Questão de competência

Supremo não analisa Habeas Data contra presidente do TSE

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19 de outubro de 2006, 6h00

O Supremo Tribunal Federal só analisa pedido de Habeas Data contra atos do presidente da República, da Câmara dos Deputados, do Senado, do Tribunal de Contas da União, do procurador-geral da República e do próprio Supremo. A competência está definida no artigo 102 da Constituição e só pode ser ampliada em raras exceções.

O entendimento foi reafirmado pelo ministro Celso de Mello, que determinou o arquivamento de um pedido de Habeas Data do candidato a deputado distrital João Batista da Silva. Ele pretendia que o ministro Marco Aurélio, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, fosse obrigado a informar a quantidade e a localização dos votos que obteve.

De acordo com o ministro, o autor deveria ter enviado o pedido de Habeas Data ao próprio TSE e, no caso de recusa, aí sim caberia recurso ao Supremo.

Celso de Mello explicou que, ainda que fosse competência do STF analisar o pedido, este, em especial, não poderia ser analisado porque carece de um requisito fundamental: não há provas de que o candidato pediu as informações à autoridade antes de entrar com a medida judicial. O pedido de Habeas Data só poderia ser feito se a autoridade tivesse negado a solicitação do autor.

Habeas Data é uma ferramenta jurídica para garantir ao cidadão o acesso às informações que lhe diga respeito, de posse da administração pública.

Veja a íntegra do voto

TUTELA ANTECIPADA EM HABEAS DATA 75-9 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

IMPETRANTE(S): JOÃO BATISTA DA SILVA

ADVOGADO(A/S): ANTÔNIO R. W. CARVALHO E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S): NAGILA GOMES PEREIRA DOS SANTOS

IMPETRADO(A/S): PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

EMENTA:HABEAS DATA” – NATUREZA JURÍDICAREGIME DO PODER VISÍVEL COMO PRESSUPOSTO DA ORDEM DEMOCRÁTICAA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL DAS LIBERDADES.

– A Constituição da República, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos, enunciou preceitos básicos, cuja compreensão é essencial à caracterização da ordem democrática como um regime do poder visível.

O modelo político-jurídico, plasmado na nova ordem constitucional, rejeita o poder que oculta e não tolera o poder que se oculta. Com essa vedação, o constituinte pretendeu tornar efetivamente legítima, em face dos destinatários do poder, a prática das instituições do Estado.

– O “habeas dataconfigura remédio jurídico-processual, de natureza constitucional, que se destina a garantir, em favor da pessoa interessada, o exercício de pretensão jurídica discernível em seu tríplice aspecto: (a) direito de acesso aos registros existentes; (b) direito de retificação dos registros errôneos e (c) direito de complementação dos registros insuficientes ou incompletos.

Trata-se de relevante instrumento de ativação da jurisdição constitucional das liberdades, que representa, no plano institucional, a mais expressiva reação jurídica do Estado às situações que lesem, efetiva ou potencialmente, os direitos fundamentais da pessoa, quaisquer que sejam as dimensões em que estes se projetem.

HABEAS DATAIMPETRADO CONTRA O TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE). INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (CF, ART. 102, I, “d”). “HABEAS DATANÃO CONHECIDO.

– O Supremo Tribunal Federal não dispõe de competência originária para processar e julgar “habeas data” impetrado contra os Tribunais Superiores da União, inclusive contra o Tribunal Superior Eleitoral. Precedentes.

A competência originária do Supremo Tribunal Federal, por qualificar-se como um complexo de atribuições jurisdicionais de extração essencialmente constitucional — e ante o regime de direito estrito a que se acha submetida — não comporta a possibilidade de ser estendida a situações que extravasem os limites fixados, em “numerus clausus”, pelo rol exaustivo inscrito no art. 102, I, da Constituição da República. Precedentes.

SEM QUE SE CONFIGURE PRÉVIA RECUSA DE ACESSO AOS REGISTROS ESTATAIS, NÃO SE CONCRETIZA O INTERESSE DE AGIR EM SEDE DE HABEAS DATA”.


O acesso ao remédio constitucional do “habeas datapressupõe, dentre outras condições de admissibilidade, a existência do interesse de agir (Lei nº 9.507/97, art. 8º, parágrafo único, n. I). Ausente o interesse legitimador da ação, torna-se inviável o exercício desse remédio constitucional.

A prova do anterior indeferimento do pedido de informação de dados pessoais, ou da omissão em atendê-lo, constitui requisito indispensável à concretização do interesse de agir em sede de “habeas data” (RTJ 162/805-806, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO). Sem que se configure situação prévia de pretensão resistida, há carência da ação constitucional do “habeas data”. Precedentes.

