Jornada de trabalho

Funcionário que trabalha como caixa não é digitador

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17 de outubro de 2006, 16h55

Caixa que trabalha em lotérica não tem jornada de trabalho de seis horas diárias como o digitador, porque seu trabalho pode ser interrompido diversas vezes. O entendimento é da 10ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas, São Paulo). O TRT negou o pedido de horas extras feito por uma funcionária que trabalhava no caixa da Lotérica Talismã.

A caixa entrou com a reclamação na 1ª Vara do Trabalho de Araçatuba (SP). Alegou que deveria trabalhar somente seis horas por dia, porque exercia a atividade de digitadora, com direito a jornada de seis horas. A primeira instância negou o pedido. Ela apelou ao TRT. O relator do recurso, juiz Valdevir Roberto Zanardi, explicou que a função de caixa, bancário ou lotérico, ainda que compreenda serviços de digitação, sofre interrupção, o que não acontece com o digitador.

“Os caixas não atuam mecânica e sistematicamente no processamento eletrônico de dados. Exercem outras atividades, a exemplo da contagem de dinheiro, atendimento ao público, conferência de documentos, rendendo pausas não condizentes com o árduo trabalho do digitador permanente”, esclareceu Zanardi ao negar o recurso.

Leia integra da decisão

PROCESSO Nº. 00650-2004-019-15-00-0

RO — RECURSO ORDINÁRIO

RECTE: CÁTIA ELAINE FERREIRA PINTO

RECDO: LOTÉRICA TALISMÃ LTDA.- ME

ORIGEM: 1ª VARA DO TRABALHO DE ARAÇATUBA

CAIXA LOTÉRICO. INTERVALOS PRÓPRIOS DO DIGITADOR. INAPLICABILIDADE. Atividades de digitação, de modo a render intervalos periódicos que suprimidos resultam em tempo à disposição, consoante NR 17 e artigo 72, da CLT (Súmula 346), devem ser habituais e permanentes; a função de caixa, bancário ou lotérico, ainda que umbilicalmente relacionada a serviços de digitação, traduz intermitência, afastando, pois, a continuidade e a ininterruptividade próprios do profissional digitador.

Vale dizer, caixas não atuam mecânica e sistematicamente no processamento eletrônico de dados, até porque, não se descura, exercem outras atividades, como a exemplo da contagem de dinheiro, atendimento ao público, conferência de documentos, etc, aqui lhes rendendo pausas não condizentes com o árduo trabalho do digitador permanente.

Da r. sentença de f. 235/238, da lavra do MM. Juiz Sérgio Cardoso e Silva, que declarou parcialmente procedentes, recorre a reclamante (f. 245/252) pretendendo reforma nos seguintes tópicos: indenização correspondente ao período de estabilidade provisória (Lei 8.213/91, artigo 118), indenização por danos morais, horas extras e reflexos (extravasamento além da 6ª hora diária e 36ª semanal + intervalos não concedidos, consoante NR 17) e honorários advocatícios. Juntou documentos (f. 253/287). Contra-razões à f. 290/295.

É o relatório.

VOTO

I — Admissibilidade.

Conhece-se do recurso, preenchidos que foram os pressupostos de admissibilidade. Não se porém, dos documentos atrelados ao apelo (f. 253/287), porquanto não verificada a hipótese autorizadora, consoante Súmula 08, do C. TST.

II — Mérito.

1 Caixa lotérico / Jornada de 6 horas / Horas Extras e Reflexos

Insiste a recorrente na tese de que o caixa lotérico, por atualmente exercer atividades bancárias exclusivamente de digitação, está sujeito à jornada de 6 horas, consoante NR 17, donde faz jus ao pagamento das horas extras postuladas, inclusive pertinentes aos interregnos intervalares suprimidos.

A NR 17, que estabelece parâmetros ergonômicos a permitir a adaptação das condições de trabalho, dispõe em seu item “17.6.4”, “d”:

17.6. 4. Nas atividades de processamento eletrônico de dados deve-se, salvo o disposto em convenções e acordos coletivos de trabalho, observar o seguinte:

(…)

d) nas atividades de entrada de dados deve haver, no mínimo, uma pausa de 10 minutos para cada 50 minutos trabalhados, não deduzidos da jornada normal de trabalho;

Portanto, atividades de digitação, de modo a render intervalos periódicos que suprimidos resultam em tempo à disposição, consoante NR 17 e artigo 72, da CLT (Súmula 346), devem ser habituais e permanentes; a função de caixa, bancário ou lotérico, ainda que também compreenda serviços de digitação, traduz intermitência, afastando, pois, a continuidade e a ininterruptividade próprios do profissional digitador. Vale dizer, os caixas não atuam mecânica e sistematicamente no processamento eletrônico de dados, até porque, não se descura, exercem outras atividades, a exemplo da contagem de dinheiro, atendimento ao público, conferência de documentos, etc, aqui lhes rendendo pausas não condizentes com o árduo trabalho do digitador permanente.

