiva redução do número de anunciantes, ante o informado pela testemunha já mencionada, às fls. 325, dos autos.

Não bastasse, a reclamada, através de seus representantes, também passou a constranger o autor, publicamente, quando, por exemplo, o ironizou quando um de seus vaticínios futebolísticos não fora confirmado (resultado do jogo São Paulo e Corinthians), especificamente através de um comunicado, do qual constou os dizeres ´vejam só, até Deus (como o autor era chamado dentre seus pares, na ré) errou, encerrou dizendo que o Fim de Jogo começava a ganhar corpo, sendo que muito em breve nós não nos lembraremos do falecido Terceiro Tempo´ (declaração testemunhal, fls. 325).

As planilhas de inserção trazidas à colação pelo reclamante demonstram uma sensível diminuição da participação de seus ´clientes´ nos horários publicitários da ré.

Finalmente, entende-se que, uma vez que não houve consenso na forma de resilição contratual, dados os problemas havidos, pouco importam as declarações de intenções das partes no momento que antecedeu a ruptura da relação jurídica. Tentou-se o acordo, o que não aconteceu. Os motivos e intenções que deram ensejo à tentativa conciliatória extrajudicial não alteram o estado e as circunstâncias contratuais instaladas na ocasião, remetendo-se ao poder judiciário a análise sobre o mérito da questão.

Diante das circunstâncias alegadas e comprovadas, é forçoso concluir que o reclamante sofrera inconteste assédio moral e pressão econômica, por parte da reclamada, com desejados e evidentes reflexos na esfera econômico-contratual, com o claro intuito de constrangê-lo a desligar-se da empresa, por iniciativa própria, tendo a demandada, por conseguinte, incidido, no mínimo, na conduta prevista na alínea ´g´, do artigo 483, da Consolidação das Leis do Trabalho.

Não obstante, despiciendas maiores considerações doutrinárias acerca da figura jurídica do assédio moral, considerando a tipificação legal da justa causa referida e a ausência de pedido de reparação de danos daquela ordem (indenização por danos morais).

Prospera, destarte, o pleito de reconhecimento da dispensa indireta do autor, em 31 de maio de 2005, bem como os pedidos de: 1 – saldo de salário, incluindo verba ´horas extras fixas´ e qüinqüênio do mês correspondente; 2 – aviso prévio indenizado, computado no tempo de serviço para pagamento de todos os consectários rescisórios; 3 – trezeno proporcional; 4 – férias proporcionais, acrescidas de um terço; 5 – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço sobre itens 1 a 3 retro, acrescido da multa fundiária de 40%; 6 – multa fundiária de 40%, sobre a integralidade dos depósitos efetuados em conta-vinculada.

Há que se ressaltar que a verba quitada a título de ´horas-extras fixas´, conforme descrito às fls. 193 dos autos, era quitada independentemente de serem prestadas ou não, tendo a sua paga aderido ao contrato de trabalho, para todos os efeitos, razão pela qual acima deferidas.

Deverá a reclamada proceder à anotação do término do contrato de trabalho na CTPS do(a) reclamante, na data de 31 de maio de 2005. A obrigação deverá ser cumprida em oito dias, independentemente do trânsito em julgado da decisão, sob pena de fazê-lo a Secretaria da Vara. Transitada em julgado, expeça-se alvará de levantamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, em favor do reclamante.

Diante a determinação supra, prejudicada a análise do pleito de fornecimento de termo de rescisão contratual.

Tendo o contrato de trabalho transcorrido por mais de ano, a quitação de qualquer valor rescisório deveria ser operada com a assistência do sindicato da categoria ou de autoridade administrativa ou em juízo, pelo meio próprio. Mero depósito bancário, além de não ter valor legal (para os efeitos consolidados – parágrafo 1o, artigo 477) se não acompanhado da respectiva rescisão homologada, não se presta a qualquer fim, até porque que não discrimina os supostos títulos quitados, sendo inviável inclusive para efeitos de compensação, porque pode muito bem se referir a outras causas (de outra natureza jurídica).

Considerando a controvérsia havida acerca da natureza da dispensa, inviável a aplicação do artigo 467, da CLT.

