Globo não indeniza delegado que reclamou de edição de entrevista
16 de outubro de 2006, 13h11
A TV Globo está livre de pagar indenização por danos morais para o delegado da Polícia Federal Antônio Wagner Gonçalves Castilho. Ele entrou com a ação porque não gostou da edição de uma entrevista exibida pelo programa Globo Repórter, sobre violência sexual e pedofilia. A pretensão foi negada pela juíza Anna Paula Dias da Costa, da 2ª Vara Cível de Santo Amaro (SP). Cabe recurso.
De acordo com o processo, Castilho foi convidado pela produção do programa para gravar uma entrevista sobre um inquérito que presidia, comentar algumas cenas e explicar aspectos da violência sexual e pedofilia. Ele alegou que, na conversa, os jornalistas não informaram que as câmeras estavam ligadas. O objetivo seria o de deixar o delegado mais a vontade, para falar sobre o que quisesse. Quando o programa foi ao ar, o agente da PF ficou insatisfeito com o resultado da edição e entrou com a ação de indenização por danos morais.
O delegado alegou que a emissora levou para o ar reportagem “inverídica e tendenciosa” e que “abusou do seu direito, por veicular imagens indevidamente gravadas, referentes à conversa informal entre o entrevistado e o repórter”.
Já a TV Globo disse que foi o delegado “quem se perdeu na entrevista, porque estava há mais de uma hora diante das câmeras”. Também sustentou que o delegado sabia que a entrevista seria pública e não in off, como se diz no jargão jornalístico.
A juíza Anna Paula Dias da Costa acolheu os argumentos da emissora. Reconheceu que o delegado não foi pego de surpresa, porque inclusive forneceu dados do inquérito policial. “Embora o autor desaprove o resultado da entrevista, o certo é que foram veiculadas suas manifestações, ainda que de maneira informal, portanto não são inverídicas”, entendeu.
“No caso em estudo, pode-se concluir com segurança, salvo melhor juízo, que não ocorreu excesso por parte da ré e nem violação aos direitos do autor, visto como dentro do critério de razoabilidade o autor que exercia um cargo de comunicador social de sua corporação, presume-se estar apto a lidar com esse tipo de situação, inclusive adotar uma postura compatível com o seu cargo, utilizando-se de expressões adequadas, ainda que informalmente, pois não estava agindo em nome próprio e sim, como representante da corporação.”
A emissora foi representada pelo advogado Luiz Camargo de Aranha Neto.
Leia a decisão
PODER JUDICIÁRIO
2ª Vara Cível do Foro Regional de Santo Amaro/SP
Processo nº 583.02.2004.071820-1
Vistos. ANTONIO WAGNER GONÇALVES CASTILHO move ação de indenização de danos morais em face de TV GLOBO LTDA. Em síntese o autor aduz que em 10.09.04 a ré veiculou o programa denominado “Globo Repórter”, cujo assunto era violência sexual e pedofilia.
O autor foi convidado pela ré para se manifestar sobre determinadas imagens e prestar informações sobre um inquérito, propondo ainda que fosse ensaiada entrevista para posterior gravação definitiva.
Ocorre que, abusando do seu direito, a ré veiculou imagens indevidamente gravadas, referentes à conversa informal entre o entrevistado e a repórter.
Desse modo levou ao ar matéria inverídica e tendenciosa, que ocasionou danos à esfera moral do demandante. Assim, requer seja a ação julgada procedente para condenar a ré a indenizar o autor pelos danos morais sofridos, bem como a final aos encargos da sucumbência.
Citada a requerida contestou o pedido e pugnou pela sua improcedência. Asseverou que agiu dentro dos limites legais, porquanto a matéria veiculada é verídica e imparcial. Em nenhum momento identificou o autor como o responsável pelo Inquérito Policial mencionado na entrevista.
Na realidade foi o autor que se perdeu na entrevista, pois estava há mais de uma hora diante das câmeras. Negou que a entrevista seria gravada “in off”.
No mais questionou os danos morais pretendidos que no seu entender são indevidos. Citou doutrina e jurisprudências. Réplica a fls.56/60.
Foi designada audiência de instrução e julgamento, ocasião em que foram inquiridas duas testemunhas arroladas pelo autor. Após, as partes debateram a causa e reiteraram suas posições (fls.184/187).
Vieram documentos.
É o relatório.
D E C I D O.
Cuida-se de indenização de danos morais oriundos de matéria exibida pela ré, por ocasião de entrevista do autor à emissora no programa “Globo Repórter”.
É incontroverso nos autos que o demandante, Delegado de Polícia Federal, foi procurado pela ré, na qualidade de comunicador social, para dar entrevista sobre um inquérito policial que investigava crime de pedofilia.
O demandante alega que a matéria veiculada estava distorcida, pois utilizou trechos de uma conversa informal entre ele e a repórter. A questão que se coloca para saber se a indenização pleiteada é devida reside em responder se houve abuso de direito.
A requerida procurou previamente o autor e explicou-lhe o tema da entrevista, inclusive forneceu os dados do inquérito policial, objeto da entrevista.
Verifica-se que o requerente não foi pego de surpresa. A sua indignação reside no fato da forma como a entrevista fora transmitida, o que no seu entender fez com que os expectadores tirassem conclusões desabonadoras, que causaram-lhe sentimento de humilhação.
Embora o autor desaprove o resultado da entrevista, o certo é que foram veiculadas suas manifestações, ainda que de maneira informal, portanto não são inverídicas.
Obtempere-se que ele tinha ciência da gravação, porquanto na inicial menciona a gravação “in off”, mesmo porque não faria sentido um mero ensaio com a presença de operadores de câmera e áudio.
No tocante a edição da entrevista, considerando que não existe mais a matéria bruta, não é possível afirmar-se que a edição interferiu na seqüência das palavras do autor que refletissem no seu conteúdo, mesmo porque a ré não está obrigada por lei a preservar esse material.
Convém destacar que a ré é um órgão de informação e dentro do Estado Democrático de Direito resguarda-se, entre outras coisas, o direito à livre informação, desde que não haja abuso de direito e não colida com o direito à intimidade.
No caso em estudo, pode-se concluir com segurança, salvo melhor juízo, que não ocorreu excesso por parte da ré e nem violação aos direitos do autor, visto como dentro do critério de razoabilidade o autor que exercia um cargo de comunicador social de sua corporação, presume-se estar apto a lidar com esse tipo de situação, inclusive adotar uma postura compatível com o seu cargo, utilizando-se de expressões adequadas, ainda que informalmente, pois não estava agindo em nome próprio e sim, como representante da corporação.
A ré atuou dentro dos limites legais e cingiu-se a prestar a informação que, diga-se de passagem, era de interesse público ante a gravidade do tema da entrevista que versava sobre violência sexual infantil.
Com relação à prova documental produzida, anote-se que diz respeito a uma sindicância interna para apuração de eventual infração administrativa pelo autor, cujo resultado não interfere no deslinde dessa causa.
As testemunhas, inquiridas em contraditório, a despeito de confirmarem o estado anímico do autor, não trouxeram nenhum fato que afaste as conclusões acima.
A despeito da repercussão da matéria na honra do demandante, constata-se que ela não foi causada por comportamento abusivo por parte da demanda.
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido para declarar extinto o processo com julgamento do mérito nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil.
O autor arcará com as despesas processuais, incluídos honorários advocatícios que fixo por eqüidade em R$ 800,00 (CPC, artigo 20, § 4° do C.P.C.).
P.R.I.
São Paulo, 10 de agosto de 2006.
ANNA PAULA DIAS DA COSTA
Juíza de Direito
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