Por tais fundamentos, não se conhece da jornada de 6 horas nem dos intervalos pretendidos, estando irremediavelmente sepultada a pretensão formulada a título de horas extras e reflexos.


2. Afastamento médico/ Aviso prévio/ Interrupção contratual/ Nulidade da rescisão/ Estabilidade provisória/ Danos morais Pretende, a recorrente, a nulidade da rescisão contratual e o reconhecimento da estabilidade provisória prevista no artigo 118, da Lei 8.213/91, ao fundamento de que quando da sua dispensa em 24/08/04 encontrava-se suspenso o contrato de trabalho em virtude de licença médica concedida em 23/08/04, conforme atestado de f. 38, no seguinte teor:

A Sra. Catia Elaine Ferreira Pinto necessita de 60 (sessenta) dias de licença para tratamento. Apresenta-se ansiosa, deprimida, insegura, com somatizações gástricas e irritabilidade. Faz uso de (…) I.D. F32.11 e F44.7 (C.I.D. 101). Aba. 23/8/04 Dr. Ruy Nunes Dib José

CRM 14299

Emerge dos autos que, por conta do aludido atestado, a recorrente, em 13/09/04, após, portanto, a concessão do aviso prévio em 24/08/04, procedeu à comunicação de Acidente de Trabalho no INSS (f. 37), requerendo a percepção de benefício acidentário. Em 27/10/04, o INSS comunicou-lhe a concessão do benefício, ressalvando que o mesmo “foi caracterizado como Auxílio – Doença, decorrente de acidente de trabalho” (f. 62).

Argumenta a defesa, entretanto, que a empresa ré só veio a ter conhecimento do referido atestado através da presente reclamatória, salientando, inclusive, que após a entrega do aviso prévio à recorrente, no início das atividades no dia 24/08/04, a obreira deixou os serviços e só retornou para entregar os atestados de f. 50/52, ou seja, referentes aos dias 24/08 (um dia), 27/8 (três dias) e 30/08 (cinco dias), subscritos por médicos distintos, o que para si evidencia a fraude do atestado de f. 38.

Sem provas orais (f. 61), a origem determinou a expedição de ofício ao INSS solicitando informações quanto ao benefício concedido a partir de 04/10/04 – conforme documento juntado à f. 62 (f. 188/189), tendo sido informada pela agência previdenciária que a recorrente encontrava-se em gozo de Auxílio Doença Acidentário, com as seguintes características (f. 192):

— motivo do afastamento: F32 – Episódios depressivos;

— data do acidente: 23/08/04;

— banco de dados: único pedido de afastamento da segurada;

— próxima perícia: 27/03/05;

— anexou cópia dos documentos apresentados pela segurada (f. 193/211).

Insatisfeita, por mais uma vez a origem reabriu a instrução processual, desta feita para determinar ao Senhor Oficial de Justiça que efetuasse diligências na clínica do Dr. Ruy Nunes Dib José – Clínica de Repouso Paraíso de Araçatuba Ltda (f. 44), a fim de apurar se a recorrente havia ou não ali comparecido nos dias 16/06/04 e 23/08/04, conforme consta dos atestados de f. 38 e 44 (f. 219), tendo sido constatado o seguinte (f. 222):

“(…) Com base nas informações do médico, Dr. Ruy Nunes Dib José e na Ficha Clínica da paciente, Catia Elaine Ferreira Pinto, constatamos que encontra-se registrado o comparecimento no local (…) no dia 16/06/04 como primeira consulta. Com relação ao dia 23/08/04 não há registro da passagem da referida paciente naquela clínica, no entanto, o médico Dr. Ruy Nunes Dib José, alegou não descartar a possibilidade da mesma ter ali comparecido apenas para receber atestado de seu estado clínico, embora não tenha lembrança deste fato, pelo decurso do tempo. (…)”

Pois bem.

Embora a falta de registro da passagem da recorrente pela Clínica Repouso Paraíso no dia 23/08/04, de forma isolada, não fosse suficiente para se concluir que o atestado médico de f. 38 tenha sido emitido em data posterior, até porque o próprio Dr. Ruy não descartou a possibilidade de a paciente ter ali comparecido naquela data apenas para receber atestado do seu estado clínico (f. 222), o conjunto probatório, analisado no todo, permite manter íntegra a decisão originária, inclusive porque força o reexame dos fatos com base estritamente no ônus da prova.