No rol de pedidos transcritos à peça vestibular (item 149 a 161, fls. 79 a 88) não há qualquer menção à multa do artigo 477, p. 8o, da CLT. Certo que só devem ser analisados pleitos expressamente formulados, o que é requisito da petição inicial, inclusive porque representam um dos limites da lide, nada a deferir quanto à questão.


Diante das alegações iniciais e da defesa, há que se apreciar, incidentemente, a controvérsia surgida acerca da questão que envolve a aplicação das convenções coletivas de trabalho à relação, dado que configura questão prejudicial à solução da lide, quanto aos pedidos de reajustes salariais, diferenças qüinqüênio e indenização por tempo de serviço.

Os incisos III e VI, do artigo 8º, da Constituição da República, instituíram a denominada representação coletiva automática, o que impede às categorias econômicas ou profissionais declinarem da representação sindical existente na sua base (II, artigo 8º, CF).

Por outro lado, o Diploma Consolidado dispõe, nos parágrafos 1º e 2º, do seu artigo 511, sobre a definição de categorias econômicas e profissionais, respectivamente, repetindo, às alíneas ‘a’ e ‘b’, do artigo 513, a mesma representação automática e obrigatória, prevista na Lex Legum. Ressalte-se que a categoria profissional, no caso, é definida em razão da atividade econômica do seu empregador.

Depreende-se dos autos que os instrumentos coletivos colacionados pelo reclamante dizem sim respeito à categoria econômica da qual faz parte a reclamada, vez que figurou nos mesmos, como entidade convenente, o sindicato das empresas de rádio e televisão no estado de São Paulo.

Portanto, reputa-se irrelevante para o enquadramento sindical para qual entidade contribui o trabalhador ou até mesmo o empregador. O mesmo se diga em relação à profissão do empregado, exceto no caso de categoria diferenciada, quando existente convenção coletiva de trabalho, acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa em que o respectivo sindicato profissional tenha intervindo junto ao sindicato patronal da categoria econômica da empresa do empregado. A representatividade sindical, como dito, é automática e indeclinável, para empregados e empregadores.

Nesse sentido, transcreve-se o entendimento firmado pelo C. Tribunal Superior do Trabalho, maior instância judiciária na área trabalhista, através da súmula 374:

‘Norma coletiva. Categoria diferenciada. Abrangência. Empregado integrante de categoria profissional diferenciada não tem o direito de haver de seu empregador vantagens previstas em instrumento coletivo no qual a empresa não foi representada por órgão de classe de sua categoria.’

Impera, assim, concluir pela aplicabilidade dos instrumentos coletivos carreados pelo autor à relação sub judice.

Exceto no que tange aos pedidos de diferenças de qüinqüênio e de indenização por tempo de serviço, o fato impeditivo oposto quanto ao pleito de diferenças salariais por reajustes coletivos refere-se apenas à inaplicabilidade das convenções coletivas de trabalho colacionadas pelo autor.

Quanto ao pedido de diferenças de qüinqüênio pela observância de percentual previsto em convenção coletiva de trabalho, carece de razão o autor. Com efeito, o reclamante pleiteia a aplicação do percentual de 12%. Ocorre, no entanto, que já no ano de 2000 a reclamada aplicava percentual superior. Tome-se como exemplo o recibo de pagamento de abril de 2000 (doc. 44, vol. I), no qual o percentual observado montava aproximadamente 15%. Assim, indefiro o pedido citado, bem como seus consectários correlatos e reflexos.

A convenção coletiva de trabalho do período 2004/2005 teve seu prazo de vigência expirado em abril de 2005 (cláusula 48a). A dispensa do reclamante ocorrera em maio de 2005. Logo, impõe-se o indeferimento do pedido de indenização adicional convencional por tempo de serviço.

No mais, considerando que o fato impeditivo ao pleito diferenças salariais era a inaplicabilidade dos instrumentos coletivos carreados pelo autor que fixam a obrigação, superada a questão, deferem-se ao reclamante: 7 – diferenças salariais pela aplicação de reajustes previstos em convenção coletiva de trabalho (radialistas), bem como seus reflexos em 8. descanso semanal remunerado, 9. trezenos, 10. qüinqüênios e ´horas extras fixas´, 11. férias, acrescidas de um terço, 12. aviso prévio indenizado e 13. Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, acrescido da multa fundiária de 40%, autorizada a compensação dos valores quitados sob as mesmas rubricas (reajustes salariais concedidos com base na convenção coletiva de trabalho então aplicada pela reclamada).