DECISÃO: Trata-se dehabeas data”, que, impetradoem face do Presidente do Tribunal Superior Eleitoral” (fls. 02), objetiva compeli-lo “a fornecer todas as informações referentes a quantos votos obteve o Autor e a sua localização (zona e seção eleitorais)” (fls. 10).

O ora impetrante postula, ainda, seja-lhe outorgada a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional (fls. 08/09).

A análise da presente impetração, além do exame da questão preliminar pertinente à competência originária do Supremo Tribunal Federal para apreciar esta ação constitucional, estimula algumas reflexões em torno do instituto do “habeas data”, hoje disciplinado pela Lei nº 9.507/97, que regula o direito de acesso a informações e dispõe sobre o rito procedimental desse “remedium juris”.

Como se sabe, a ação constitucional de “habeas data” — considerada a própria estrutura que lhe foi conferida pela Constituição da República (art. 5º, LXXII) — destina-se a assegurar, ao impetrante, o direito de conhecer, de complementar e/ou de exigir a retificação de informações que lhe digam respeito, constantes de registros ou de bancos de dados mantidos por entidades governamentais ou por instituições de caráter público.

O Supremo Tribunal Federal, ao tratar da garantia constitucional de acesso a informações de caráter pessoal registradas em órgãos do Estado, reconheceu que esse tema envolve um dos aspectos mais expressivos da tutela jurídica dos direitos da personalidade, proferindo, então, em 1991, decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:

A Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos, enunciou preceitos básicos, cuja compreensão é essencial à caracterização da ordem democrática como um regime do poder visível.

O modelo político-jurídico, plasmado na nova ordem constitucional, rejeita o poder que oculta e não tolera o poder que se oculta. Com essa vedação, pretendeu o constituinte tornar efetivamente legítima, em face dos destinatários do poder, a prática das instituições do Estado.

Ohabeas data’ configura remédio jurídico-processual, de natureza constitucional, que se destina a garantir, em favor da pessoa interessada, o exercício de pretensão jurídica discernível em seu tríplice aspecto: (a) direito de acesso aos registros; (b) direito de retificação dos registros e (c) direito de complementação dos registros.

Trata-se de relevante instrumento de ativação da jurisdição constitucional das liberdades, que representa, no plano institucional, a mais expressiva reação jurídica do Estado às situações que lesem, efetiva ou potencialmente, os direitos fundamentais da pessoa, quaisquer que sejam as dimensões em que estes se projetem. (…).

(RTJ 162/805-806, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Feitas tais considerações, examino, desde logo, se se acha configurada, ou não, na hipótese, a competência originária desta Suprema Corte para o processo e julgamento do presentewrit” constitucional.

Entendo não competir, originariamente, ao Supremo Tribunal Federal, o julgamento desta ação de “habeas data”, que foi ajuizada em face do E. Tribunal Superior Eleitoral.

É que, sendo taxativas as hipóteses do art. 102, I, “d”, da Constituição Federal – pertinentes à impetrabilidade originária de “habeas data perante o Supremo Tribunal Federal -, falece competência a esta Corte para apreciar o presente “writ”.


Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que a competência originária do Supremo Tribunal Federal, por qualificar-se como um complexo de atribuições jurisdicionais de extração essencialmente constitucional – e ante o regime de direito estrito a que se acha submetida – não comporta a possibilidade de ser estendida a situações que extravasem os rígidos limites fixados, em “numerus clausus”, pelo rol exaustivo inscrito no art. 102, I, da Carta Política, consoante adverte a doutrina (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 2/217, 1992, Saraiva) e proclama a jurisprudência desta própria Corte (RTJ 43/129 – RTJ 44/563 – RTJ 50/72 – RTJ 53/776 – RTJ 159/28).

A “ratio” subjacente a esse entendimento, que acentua o caráter absolutamente estrito da competência constitucional do Supremo Tribunal Federal, vincula-se à necessidade de inibir indevidas ampliações descaracterizadoras da esfera de atribuições institucionais desta Suprema Corte, conforme ressaltou, a propósito do tema em questão, em voto vencedor, o saudoso Ministro ADALÍCIO NOGUEIRA (RTJ 39/56-59, 57).

É certo que o Supremo Tribunal Federal, não obstante as considerações precedentes — e sempre enfatizando os propósitos teleológicos do legislador constituinte — tem procedido, algumas vezes, em casos excepcionais, a construções jurisprudenciais que lhe permitem extrair, das normas constitucionais, por força de compreensão ou por efeito de interpretação lógico-extensiva, o sentido exegético que lhes é inerente (RTJ 80/327 – RTJ 130/1015 – RTJ 145/509, v.g.).