Nessa esteira de raciocínio, diante da negativa patronal de não ter recebido o atestado médico de f. 38 (f. 67, último parágrafo), cumpria, à recorrente, provar a entrega do aludido documento ao seu empregador (artigo 818, da CLT, c/c artigo 333, I, do CPC), até porque não se pode atribuir a este a produção de prova negativa do fato.

Desse ônus, contudo, não se desvencilhou, valendo notar, inclusive, a singeleza da manifestação ofertada em réplica nessa particularidade:

“Há que ser dito também que a afirmação da reclamada de que a cópia do atestado médico à fl. 38 não foi entregue a ela, é inverídica,” (f. 186, último parágrafo).

Ademais, pondera-se, foge à razoabilidade crer que o trabalhador, de posse do atestado médico de f. 38, que prescreve 60 dias de afastamento a partir de 23/08/04, tivesse a preocupação de requerer outros atestados (os de f. 50/52) a outros profissionais clínicos, com o fim de comprovar licenças médicas inferiores àquela no mesmo período (em 24/08, 27/08 e 30/08, com 1, 3 e 5 dias de afastamentos, respectivamente), até porque, não descura, o primeiro (o de f. 38), datado em 23/08, por si só, já lhe asseguraria a licença necessária por período até maior.


Também causa espécie o fato de o sindicato profissional da obreira, através do Dr. Paulo Cesar Soratto (f. 23), patrono nomeado por força de assistência sindical (vide teor do instrumento de f. 23), ciente das conseqüências jurídicas que poderiam advir, mormente frente ao decurso do aviso prévio concedido em 25/08/04 (f. 26), ter formalizado a CAT em 13/09/04, como revela a respectiva assinatura no aludido documento (f. 206/207), sem preocupar-se em notificar a empresa do fato (ao menos nada foi aventado nem há prova nesse sentido).

Destarte, se nos autos há indícios de que a recorrente não passou por consulta clínica no dia 23/08/04 (f. 38 c/c f. 222) e, se aliado a isso, há prova inequívoca de que entregou na empresa outros três atestados médicos subscritos por profissionais diversos, visando a justificar faltas decorrentes de afastamentos concedidos no mesmo período (f. 50/52), forçoso dar guarida à tese patronal, no sentido de que o atestado de f. 38, gênese da Comunicação de Acidente do Trabalho em 13/09/04 (f. 206/207) e do requerimento do auxílio-doença acidentário (f. 195), não foi realmente entregue na empresa na vigência do contrato.

Acresça-se que, apesar da conclusão do instituto previdenciário de que o benefício concedido era decorrente de acidente de trabalho, o fato é que, para os fins trabalhistas aqui perseguidos, não há como se aceitar a caracterização do nexo de causalidade entre a moléstia apresentada pela recorrente e o ambiente de trabalho em prestava serviços, valendo realçar que nenhuma prova contundente veio aos autos, no sentido de que o estado clínico depressivo apresentado pela obreira seja mesmo decorrente das condições de trabalho.

Tais circunstâncias impossibilitam o reconhecimento judicial de que a recorrente é detentora da estabilidade provisória prevista no artigo 118, da Lei 8.213/91 e, por consectário, faça jus à indenização pretendida, inclusive por dano moral.

Diante da conclusão que se chega em relação ao atestado médico de f. 38, cumpre a esta Corte determinar a expedição de ofício ao Conselho Regional de Medicina, com cópia das peças que se entender pertinentes (em especial, dos atestados de 50/52, dos ofícios e documentos de f. 191/211, do Auto de Constatação de f. 222, da sentença e da presente decisão) para que tome as providências que entender cabíveis.

3. Honorários Advocatícios. Aqui, merece guarida o apelo.

Consta do instrumento de procuração de f. 23, que a recorrente, Cátia Elaine Ferreira Pinto, está assistida pelo Sindicato dos Empregados de Agentes Autônomos do Comércio e em Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas e de Empresas de Serviços Contábeis de Araçatuba e Região, razão pela qual são devidos honorários em favor do sindicato assistente (Lei 5.584/70, artigo 14), ora fixados em 10% sobre o valor da condenação.

Reforma-se.

III — Conclusão

Ante o exposto, decide-se conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento para condenar a recorrida a pagar honorários advocatícios em favor do sindicato assistente, fixados em 10% do valor da condenação. No mais, mantém-se inalterada a r. decisão originária.

Rearbitra-se o valor da condenação em R$ 2.750,00. Custas, no importe de R$ 55,00.

Valdevir Roberto Zanardi

Juiz Relator

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