Requer o autor adicional de dupla função, com fulcro na Lei 6.615/78, por ter exercido as ´funções´ de locutor-anunciador, locutor-comentarista e locutor-entrevistador (fls. 06 e 10, dos autos).O reclamante deixa claro, em réplica, que o pedido de adicional por acúmulo de função refere-se às três atividades retro mencionadas e que se limita a um único adicional (fls. 241, segundo parágrafo).

Vez que a questão jurídica controvertida (e já dirimida) acerca de qual estatuto coletivo se aplica à relação não está diretamente vinculada à definição do conceito legal de ´radialista´, eis que a primeira se insere no âmbito do direito coletivo do trabalho e a segunda no âmbito do direito individual do trabalho, impõe-se o enfrentamento desta, porque suscitada pelas partes.


Nos termos do artigo 2o, do Decreto 84.134/79, que regulamenta a Lei 6.615/78, entende-se por radialista o profissional que se ativa em empresa de radiodifusão, que é o caso da reclamada, e que exerça função estabelecida no anexo do regulamento. Nas alíneas ´1´, ´2´, ´3´ e ´4´, do subitem ´F´, do item II, do quadro anexo ao regulamento citado, define-se o que seja locutor-anunciador, locutor-apresentador, locutor-comentarista esportivo e locutor esportivo.

Por mais que se questione, com base na descrição de atribuições de cada subdivisão mencionada, consignadas no anexo ora analisado, conclui-se que as atividades exercidas pelo reclamante se imiscuíam, em maior ou menor grau, com todos os rótulos referidos, restando inconteste a sua condição de radialista profissional. Se observadas a data de admissão do empregado (anterior à promulgação da própria lei que regulamenta a atividade), a larga e notória experiência do mesmo no meio profissional (e fora dele) e ante os termos do inciso III, do artigo 7o, da Lei 6.615/78, desnecessária a análise da questão que envolve o atestamento de sua capacitação profissional e o registro correlato.

Não obstante, dispõe o ´caput´, do artigo 13, da Lei 6.615/78, que o adicional de dupla função é devido quando ocorre a cumulação de funções dentro de um mesmo setor, assim apuradas com base na classificação transcrita no artigo 4o, da mesma Lei. Este, por seu turno, subdivide a atuação do profissional radialista em três setores (administração, produção e técnica).

Consoante o parágrafo 2o, do artigo 4o, do diploma legal aludido, dentro do setor de produção há as seguintes atividades: autoria, direção, produção, interpretação, dublagem locução, caracterização e cenografia.

Interpretação teleológica e sistemática dos dispositivos em questão conduz à necessária conclusão de que a atividade de locução, em si, é uma só, para os efeitos da lei. Seria devido o adicional requerido se, dentro do setor de produção, o reclamante, além da locução, cumulasse outra função dentre as demais arroladas (autoria, direção, produção, interpretação, dublagem, caracterização ou cenografia), o que não era o caso.

Note-se que a lei em análise veda que, em razão de um mesmo contrato de trabalho, estipule-se a prestação de serviços em setores diferentes (artigo 14), assim definidos pelo também artigo 4o.

Logo, se o reclamante exerceu as ´funções´ de locutor-comentarista, locutor-entrevistador e locutor-anunciador, para os efeitos da Lei 6.615/78, exerceu apenas a função de locutor, não sendo devido, por conseguinte, qualquer adicional. Indefiro, conseqüentemente, o pleito em questão, bem como seus corolários requeridos.

Requer o autor a integração do ´salário indireto´ na remuneração e diferenças de consectários laborais, tais como descanso semanal remunerado, trezenos, férias, horas extras, verbas fundiárias, verbas rescisórias, entre outros, em razão da necessária alteração da base de cálculo, para efeito de pagamento destes.

Declina em exordial que o salário dito ´indireto´ decorria de um comissionamento pela intermediação e execução de contratos publicitários com anunciantes e patrocinadores da empresa demandada. Segundo o obreiro, recebia parte da cota central reativa aos programas ´terceiro tempo´ e ´jornal de esportes´ e comissionamento sobre cotas dos programas ´plantão de domingo´ (10%, mais 5% quando era o próprio contato da venda) e ´terceiro tempo´ (10% sobre segunda cota central).