Não é esse, porém, o caso dos autos, valendo referir, bem por isso, a propósito da questão ora versada neste ato decisório, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, em sucessivas decisões, firmou-se no sentido de reconhecer que esta Corte não dispõe de competência originária para apreciar “habeas data”, quando deduzido em face de órgãos que não figurem no rol do art. 102, I, “d”, da Constituição da República (HD 43/PR, Rel. Min. MOREIRA ALVES – HD 44/PR, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI – HD 45/PR, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA), como sucede, p. ex., com o E. Tribunal Superior Eleitoral (HD 63/RJ, Rel. Min. GILMAR MENDES).

Cumpre acentuar, presente a norma de competência consubstanciada no art. 102, I, “d”, da Lei Fundamental, que, tratando-se de “habeas data”, somente assistirá competência originária a esta Corte Suprema, se e quando impetrado “contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal” (grifei).

Assinale-se, no entanto, que, denegado o “habeas data”, em única instância, por qualquer Tribunal Superior da União (como o Tribunal Superior Eleitoral), caberá, então, a esta Suprema Corte, presente tal circunstância, julgar o recurso ordinário cabível, pois incidirá, aí, a regra constitucional que define a competência recursal ordinária deste Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, II, “a”).

Nada justifica, contudo, que se impetre, desde logo, perante esta Corte, “habeas data”, quando o órgão apontado como coator qualificar-se como Tribunal Superior da União, tal como sucede com o E. Tribunal Superior Eleitoral (HD 63/RJ, Rel. Min. GILMAR MENDES, v.g.).

De outro lado, e mesmo que se pudesse superar tal óbice, ainda assim revelar-se-ia prematura a utilização, no presente caso, da ação de “habeas data”, eis que a parte ora impetrante não observou o que determina o art. 8º, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 9.507/97, que assim dispõe:

Art. 8° (…).

Parágrafo único. A petição inicial deverá ser instruída com prova:

Ida recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de dez dias sem decisão (…).” (grifei)


Como se sabe, impõe-se, ao autor da ação de “habeas data”, o dever de instruir a petição inicial com a prova da recusa estatal ao pretendido acesso às informações.

Cabe rememorar, neste ponto, que essa exigência legal – não atendida pelo ora impetrante – encontra pleno suporte na própria jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou no exame desse requisito de ordem formal:

O acesso ao ‘habeas data’ pressupõe, dentre outras condições de admissibilidade, a existência do interesse de agir. Ausente o interesse legitimador da ação, torna-se inviável o exercício desse remédio constitucional.

A prova do anterior indeferimento do pedido de informação de dados pessoais, ou da omissão em atendê-lo, constitui requisito indispensável para que se concretize o interesse de agir no ‘habeas data’. Sem que se configure situação prévia de pretensão resistida, há carência da ação constitucional do ‘habeas data’.

(RTJ 162/805-806, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

RECURSO DEHABEAS-DATA’. CARÊNCIA DE AÇÃO: INTERESSE DE AGIR.

1. A lei nº 9.507, de 12.11.97, queregula o direito de acesso a informações e disciplina o rito processual do ‘habeas-data’’, acolheu os princípios gerais já proclamados por construção pretoriana.

2. É princípio axiomático do nosso direito que só pode postular em juízo quem tem ‘interesse de agir’ (CPC, arts. 3º e 267, VI), traduzido pela exigência de que só se pode invocar a prestação da tutela jurisdicional diante de uma pretensão resistida, salvo as exceções expressamente previstas.

3. Recurso de ‘habeas-data’ não provido.

(RHD 24/DF, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA – grifei)

Essa orientação jurisprudencial, além de prevalecente no âmbito do Supremo Tribunal Federal (HD 53/PR, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – HD 60/SP, Rel. Min. CARLOS BRITTO, v.g.), tem o beneplácito do E. Superior Tribunal de Justiça, consoante resulta do enunciado inscrito na Súmula 2/STJ.

Sendo assim, e tendo em considerações as razões expostas, não conheço, por evidente falta de competência originária desta Suprema Corte, da presente ação de “habeas data”, restando prejudicado, em conseqüência, o exame do pedido de antecipação dos efeitos da tutela.

Arquivem-se os presentes autos.

Publique-se.

Brasília, 11 de outubro de 2006.

Ministro CELSO DE MELLO

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