Pede, ainda, diferenças de comissões pela aplicação dos percentuais contratuais de comissionamento sobre a tabela de preços praticada pela reclamada, desconsiderados os valores efetivamente negociados (negociados com deságio), bem como diferenças de comissões relativas ao período de janeiro a maio de 2005, dos clientes ´Bradesco´ e ´Ambev´. Atribui natureza salarial às verbas retro citadas, insistindo no pagamento das diferenças correlatas e seus reflexos e demais corolários lógicos e jurídicos.

Carece de razão o demandante em todos os pedidos imediatamente elencados, isto porque não recebeu as comissões e pagas de mesma natureza (ou deixou de recebê-las, no caso das diferenças de comissões do período de janeiro a maio de 2005) na condição de empregado.

Inicialmente, ressalta o juízo que entre dois sujeitos de direito é absolutamente possível que haja mais de uma relação jurídica em vigor, de ordem contratual ou não, simultaneamente e em perfeita harmonia, mesmo quando uma delas é um contrato de trabalho. E é o que ocorria, no caso ´sub judice´.

As décadas de exposição do autor na mídia, aliadas ao seu carisma e à proficiência com a qual sempre exerceu seu mister lhes conferiram tamanhas notoriedade e credibilidade que agregaram à sua imagem valor econômico de expressão tal que remeteram o próprio contrato de trabalho a um segundo plano, sob a perspectiva financeira (mas não jurídica!).


Com efeito, em decorrência dos fatos acima aludidos novas frentes de negócios foram abertas tanto para o autor, como para a ré. É o que se extrai de todo o conjunto probatório dos autos. Consoante os depoimentos testemunhais, o demandante fora o empregado mais conceituado e respeitado na reclamada, durante anos, recebendo a eloqüente alcunha de ´Deus´. Institucionalizou uma nova prática publicitária na forma de anunciar produtos e patrocinadores. Avançou sobre outras mídias (televisão e jornal), expandido seu nome e sua marca (´terceiro tempo´). Galgou para a demandada como anunciantes as maiores empresas do país nos respectivos setores de atuação, tomando-se como exemplo indústrias de bebidas e bancos.

Indigitadas circunstâncias impuseram ao reclamante que constituísse uma empresa, denominada pelo próprio como ´Muzamba´, nos idos de 1982 e 1983, para gerir os negócios que então estavam surgindo, como declarado em depoimento pessoal. Por extrapolar os limites legais de faturamento, dada a forma social adotada, o reclamante se viu premido a constituir duas novas empresas, com o mesmo fim quais sejam, ´MN 3o Tempo´ e ´Milton Neves Publicidade´, respectivamente nos anos de 1995/96 e 2000/01 (também reconhecido em depoimento pessoal).

As peculiaridades próprias à relação paralela que se estabeleceu entre as partes fizeram com que o autor construísse um grande empreendimento publicitário, composto de três empresas, com mais de oitenta funcionários, que atuavam de forma independente, sem qualquer intervenção da reclamada, viabilizando a realização de elevados lucros em favor do demandante. Neste sentido, transcrevem-se suas declarações (do sr. Milton Neves), prestadas em depoimento pessoal, às fls. 316:

´(…) que a empresa Milton Neves Publicidade foi constituída acredita o reclamante em 2000 ou 2001 e a empresa MN 3o tempo foi constituída em 1995/96; que primeiro o depoente constituiu a empresa ´´Muzamba´´ em 1982/83; que esta empresa extrapolava os limites de faturamento e o próprio sr. Tuta sugeriu que o depoente abrisse outras empresas (…); que, contando as três empresas, estas empregam cerca de oitenta funcionários´

Através dos seus empreendimentos publicitários, o reclamante prospectava clientes e agenciava contratos, sendo que, mesmo naqueles em que referido processo não ocorria, intervinha na condição de executante dos aludidos negócios, negociando o próprio ´cachê´, eis que viabilizados apenas pela sua locução durante a programação da reclamada. A atuação do autor, diretamente ou através de suas empresas, nos contratos aludidos, não sofria qualquer intervenção da reclamada, ou seja, o demandante o fazia com total autonomia e sem qualquer subordinação (ressalte-se – na efetivação e execução dos contratos).

Evidentemente que, exceto a execução propriamente dita de cada contrato (locução), todo o restante da efetivação dos contratos poderia e era realizado através de terceiros, no caso, as próprias empresas do autor e seus funcionários, ou seja, não havia a pessoalidade, durante todo o processo. Outro aspecto a ser mencionado é o de que as comissões e cachês eram negociados pelo autor, com a reclamada, e não fixado unilateralmente por esta, como ordinariamente se observa, em contratos de trabalho com simples comissionamento. Como se não bastasse, o recebimento dos haveres correlatos, comissões e cachês, não era feito em folha de pagamento e nem pela reclamada, mas sim através das empresas mencionadas e pelos próprios contratantes, inclusive com o devido registro fiscal de tais operações. Tudo isso é o que se depreende das declarações prestadas pelo reclamante, em juízo (depoimento pessoal, fls. 316/317):

´(…) que não havia exclusividade entre as empresas do reclamante e a reclamada; que as cotas de comercialização eram direcionadas às pessoas jurídicas, sendo emitidas as respectivas notas fiscais; (…) que o depoente negociava todas as contratações com o sr. Tuta, seu filho e diretores, por ser norma da empresa; (…) que a ´Milton Neves 3o Tempo´ recebia dos anunciantes, sendo emitida a fatura por aquela empresa; que a MN 3o Tempo repassava a parte devia à reclamada; (…) que em relação a seus anunciantes, a MN 3o Tempo tinha o procedimento conforme descrito, sem exceção; que o depoente autorizava o repasse, sendo o documento pertinente (sic); que as notas fiscais comprovam a negociação com a reclamada; (…) que o depoente não comunicava, nem a reclamada queria saber, quanto o depoente recebia de ´´cachê´´; que estes valores também eram contabilizados através de notas fiscais; que o reclamante é ´´garoto propaganda´´ de empresas multinacionais: Ambev, Schincariol (foi), Antártica, Philco, Pilha Panasonic, entre outras; que os pagamentos oriundos deste fato também são contabilizados através de notas fiscais; (…) que o reclamante não comunicava sobre os valores das cotas, porque o sr. Tuta nem queria saber sobre isso; (…) que cerca de 90% dos anunciantes eram comercializados pelas empresas do depoente.´


Como dito anteriormente, na relação jurídica havida entre o autor e a reclamada, paralela ao contrato de trabalho e independente deste, a expressão econômica dos empreendimentos publicitários do reclamante era muito maior do que a decorrente do vínculo laboral, sendo que os negócios prospectados eram levados a efeito pelo demandante, direta ou indiretamente, mas sem qualquer intervenção da ré, com ampla autonomia (ausente, portanto, a subordinação), recebendo os haveres correspondentes diretamente e dos próprios anunciantes e patrocinadores (ou seja, sem natureza salarial), sem a sua participação direta e necessária em todo o processo (a prestação de serviços era realizada pelas empresas, como um todo, e não apenas pela pessoa física do reclamante – prejudicada a pessoalidade).

Não se nega certa relação de dependência jurídica entre os contratos publicitários aludidos e o contrato de trabalho, eis que a execução dos primeiros era facilitada pela existência do segundo. Note-se que a dispensa indireta operada pela reclamada teve como uma das principais causas a alteração na forma de prestação de serviços, o que dificultou a execução daqueles contratos publicitários, ocasionando a diminuição dos ganhos do reclamante. Porém, tal circunstância deve ser mitigada, uma vez que não faz com que cada qual não possa ser isoladamente considerado (negociado e executado), mesmo porque, em tese, a existência de um contrato, per se, não é pressuposto da do outro.

Obrigatória a conclusão, conseguintemente, de que todos os valores recebidos ou devidos ao reclamante a título de comissões ou ´cachês´ decorriam da execução de contratos publicitários, alheios ao e independentes do contrato de trabalho, e não em razão do vínculo de emprego com a reclamada, motivo pelo qual declaro improcedentes os pedidos de integração de comissões e cachês na remuneração, de diferenças de comissões pelo não pagamento e por observância da tabela de preços praticada pela ré, vencidas e vincendas, e de diferenças dos demais consectários laborais contratuais pelo recálculo dos valores pagos com base no salário incontroverso.

Os recibos de pagamento juntados aos autos demonstram que a reclamada computava na base de cálculo a verba ´horas extras fixas´, para pagamento dos demais consectários contratuais, inclusive do descanso semanal. O mesmo se diga em relação ao adicional noturno e à verba ´terceiro tempo´. Tome-se como exemplo o holerite do mês de novembro de 2003 (doc.88), no qual há a discriminação de pagamentos a título de ´salário´, de ´horas extras fixas´ e do ´dsr hr.extra/adicional´, este correspondente aos reflexos daqueles. Quanto à verba ´terceiro tempo´ (ou ´fim de jogo´), nota-se que esta era quitada com base no mês completo (trinta dias), independentemente dos dias laborados, o que faz concluir que remunerava o descanso semanal, também. Nesse mesmo diapasão, observa-se que todos valores quitados sob as rubricas citadas eram considerados para o pagamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (vide item ´base de cálculo F.G.T.S´ dos holerites, p.ex., doc. 86, referente ao mês de setembro de 2003). O valor do trezeno do ano de 2003, cujas duas parcelas montaram os valores de R$ 19.045,99 (doc. 89) e de R$ 35.248,88 (doc. 93), denuncia que a reclamada computou em sua base de cálculo, pelo menos, os valores pagos sob as rubricas ´salário´, ´horas extras fixas´, ´dsr. hr. extra/adicional´ e ´terceiro tempo´. Destarte, não há se falar em diferenças pela não integração de valores pagos sob indigitadas rubricas na remuneração, com a ressalva abaixo exposta.

O consectário ´terceiro tempo´ (ou ´fim de jogo´) era habitualmente pago, sendo considerado para todos os efeitos, na forma do parágrafo 1o, do artigo 457, da Consolidação das Leis do Trabalho, como já exemplificado. No entanto, não era considerado no pagamento das ´horas extras fixas´. Ao contrário do que alega a reclamada, a alteração contratual havida no curso do contrato de trabalho não pode ser considerada regular, eis que pressupõe a cisão da prestação de serviços, ocasionado o pagamento destacado de cada programa apresentado pelo reclamante, em razão de um mesmo contrato de trabalho, reduzindo a repercussão da verba, nos demais consectários contratuais. Afronta aos preceitos insculpidos nos artigos 468 e 457, p. 1o., ambos da Consolidação das Leis do Trabalho.

O adicional contratual de horas extras, conforme anotações em Carteira de Trabalho e Previdência Social, era o de 80%, devendo ser observado, para todos os efeitos (artigo 468 consolidado).

Deferem-se, ao autor, assim: 14 – diferenças de horas extras pela integração da verba ´terceiro tempo/fim de jogo´ na remuneração, observado o adicional contratual de 80%, e seus reflexos em 15. descanso semanal remunerado, 16. trezenos, 17. qüinqüênios, 18. férias, acrescidas de um terço, 18. aviso prévio indenizado e em 19. Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, acrescido da multa fundiária de 40%.


Improcedem os pedidos de reflexos em ´outros adicionais´ eis que não fundamentados em causa de pedir, bem como de reflexos em ´média de horas extras´, pelas mesmas razões, o que, porém, não prejudicou a elaboração de defesa.

Exceto aquela expressamente mencionada e autorizada, não há se falar em compensação, inexistindo nos autos a comprovação da quitação de títulos correspondentes àqueles decorrentes da condenação. Não se compensam dívidas de origens diversas.

A simples ausência de pagamento o qual ensejaria a incidência de obrigações fiscais e previdenciárias não transfere ao responsável tributário o encargo de responder pelos recolhimentos devidos pelo beneficiário da disponibilidade econômica. Descontos fiscais e previdenciários autorizados, na forma da súmula 368, II e III, do C. Tribunal Superior do Trabalho, devendo a reclamada comprovar o seu recolhimento em 48 horas do efetivo pagamento, sob pena de expedição de ofícios à Receita Federal e ao Instituto Nacional do Seguro Social.

O imposto de renda devido deve incidir sobre o valor total a ser pago ao(à) reclamante, descontadas as verbas previstas em lei, eis que na declaração anual de ajuste o(a) mesmo(a) pode reaver o que fora recolhido a maior, conforme a sua situação fiscal, na qualidade de contribuinte.

A delimitação do quantum debeatur, o que inclui os parâmetros para a sua elaboração, é matéria que tem seu termo inaugural com a citação para pagamento ou garantia do juízo (art. 880, Consolidação das Leis do Trabalho). Ensina o ilustrado juiz Francisco Antonio de Oliveira, em sua obra ‘A execução na Justiça do Trabalho’ (editora RT, 4a edição, 1999, pág. 67), que a sentença de conhecimento fixa o an debeatur, cabendo à fase de liquidação a integração daquela decisão. Sem o trânsito em julgado da decisão, inexiste lide, em sentido estrito, acerca da fixação do débito. Resta concluir, portanto, que o quantum devido será apurado em regular liquidação de sentença.

Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE a reclamação trabalhista proposta por MILTON NEVES FILHO em face de RÁDIO PANAMERICANA SA – RÁDIO JOVEM PAN, para condenar o(a) reclamado(a) a pagar ao(à) reclamante: 1 – saldo de salário, incluindo verba ´horas extras fixas´ e qüinqüênio do mês correspondente; 2 – aviso prévio indenizado, computado no tempo de serviço para pagamento de todos os consectários rescisórios; 3 – trezeno proporcional; 4 – férias proporcionais, acrescidas de um terço; 5 – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço sobre itens 1 a 3 retro, acrescido da multa fundiária de 40%; 6 – multa fundiária de 40%, sobre a integralidade dos depósitos efetuados em conta-vinculada, ao longo de todo o pacto laboral; 7 – diferenças salariais pela aplicação de reajustes previstos em convenção coletiva de trabalho (radialistas), bem como seus reflexos em 8. descanso semanal remunerado, 9. trezenos, 10. qüinqüênios e ´horas extras fixas´, 11. férias, acrescidas de um terço, 12. aviso prévio indenizado e 13. Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, acrescido da multa fundiária de 40%, autorizada a compensação dos valores quitados sob as mesmas rubricas (reajustes salariais concedidos com base na convenção coletiva de trabalho então aplicada pela reclamada); 14 – diferenças de horas extras pela integração da verba ´terceiro tempo/fim de jogo´ na remuneração, observado o adicional contratual de 80%, e seus reflexos em 15. descanso semanal remunerado, 16. trezenos, 17. qüinqüênios, 18. férias, acrescidas de um terço, 19. aviso prévio indenizado e em 20. Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, acrescido da multa fundiária de 40%. Observe-se a prescrição qüinqüenal.

Deverá a reclamada proceder à anotação do término do contrato de trabalho na CTPS do(a) reclamante, na data de 31 de maio de 2005. A obrigação deverá ser cumprida em oito dias, independentemente do trânsito em julgado da decisão, sob pena de fazê-lo a Secretaria da Vara. Transitada em julgado, expeça-se alvará de levantamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, em favor do reclamante.

Custas pelo(a) reclamado(a), no importe de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), calculadas sobre o valor da condenação, ora arbitrado em R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), que em nada guarda relação com o valor dado à causa, sendo que este nem sempre se coaduna com o disposto no artigo 259, II, do Código de Processo Civil.

A liquidação de sentença dar-se-á na forma a ser fixada após o trânsito em julgado da decisão, considerando-se como época própria, no entanto, para efeito de correção monetária dos títulos devidos, o mês imediatamente subseqüente ao da prestação do serviço (súmula 381, do C. Tribunal Superior do Trabalho).

Juros ex lege.

Sobre os títulos ora deferidos, descontos fiscais e previdenciários autorizados, na forma da fundamentação. Dado o seu caráter remuneratório (artigo 214, Decreto 3048/1999), devem sofrer a incidência das contribuições previdenciárias os seguintes títulos, discriminados em dispositivo de sentença: ‘1’, ‘3’, ‘7’, ‘8’, ‘9’, ´10´, ´14´, ´15´, ´16´ e ‘17’. Tanto o percentual devido pelo empregado quanto pelo empregador devem ser recolhidos, ficando este último responsável pela retenção e pagamento. Observe-se o regime de competência, quanto aos descontos previdenciários.

O feito fora autuado sob número 01618200504002008 e a presente decisão lavrada em 23 laudas, todas rubricadas pelo juiz prolator.

Intimem-se as partes. Cumpra-se.

LUIS PAULO PASOTTI VALENTE

Juiz do Trabalho

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